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Filme retrata jovens que recusaram combater em África

João Carlos (Lisboa)4 de fevereiro de 2015

Entre 1961 e 1974, 100 mil jovens abandonaram Portugal para fugir à guerra colonial. Alguns contam a sua história no filme "Guerra ou Paz”, do realizador português Rui Simões, que também se recusou a combater em África.

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Foto: DW/J. Carlos

A luta armada de libertação de Angola teve início a 4 de fevereiro de 1961. Angola, Moçambique e Guiné-Bissau foram os três cenários da guerra colonial em África, que mobilizou milhares de portugueses e africanos.

Entre 1961 e 1974, 100 mil jovens militares portugueses partiram para a guerra nas antigas colónias. Nesse mesmo período, outros 100 mil, de classes e sensibilidade diferentes, decidiram sair de Portugal com destino a outros países da Europa porque não se reviam nessa guerra.

Alguns dos desertores ou refractários, como também foram chamados, contam a sua história no filme “Guerra ou Paz”. O documentário foi realizado em 2002 pelo português Rui Simões, ele próprio um dos protagonistas entre os que se recusaram a combater em África. Tinha na altura 22 anos.

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“A guerra é algo que, à partida, um jovem de 22 anos devia recusar fazer. E foi o que eu fiz”, recorda. “Não tanto pelo facto de reconhecer a legitimidade dos povos do Ultramar à sua independência, porque embora eu tivesse essa consciência, não a tinha de forma a ser um motor para desertar das Forças Armadas do meu país”.

Rui Simões não queria “combater por uma causa que achava que não era justa”. Por outro lado, também “não via com bons olhos” um conflito que já tinha deixado marcas nos seus amigos mais velhos que tinham ido para a guerra em 1961.

Quando o realizador saiu de Portugal, em 1966, diz ter visto “muitas dezenas de jovens que vinham perturbados, com problemas, muito mais agressivos do que eram antes, a contarem histórias completamente sinistras.” Isso tudo chocou-o, tal como “chocou os 100 mil jovens que se foram embora também”, sublinha.

Guerra sem sentido

Era uma guerra que não fazia sentido para o grupo. Não por uma tomada de posição política nem porque estava em causa o seu amor à pátria. De um modo geral, adianta Rui Simões, a juventude não pactuava com a guerra colonial porque tinha anseios de liberdade.

A grande maioria dos que participaram nos cenários de conflito em África não tinha consciência do que estava por detrás do discurso dominante.

Rui Simões
O realizador Rui Simões também se recusou a combater em ÁfricaFoto: DW/J. Carlos

“Esta ideia de ser refractário ou de desertar era longínqua para muitos desses jovens. Ou porque vinham da província e não tinham sequer consciência do que se estava a passar, ou estavam na universidade e eram mais conscientes, ou eram trabalhadores que não tinham consciência do que estava realmente em jogo”, defende o realizador.

Devido ao regime ditatorial de Franco em Espanha, aliado de Salazar, muitos fugiram para países como França, Bélgica, Suécia e Alemanha, que lhes davam segurança.

“O Alto Comissariado das Nações Unidas era em Bruxelas, o que nos permitia ter um estatuto de refugiados. Beneficiávamos de um passaporte e podíamos circular na Europa, menos em Portugal”, lembra Rui Simões.

Foi na Bélgica, que tinha esse estatuto, que o realizador encontrou muitos africanos. “Muitos angolanos e moçambicanos que também se ausentaram daqui – porque no fundo éramos todos portugueses – e que, a partir desses países, tomaram consciência com mais rigor do que se estava a passar”.

Segundo Rui Simões, “tudo isso também influenciou muito os movimentos de libertação, porque muitos desses jovens depois aderiram a esses movimentos”.

Lutar contra o próprio povo

Entre os jovens portugueses desertores – para uns refratários, para outros heróis – são de referir angolanos como José Mena Abrantes e Manuel dos Santos Lima, ex-militar do exército português que viria a fundar o primeiro exército popular de libertação em Angola.

Manuel dos Santos Lima
O angolano Manuel dos Santos Lima, ex-militar do exército portuguêsFoto: DW/J. Carlos

Arlindo Barbeitos foi um dos que esteve na Alemanha, em Frankfurt. “O meu pai mandou-me para Portugal para estudar. Como eu sabia que a guerra ia começar em Angola, não queria lutar contra o meu próprio povo. Por isso, fugi de Lisboa”, recorda.

A fuga organizada ocorreu antes dos 100 angolanos que partiram posteriormente. Arlindo Barbeitos foi um dos primeiros a sair de Portugal. “Eu e outro amigo são-tomense fomos uma espécie de balão de ensaio. Fugimos para Paris com a ajuda dos comunistas portugueses”, conta. Foi na capital francesa que aderiram oficialmente ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Depois de França partiram para a Alemanha, onde inicialmente foram muitas as dificuldades. “Éramos considerados turras, ou terroristas, algo que não achávamos ser. Éramos simplesmente patriotas. Defendíamos o legítimo direito do povo angolano de se tornar independente.”

Registo histórico

O depoimento de Arlindo Barbeitos está registado no filme “Guerra ou Paz”, que Rui Simões realizou precisamente com o objetivo de dar voz àqueles que negaram fazer a guerra. As suas marcas ainda hoje são visíveis, mas a História deu razão a estes jovens, afirma o realizador, que diz ter sentido a “obrigação” de fazer este filme.

“No fundo, nós tínhamos razão. Fiz o filme justamente como registo para a História”, conta. “Somos muitos ainda vivos e podemos testemunhar o que nos levou a ir embora e também, de certa maneira, a pôr um pouco de ordem na interpretação da história da descolonização.”

Já no circuito do cinema, o filme, que Rui Simões considera ser um contributo para a memória, é exibido esta quinta-feira (05.02), na Associação José Afonso, na capital portuguesa, Lisboa.

Arlindo Barbeitos
Depoimento de Arlindo Barbeitos está registado no filme “Guerra ou Paz"Foto: DW/J. Carlos
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