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SociedadeAfeganistão

Desesperadas, famílias afegãs vendem os próprios filhos

Ahmad Hakimi
18 de novembro de 2021

Sem dinheiro e já com todos os seus bens esgotados, famílias afegãs estão a vender os seus filhos para pagar dívidas. Situação agravou-se ainda mais com a tomada do país pelo regime talibã. ONU pede ajuda urgente.

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Afghanistan Symbolbild Bildung Frauen
Foto: Majid Saeedi/Getty Images

No Afeganistão, o futuro não é promissor. Depois de duramente atingido por uma seca prolongada, o país tem tido dificuldade em erguer-se depois da chegada ao poder do regime talibã, no passado mês de agosto. Enquanto o país continua a lutar pelo reconhecimento internacional, a economia está cada vez mais fragilizada - e são os mais pobres que pagam o preço mais alto.

"A pandemia da Covid-19, a crise alimentar em curso e o início do Inverno exacerbaram ainda mais a situação das famílias", lê-se num relatório recente publicado pelo Fundo da ONU para a Infância (UNICEF), que acrescenta que "em 2020, quase metade da população do país era tão pobre que não tinha acesso a necessidades básicas como alimentação ou água potável".  

Mohammad Ibrahim, residente em Cabul, é um dos muitos afegãos que entregou a sua filha Jamila, de sete anos de idade, para pagar a dívida da família. "Uma pessoa chegou e disse-me que ou eu pagava a dívida ou ele "reduziria a minha casa a cinzas", contou Ibrahim à DW, acrescentando que lhe foi dada também a opção de "entregar" a sua filha como pagamento.

"O homem era uma pessoa rica", continuou. "E eu não tive outra opção. Aceitei oferecer a minha filha em troca dos 65.000 afeganis (quase 620 euros) da dívida".

Dürre in Afghanistan
Milhões de crianças afegãs não têm acesso a cuidados de saúde primários, educação, água e saneamentoFoto: Getty Images/AFP/H. Hashimi

Segundo a UNICEF, milhões de crianças afegãs continuam a precisar de necessidades básicas, como cuidados de saúde primários, acesso a vacinas contra a poliomielite e o sarampo, comida, educação, proteção, abrigo, água e saneamento.

Mais de metade do Afeganistão na pobreza

O Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas estima que mais de metade da população do Afeganistão viva abaixo do limiar da pobreza. Segundo a mesma fonte, 22,8 dos cerca de 35 milhões de habitantes no país, estão identificados como estando a viver em situação de insegurança alimentar aguda. Neste número, estão incluídas as centenas de milhares de pessoas deslocadas desde o início do ano, na sequência do conflito.

"É difícil oferecer um filho para pagar dívidas. Não tínhamos mais nada para oferecer exceto a nossa própria filha", disse Nazo, mãe de Jamila.

Após o colapso do anterior governo afegão, as tentativas de suicídio têm aumentado no país. Os cidadãos estão mais vulneráveis a doenças psicológicas e mentais. A pobreza está a aumentar e isso é visível nas ruas de Cabul, que estão a deixar de ser alegres e agitadas.

O "momento de agir é agora", diz ONU

Na província ocidental de Badghis, as pessoas, duramente atingidas por longas secas, foram obrigadas a abandonar as suas casas e aldeias. Najeeba, uma jovem que aqui vive, foi vendida pela sua família em troca de 50.000 afeganis.

Afghanistan | Binnenflüchtlinge in der Nangarhar-Provinz
A ONU estima que mais de metade da população no Afeganistão viva na pobrezaFoto: Tahir Safi/Xinhua/imago stock&people

"Está muito frio durante a noite e não temos nada para aquecer as nossas casas. Queremos que as ONG nos ajudem", disse Najeeba à DW. "Eu ainda sou uma menina. Tenho dois irmãos, uma irmã e uma mãe. Não quero casar, quero antes estudar e formar-me", acrescentou.

Enquanto os novos governantes do Afeganistão continuam a lutar pelo reconhecimento internacional e a tentar impedir o colapso económico do país, organizações internacionais pedem ajuda humanitária imediata para a população.

No início desta semana, o director executivo do PAM, David Beasley, apelou, numa reunião de alto nível em Genebra, a um apoio imediato ao Afeganistão.

"O momento é agora, não podemos esperar seis meses, precisamos dos fundos imediatamente para podermos fazer chegar os mantimentos antes do Inverno", disse Beasley. "Não podemos virar as costas ao povo do Afeganistão".

Enquanto isso, Gul Ahmad, pai de Najeeba, diz não ver outra opção que não seja vender os seus outros filhos para fazer face às despesas. "Não tenho outra opção. Se formos abandonados serei forçado a vender os meus outros filhos por 50, 30 ou mesmo 20 mil afeganis".

Afegãs temem dias sombrios após regresso dos talibãs

De acordo com o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), de 1 de janeiro deste ano a 18 de outubro, 667.903 cidadãos fugiram das suas casas devido ao conflito. 

Alguns sentem que o suicídio é a única opção

Com o desemprego a aumentar, e sem fontes de rendimento, algumas pessoas optam por acabar com a sua própria vida, como foi o caso de Rohullah. Aos 60 anos trabalhava numa escola gerida pelo governo no norte de Badakhshan e não recebia salário há três meses. Desesperado, suicidou-se, deixando para trás uma família enlutada.

À DW, Taiba, filha de Rohullah, conta que: "ele não disse nada. Um dia estávamos todos em casa e ele pediu uma caneta e um papel para anotar as dívidas que tínhamos. Todos pensámos que ele estava a brincar connosco, mas estava a falar a sério e alguns dias depois suicidou-se". A sua irmã, Qatiba, acrescenta: "Temos muitos problemas e desde que o nosso pai morreu, não temos nada para comer".

Segundo o Fundo Monetário Internacional, a economia do Afeganistão deve cair este ano até 30%. Em 2020, o PIB do país foi apenas de cerca de 20 mil milhões de dólares. Destes, diz o Banco Mundial, 43% tinha como base dinheiro proveniente de ajuda internacional. Antes da tomada do país pelos Talibã, 75% da despesa pública provinha de fundos internacionais.

Por isso, nos últimos meses, os preços dos alimentos têm subidos e os bancos enfrentam uma crise de liquidez. Muitos afegãos estão a vender os bens que têm para comprar comida. E à falta de bens, vendem os próprios filhos, como é o caso de Gul Ahmad, que não nega que possa ter de o voltar a fazer, caso o país não recebe ajuda do exterior.

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