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Economia moçambicana ainda mais em apuros?

Maria João Pinto
3 de abril de 2018

A partir de julho, Moçambique poderá ficar impossibilitado de receber ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas para economista ouvido pela DW África, a situação não pode ficar pior do que já está.

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Foto: picture-alliance/dpa/J. Lo Scalzo

Moçambique vai ultrapassar a partir de julho todos os cinco limites usados pelo FMI para avaliar a sustentabilidade da dívida. E o Governo reconhece isso mesmo nos documentos entregues aos credores nas reuniões de 20 de março, em Londres. Em causa estão os limites do valor atual da dívida face ao Produto Interno Bruto (PIB), às Exportações, às Receitas, o Serviço da Dívida face às Exportações e o Serviço da Dívida comparado com o valor das Receitas.

De acordo com as regras internas do Fundo, os países que ultrapassem estes limites deixam de poder receber ajuda financeira.  E até ao final do ano passado, no caso moçambicano, apenas o valor do serviço da dívida face às exportações estava abaixo do limite definido pelo FMI, mas a alteração dos critérios a partir de julho faz com que este valor ultrapasse o nível máximo apontado naquelas regras.

Em entrevista à DW África, o economista moçambicano Hipólito Hamela, docente da Universidade Eduardo Mondlane, avalia que o país não deverá ser afetado diretamente, uma vez que continua a receber apoio dos doadores internacionais por meio de projetos não gerenciados pelo Governo.

DW África: O FMI ainda não clarificou as consequências concretas da alteração que fez nas suas regras de ajuda financeira. Mas estará Moçambique em risco de ficar numa situação económica ainda mais difícil que a atual?

Economia moçambicana ainda mais em apuros?

Hipólito Hamela (HH): Mais difícil do que está este país, não acredito. O país já está em grande dificuldade. A oportunidade que o povo moçambicano tem tido até hoje é porque mesmo aquelas organizações que decidiram não fazer o "budget support" entraram neste momento no "project support". Moçambique conseguiu aquela imagem que lhe permitia que os doares metessem todo o dinheiro num saco, o chamado "budget support". Quando perdeu essa imagem devido a todos os problemas que já tivemos nos últimos tempos, houve uma mudança na atuação dos doadores, que estão agora a usar ONG, projetos, estão a continuar a construir escolas, centros de saúde. Não tenho a certeza quanto ao apoio direto ao Ministério da Saúde, mas posso garantir que as escolas, os hospitais, continuam a receber apoio através de organizações. O que está a acontecer é que [este apoio] já não é canalizado ao Governo.

DW África: Voltando à possibilidade de Moçambique ultrapassar todos os limites da dívida, e de acordo com as regras do FMI, ficar impossibilitado de ter acesso ao apoio do fundo, acha isto realista?  

HH: Penso que temos de ir buscar a luz da doutora Luísa Diogo para voltar a fazer a "Sopa da Madrugada". Neste livro, a doutora Luísa Diogo, que foi primeira-ministra deste país, conseguiu o perdão da dívida. Mas eu não estou a ver como vamos sair desta dívida. Acho que foi a pior coisa que já aconteceu neste país. Mas aconteceu e nós, moçambicanos, já a assumimos via Parlamento. E mais dia menos dia vamos ter de pagá-la ou vamos conseguir uma "Sopa da Madrugada" que permita um perdão. Acredito que, mais dia menos dia, vamos conseguir.

Schiffsplattform Saipem
Exploração do gás na Bacia do Rovuma, na província de Cabo DelgadoFoto: ENI East

DW África: Em março, em Londres, os credores rejeitaram a proposta inicial apresentada por Moçambique, de perdão de 50% da dívida atrasada. Como é que esta proposta poderá ser melhorada para realmente ser conseguido este perdão?

HH: Penso que estamos a fazer tempo, porque estamos à espera do gás e do petróleo começarem a jorrar. Com o gás de Pemba, por exemplo, nós vamos ser capazes de pagar essa dívida. O problema é que o gás ainda não está a arrancar. Não sei como é que está a situação, mas parece que as coisas estão a andar. Temos lá a ENI, a Exxon Mobil, a Shell, que já comprou uma boa parte da produção, e parece que a China e o Japão compraram uma outra boa parte. Então, penso que estamos à espera do gás, mas não sei quando isto vai sair. Deveria começar a sair agora, em 2018. O Governo está a fazer um compasso de espera. Agora, o que vai ser em termo de juros quando se começar a pagar a dívida, não tenho ideia nenhuma. O único problema vai ser a acumulação de juros.

DW África: E até lá o que se pode esperar do impacto direto deste compasso de espera na economia?

HH: Nada vai acontecer. Os credores só têm que esperar. O país está numa situação em que o Governo está a geri-lo com fundos próprios, mas não há um orçamento anterior em que 40% era suportado pelos doadores. Já houve tempos em que era 60%, mas o Governo conseguiu dar a volta e chegou a 40%. E agora é tudo pago com base na coleta dos impostos. E o que vale também é que a Autoridade Tributária está em franco desenvolvimento em termos de capacidade de coleta de impostos. O único problema é que, se não houvesse aquela alternativa de "project support", de financiamento direto aos projetos, estaríamos mal. Mas os doadores não deixaram de financiar os projeto, só o Orçamento Geral do Estado.