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Moçambique: Má governação na base da violência eleitoral

23 de setembro de 2019

Responsável do Centro para a Democracia e Desenvolvimento de Moçambique acusa a polícia moçambicana de fazer "vista grossa" aos atos de violência praticados por elementos da FRELIMO. A polícia não aceita falar.

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Adriano Nuvunga, diretor do CDDFoto: DW/L. Matias

Atos de violência e acidentes que mataram várias pessoas dominam a campanha eleitoral em Moçambique. De acordo com notícias veiculadas pelos média, cerca de 29 pessoas estão detidas, suspeitas de praticarem atos de violência e mortes.

Em entrevista exclusiva a DW África, o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) de Moçambique, Adriano Nuvunga, acusa a polícia de fazer "vista grossa" aos atos praticados por elementos ligados ao partido no poder, a FRELIMO.

DW África: O que está na base da violência eleitoral que se assiste em Moçambique?

Adriano Nuvunga (AN): Há três dimensões de violência que estão a marcar a campanha eleitoral. A primeira, tem a ver com o fato de Moçambique ter uma sociedade marcada por violência politica. Ou seja, o processo eleitoral acontece num quadro marcado por violência política, que apesar de, em 1992, ter terminado o conflito civil que dividia os moçambicanos, através do Acordo geral de Paz, na realidade a sociedade moçambicana não chegou a estar reconciliada no sentido de aceitação mútua para que as pessoas possam conviver de forma sã na democracia. A segunda dimensão, tem a ver com a intolerância política que é cada vez mais movida por aspetos ligados a qualidade governativa em Moçambique. É que cada vez mais fica claro que é nas eleições onde se decide quem vai comer nos cinco anos seguintes e quem vai passar fome...seja na relação interpartidária ou intrapartidária. A título de exemplo, um candidato partidário que é eleito com 52% dos votos, fica com 100% do poder e aquele que teve, por exemplo, 40% dos votos fica com 0% do poder. Isso corresponde a passar fome nos anos seguintes e exacerba os ânimos na campanha eleitoral. A terceira e última dimensão, tem a ver com a forma como os partidos políticos se relacionam com as populações, quando compreende que esta população é favorável ou não a sua orientação politica. Nós temos vários observadores espalhados em todo o país, que estão a reportar casos em que, na chamada campanha porta à porta, quando chega uma aposição e entra na casa da pessoa, esta sai com uma catana a perseguir essa pessoa. É essa intolerância que mostra a dificuldade em aceitar o princípio central do exercício democrático. Mas não esquecer que há uma violência mais estruturada e militarizada em dois polos do país: no norte em Cabo Delgado, onde em algumas partes já não é possível decorrer a campanha eleitoral porque os ataques estão a aumentar, nos distritos de Macomia e arredores. Mas também há que considerar as ameaças em torno do perímetro de corredor da Beira onde o Mariano Nhongo tem estado a ameaçar que vai colocar pessoas armadas. Isto tudo carateriza o quadro de violência.

Moçambique: Má governação e intolerância política na base da violência eleitoral

DW África: A campanha também está a registar um índice muito alto de acidentes fatais. O que explica tantas mortes assim?

AN: De fato esta campanha é aquela que mais acidentes mortíferos se regista. Depois do acidente que houve em Nampula ainda não foi investigado, esclarecido e anunciado o número das pessoas que perderam a vida. Nem investigado qual foi a atitude das forças policiais, precisamente como é que se comportaram em relação aos jornalistas. Porque há indicação de que jornalistas foram ameaçados e arrancaram imagens a alguns para não mostram o que realmente aconteceu. Este caso tem que ser investigado e esclarecido. No outro quadro são acidentes um pouco por todo país. Acontece mais na campanha da FRELIMO. É preciso compreender o que é que poderá estar a passar aqui. Como sabe, é uma estrutura muito hierarquizada e uma oportunidade de adjudicar contratos que podem resultar em desleixos e descuidos que acabam em acidentes que matam os inocentes.

DW África: Mas tem havido também críticas à FRELIMO, que ainda não decretou luto, nem aceita falar publicamente sobre essas mortes?

AN: É um claro desrespeito pela vida humana, que é surpreendente porque nunca foi assim na tradição do partido no que diz respeito a forma como olha para a vida humana. Mas pode mostrar também que dentro da FRELIMO há disputas e que as estruturas do comando não estão sintonizadas. 

DW África: O que é urgente fazer para evitar mais casos de violência na fase final da campanha eleitoral?

AN: Nesta terceira semana houve decréscimo nos atos de violência. Mas historicamente quanto mais se aproxima do fim da campanha recrudesce a violência. A responsabilidade número um deve ser dos líderes dos partidos políticos que devem claramente posicionar-se contra a violência em público e mostrar que isto não deve ser a forma de atuação. No outro sentido, é atuação da polícia de Moçambique. Infelizmente a polícia tem estado a ser cúmplice, protegendo as pessoas ligadas ao partido FRELIMO e deixar a sua mercê os militantes da oposição. O que tem incentivado os grupos mais radicalizados dentro da FRELIMO a sentirem que a sua violência é acarinhada pela polícia. A polícia faz vista grossa quando estes grupos do partido no poder cometer atos de violência.

DW África: A campanha eleitoral vai para o momento crucial, a fase final. Que balanço faz do processo em geral?

AN: Há duas questões principais que se colocam. A primeira tem a ver com a integridade do processo eleitoral, até que ponto os órgãos eleitorais vão assegurar que todos os votos contem em igualdade de circunstâncias. A situação de província de Gaza, de estatísticas de manipulação de orçamento eleitoral, levanta dúvidas sobre isso. Há cada vez um pouco mais de confiança nos órgãos eleitorais, mas fica claramente o ponto de interrogação sobre até que ponto as condições estão criadas para que a votação seja livre por forma assegurar a justiça eleitoral. Por outro lado, cada vez que se acompanha essa campanha eleitoral nota-se o vazio de ideias à volta do espetro político moçambicano. Fica a ideia de que os principais candidatos, partindo do ponto de vista daquilo que estão a transmitir nas campanhas fora do manifesto eleitoral, não há ideias claras e nem estratégias para mudar a vida da população no campo.

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