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Liberdade de imprensaMoçambique

Moçambique: "Não nos misturamos com a escória da sociedade"

Nádia Issufo
15 de março de 2021

Reação do painel do "Revista Nacional" que abandonou o programa em direto no domingo, face a aparente imposição de comentador no debate. Fátima Mimbire acredita que o Governo quer aniquilar o debate independente.

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Mosambik l TV-Sender SOICO, Fernsehstudio
Foto ilustrativaFoto: Johannes Beck/DW

Era praticamente o único espaço de debate político composto por um painel crítico e independente na comunicação social moçambicana, mas logo à nascença, na sua terceira edição, o "Revista Nacional" da TV Sucesso deu sinais de não conseguir resistir à "força da mudança" da FRELIMO, o partido no poder em Moçambique.

Este domingo (14.03), o canal substituiu, antes do programa, o painelista residente Alexandre Chivale, advogado do ex-Presidente Armando Guebuza, por Egídio Vaz, tido como propagandista da FRELIMO e do Presidente da República, Filipe Nyusi. A justificação: o direito de resposta ou a chance de esclarecer pronunciamentos anteriores de Chivale. 

Alexandre Chivale, Rechtsanwalt von Armando Guebuza, ehemaliger Präsident Mosambiks
Alexandre Chivale terá sido substituído, por imposição, em programa de TV Foto: privat

"A partir do momento em que há uma quebra do acordo que estabelecemos, sinto-me também no direito de tomar as providências que achar necessário. E o que me foi dito é que essa pressão vinha de um dirigente da Assembleia da República, do lado do partido FRELIMO, obviamente. Se esse é um direito de resposta eu não sei, eles é que podem responder", critica Alexandre Chivale.

Programa sem comentadores

Em direto, os outros painelistas residentes, Fátima Mimbire e Ivan Mazanga, abandoram o programa, seguindo o adágio popular citado pela própria comentadora: "Nunca lutes com um porco, ficas todo sujo e ainda por cima o porco gosta", disse à DW África.

"Sem dúvida foi essa a mensagem que tentámos traduzir, mas isso também foi muito direcionado ao grupo de assessores [não oficiais do regime]. E mais do que isso é dizer ao regime que não vamos dar corda a um regime ditatorial, vamos sim dar as [nossas] costas", garante.

"Entrar em debate com o Egídio Vaz significava dizer ao partido FRELIMO, às pessoas que o impuseram, que não nos importamos, que podem trazer as suas pessoas na hora e como quiserem, que estamos dispostos a debater. Mas temos de dizer que não interagimos com esse tipo de stakeholders, porque ele não está em linha com os interesses que seguimos como país", defende.

"Demonstrar a esse individuos que eles são a escória da sociedade e nós não nos misturamos com a escória da sociedade", garante Mimbire.

A reação dos painelistas foi bastante aplaudida nas redes sociais, que olham para a atitude como uma resposta democrática à ditadura. Para muitos internautas, ficou claro que o objetivo, ao impor Egídio Vaz, era aniquilar o espaço de debate que mais afeta o regime da FRELIMO.

Fatima Mimbire | mosambikanische Aktivistin
Fátima Mimbire, ativista moçambicanaFoto: Privat

"Isso é um sinal muito claro de que estamos a deixar a ditadura entrar e a ditadura entra primeiro através do controlo dos órgãos de comunicação de massas", alerta Fátima Mimbire.

"Desviar atenções"

A DW África procurou insistentemente ouvir o responsável da TV Sucesso e também o deputado Gabriel Júnior, membro da bancada da FRELIMO no Parlamento, mas sem sucesso. 

A comentadora e ativista Fátima Mimbire desconfia que os temas incómodos que iriam a debate, como as dificuldades do Governo em lidar com o terrorismo em Cabo Delgado, as mortes por causa da fome em Nampula ou a soltura dos arguidos no caso das dívidas ocultas, impulsionaram o regime a sabotar a discussão, desviando assim a atenção do essencial. 

"Mas esses assuntos não morrem... Enquanto houver redes sociais, nós vamos continuar a falar sobre estas questões e vamos chegar aos cidadãos. A nossa voz vai ouvir-se. Não nos vão calar, isso não vão conseguir", asseverou.

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