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"A democracia está a espalhar-se por África", diz Sirleaf

Abu-Bakarr Jalloh | Eric Topona
28 de abril de 2018

Ex-Presidente da Libéria destaca que há cada vez mais transições pacíficas de poder a ocorrer no continente. Vencedora do Prémio Mo Ibrahim fala à DW sobre as conquistas e falhas de governação no país.

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Ellen Johnson-Sirleaf - ehemalige Präsidentin von Liberia
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/EFE/J. Lizon

A governação no continente africano está a mudar, diz a ex-Presidente da Libéria Ellen Johnson Sirleaf. "Olhe em volta e veja quantas transições pacíficas aconteceram", disse em entrevista à DW. Sirleaf sublinha que cada vez mais líderes africanos têm aberto o caminho a sucessores depois de completarem dois mandatos no poder. 

Ellen Johnson Sirleaf é a primeira mulher a ter recebido o prestigiado prémio Mo Ibrahim para a Excelência na Liderança Africana em reconhecimento por práticas de boa governação. Sirleaf assumiu a Presidência da Libéria em 2006, depois de 14 anos de guerra civil, e ainda viu o progresso do país ser devastado pela epidemia do ébola, entre 2014 e 2015.

Depois de cumprir dois mandatos no poder, uma das poucas mulheres chefes de Estado em África transferiu a liderança do país ao seu sucessor, George Weah, em janeiro de 2018.

Apesar de ser criticada por não ter combatido problemas de infraestrutura e de corrupção de forma eficiente, a Fundação Mo Ibrahim, organizadora do prémio, alega que a Libéria foi o único país africano a apresentar avanços em todos as categorias do índice de boa governação no continente desde 2006.

Entre os seis vencedores do prémio, lançado em 2006, estão o ex-Presidente sul-africano Nelson Mandela, o ex-chefe de Estado de Moçambique Joaquim Chissano, e Pedro Pires, de Cabo Verde.

Antes da cerimónia de premiação esta sexta-feira (27.04) em Kigali, Ruanda, Sirleaf deu uma entrevista exclusiva à DW.

DW: Na sua opinião, quais foram os maiores avanços conquistados na Libéria?

Ellen Johnson Sirleaf (EJS): A conquista mais significativa foi a paz estável. Como sabem, a Libéria viveu duas décadas de conflito que destruíram a nossa economia, as nossas instituições, e que feriram e deslocaram muitas pessoas. Em poucos meses, podemos dizer com orgulho que alcançámos 15 anos consecutivos de paz. Também demos continuidade à proteção e à promoção de liberdades da sociedade civil e do povo da Libéria. De uma só vez, a imprensa teve completo acesso e liberdade para participar na sociedade, criticar e comentar, às vezes até sendo irresponsável. Tendo sido devastados por tanto tempo, penso que fomos capazes de alcançar grandes conquistas, como o crescimento económico, o restabelecimento das instituições e a reconstrução da infraestrutura, que nos dão a esperança de que o futuro estará seguro.

DW: Você diria que está absolutamente feliz com tudo o que conseguiu conquistar?

EJS: Eu estou muito feliz com as nossas conquistas dado o ambiente complexo e difícil em que tivemos de trabalhar. Nós ainda não alcançámos o nosso potencial e deveríamos ser capazes de fazer mais. No entanto, é necessário colocar tudo num contexto. Com as pessoas a viverem na pobreza e sob conflitos por tanto tempo, é difícil conseguir o nível de participação, comprometimento e patriotismo necessário para obter os resultados finais esperados.

Liberia George Weah als Präsident vereidigt
Sirleaf transmitiu a Presidência da Libéria a George Weah em janeiro de 2018Foto: Reuters/T. Gouegnon

DW: Depois da guerra, optou por não estabelecer um tribunal especial de Justiça. Por que tomou esta decisão?

EJS: Houve muitas pessoas que lideraram a guerra e que não eram parte da sociedade, mas foram eleitas pela população para assumir diferentes cargos. Se considerarmos os milhares de pessoas que se envolveram em atrocidades, teríamos que gastar todos os recursos, tempo e tecnologia nos tribunais. Isso não significa que não acreditamos na Justiça. Mas se olharmos para a história das nações, é preciso considerar a sequência e o tempo da Justiça no contexto de cada sociedade.

DW: A senhora refere-se a pessoas como o ex-líder de guerra e político Prince Johnson, que tem muito apoio?

EJS: Refiro-me a todos os que se consideram líderes de guerra, criminosos ou participantes. É difícil classificar as pessoas. Houve pessoas-chave, mas também outros milhares de pessoas. Estávamos a sair desses anos de conflito. O que queríamos fazer era promover a paz e comprometer as pessoas com um futuro, promover a reconciliação e a justiça. Nós não tínhamos condições de fazer isto [processos judiciais] nos anos iniciais. Nós decidimos não optar por coisas que nos poderiam fazer regressar ao estado de guerra. O passado era claro. Países em situação de pós-conflito que não administram bem essa situação voltam à guerra.

DW: Houve algo que gostaria de ter feito antes do fim do seu mandato e que não foi possível?

EJS: Eu esperava que iríamos construir estradas que conectarias todos as nossas subdivisões políticas, o que permitiria uma livre movimentação de bens e serviços e de pessoas através das fronteiras. Fizemos algumas, mas não concluímos. Gostaríamos também de trazer mais eletricidade e, assim, conferir mais valor às nossas mercadorias. Trouxemos a eletricidade de volta, mas não no ritmo e extensão que os nossos planos previam. Nós tínhamos todos os planos, tínhamos uma agenda, mas essas coisas não acontecem de uma só vez.

DW: A senhora foi premiada com o prémio Mo Ibrahim, que também reconhece ações contra a corrupção. No entanto, esse problema persiste na Libéria.

EJS: A corrupção foi bem combatida na Libéria, considerando o facto de que a corrupção está no seio da sociedade e se tornou uma forma de vida. As pessoas só sabiam viver por meio da extorsão e da desonestidade. O que fizemos, em primeiro lugar, foi trazer o tema para discussão. Foi assim que os média e a sociedade passaram a lidar com o assunto. Todas as formas de prevenção foram colocadas como meios de combater a corrupção. Isso significa devolver a dignidade às instituições, criar leis adequadas, informar as pessoas e demitir aquelas que usam os recursos públicos de forma inadequada. Nós ficámos aquém do esperado no que diz respeito à punição. Isso precisaria de mais apoio e participação das instituições de Governo, como, por exemplo, os tribunais de Justiça. No entanto, acreditamos que as medidas que nós tomamos serão perenes.

DW: A senhora é criticada por favoritismo devido ao facto de os seus filhos estarem no Governo. O que tem a dizer sobre este assunto?

EJS: Eu não peço desculpas. Eu fiz o que tinha a fazer dada as circunstâncias, e eu não sou a única em África ou no mundo. Nós precisávamos de habilidades, nós tínhamoss essas habilidades e usámo-las. Isso não invalida todas as outras coisas que fizemos, desde a inclusão completa das pessoas em todos os níveis da sociedade e de todos os partidos políticos.

DW: Escolheu deixar o poder depois de dois mandatos. Qual a sua opinião sobre os líderes africanos que decidem permanecer por mais tempo?

EJS: Eu acho que está a interpretar mal África. Olhe em volta e veja quantas transições pacíficas aconteceram. Consegue ver como a democracia se está a espalhar a um ritmo que não quer realmente reconhecer? Há alguns que estão atrasados, não há dúvida, mas [as transições] estão a acontecer no continente. Então, sim, alguns líderes ficam no poder, talvez porque a população os ama ou porque não sabem o que irá acontecer depois de deixarem o poder. Mas isso é parte do passado. Isso está a mudar.

DW: Agora que terminou o seu mandato, o que irá fazer depois?

EJS: O meu trabalho não terminou. O meu trabalho é continuar a promover as mulheres. Eu aceito este prémio em nome dos milhares de mulheres da Libéria, de África e do mundo que ficaram ao meu lado e me apoiaram. Elas ainda não atingiram o nível de igualdade que nós queremos ver. Elas provavelmente não irão alcançar isto enquanto eu estiver viva. Mas eu continuarei a trabalhar no tempo de vida que me resta.

*Artigo atualizado a 30 de abril de 2018