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Educação

Educadores temem retrocesso no ensino sobre África no Brasil

Júlia Faria
25 de fevereiro de 2019

Temor surge com a ascensão de uma onda conservadora no país. Brasil tem legislação que obriga o ensino da história africana e da cultura negra. Ministério da Educação diz que receio não se justifica.

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Brasilien Verfassung in der Schule
Foto: DW/N. Pontes

Está na lei: toda escola brasileira é obrigada a ensinar sobre a história de África. Publicada em 2003, a lei 10.639 é considerada um ponto-chave para abordagem de questões étnico-raciais. Ela determina o ensino da história dos africanos, da luta dos negros no Brasil e de sua participação na formação da sociedade, numa forma de resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, económica e política.

Desde a publicação da lei, houve avanços e a norma inclusive foi aprimorada. Mas educadores ainda apontam dificuldades. E mais, temem que a ascensão de uma onda conservadora no Brasil jogue no lixo as conquistas na luta por uma educação anti-racista.

Para o professor e membro da comissão de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo, Ricardo Alexino, o Brasil tem avançado na promoção de uma educação plural, mas o crescimento de uma tendência conservadora coloca a diversidade em risco.

Educadores temem retrocesso no ensino sobre África no Brasil

"A lei 10.639 vai ser abatida por uma visão muito conservadora, o que impede que as pessoas conheçam outras culturas. Vivemos no Brasil um período tenebroso, marcado por muita ignorância, em que a ciência não tem vez infelizmente”, afirma Ricardo Alexino.

"Temor não se justifica"

Duas medidas na nova gestão do Ministério da Educação, no Governo de Jair Bolsonaro, foram recentemente alvo de críticas: a extinção de uma secretaria voltada para a promoção da diversidade e a publicação de um edital para livros didáticos que excluía, entre outros assuntos, as culturas quilombolas. A educadora e ativista da ONG Afroeducação, Paola Prandini, considera os atos como graves.

"É muito grave porque é quase como se fosse uma mensagem para nós dizendo: olha, tudo isso que vocês estão aí preocupados em fazer não nos interessa, não é prioridade. Do mesmo jeito que nos Estados Unidos existe o movimento Black Lives Matter, nós também precisamos lembrar que as vidas negras importam no Brasil. E isso não quer dizer só em relação ao número alto de homicídios que a população negra sofre, mas à vida enquanto direito a existir a partir dos seus valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros", avalia.

O secretário Bernardo Goytacazes, do Ministério da Educação, esclarece que foi feita apenas uma reestruturação nas secretarias do MEC e que a diversidade continua nas diretrizes da pasta. Segundo o secretário, o decreto do edital de livros foi um equívoco, já corrigido, da gestão passada. Bernardo Goytacazes afirma que o temor quanto a um retrocesso no ensino da cultura e da história africanas não se justifica. 

Brasilien Bernardo Goytacazes
Secretário Bernardo GoytacazesFoto: MEC/L. Fortes

"Não precisa haver essa preocupação, tudo isso está dentro da lei, dentro da legislação e, de forma alguma, nós do MEC retrocederíamos a um fato como tal. Muito pelo contrário, estamos avançando”, garante.

Aprender sobre África é um direito

Também preocupado com possíveis retrocessos no ensino sobre África no Brasil, o sociólogo e professor do Instituto Federal de São Paulo, Leonardo Borges da Cruz, lembra que a maioria da população brasileira é de descendência africana. Portanto, o aprendizado sobre as tradições e histórias de África é extremamente importante para que os estudantes se reconheçam no que aprendem em sala de aula.

"Na medida em que conteúdos relativos a essas histórias são negados, são silenciados, deixam de ser tratados no ambiente escolar, nós temos um problema. Como que pessoas de traços negróides e pessoas que se entendem como negras podem criar uma auto-imagem positiva, se a todo momento, de forma direta e indireta são submetidos a discursos e outros práticas no sentido de dizer que eles não existem?”, questiona.

A ativista Paola Prandini complementa: "Uma criança negra que tem uma educação eurocêntrica não está sendo respeitada no seu direito de existir. Isso é muito grave e não pode deixar de ser olhado".