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Gâmbia pretende julgar crimes do regime de Yahya Jammeh

Isaac Mugabi | Omar Wally
27 de maio de 2022

Comissão da Verdade, Reconciliação e Reparação da Gâmbia recomenda a instauração de processos por crimes cometidos durante os 22 anos de reinado de Yahya Jammeh. As vítimas querem que o ex-líder enfrente a justiça.

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O ex-Presidente da Gâmbia Yahya Jammeh está atualmente exilado na Guiné EquatorialFoto: Marco Longari/AFP

As autoridades gambianas divulgaram na última quarta-feira (25.05) o tão esperado relatório final da Comissão da Verdade, Reconciliação e Reparação (TRRC), criada para investigar crimes cometidos durante o regime do ex-Presidente Yahya Jammeh, entre 1994 e 2017.

As conclusões da TRRC foram entregues após mais de dois anos de audiências, durante as quais testemunhas deram provas arrepiantes sobre tortura, esquadrões da morte - conhecidao como Junglers -, violação e perseguição contra opositores.

Entre as recomendações no chamado Livro Branco está a acusação de Jammeh e de membros dos Junglers e a prestação de apoio às vítimas do antigo ditador, marcado por ter dizimado a dissidência através de assassinatos, desaparecimentos, tortura, violação e castração.

Passo significativo

A publicação do relatório põe um ponto final a seis meses de espera desde que o TRRC divulgou pela primeira vez as suas conclusões sobre violações dos direitos humanos sob o Governo de Jammeh.

A Gâmbia rumo à reconciliação

"A impunidade é uma espécie de incentivo de que não estamos preparados para servir aos perpetradores", disse o ministro da justiça da Gâmbia, Dawda Jallow.

"Sejamos claros sobre isto, aqueles que comemtem violações grosseiras dos direitos humanos devem também estar conscientes de que a sociedade um dia os responsabilizará", enfatizou.

Reed Brody, advogado da Comissão Internacional de Juristas que trabalha com as vítimas de Jammeh, chamou à resposta do ministério ao TRRC "um importante e significativo passo em frente".

"Agora o Governo terá de demonstrar com ações concretas a um público cada vez mais cético que tem de facto a determinação de levar os perpetradores à prisão", disse Brody.

"As leis ainda têm de ser promulgadas, um tribunal tem de ser estabelecido, os casos têm de ser preparados", disse o advogado, ressaltando que "Yahya Jammeh tem de ser detido".

Jornalistas não foram poupados

Sherrif Kijera, presidente do Centro das Vítimas de Violações dos Direitos Humanos da Gâmbia, afirmou: "A declaração do ministro da justiça é uma indicação clara do compromisso do Governo e da vontade política de implementar as recomendações do Livro Branco".

O TRRC constatou que 240 a 250 pessoas morreram às mãos do Estado durante o Governo de Jammeh - incluindo jornalistas.

Entre as vítimas notáveis encontra-se o jornalista da AFP Deyda Hydara, que foi morto pelos Junglers.

Um membro do esquadrão da morte identificado pelos meios de comunicação social como B. Lowe está atualmente a ser julgado na Alemanha por ter assassinado Hydara.

Gambia | Jugend-Demonstration
As vítimas querem que Jammeh e suspeitos cúmplices sejam julgados pelos crimes cometidosFoto: Omar Wally/DW

Vítimas querem justiça

O defensor das vítimas Isatou Jammeh disse ao correspondente da DW Omar Wally em Banjul que o seu pai, Haruna, primo do antigo Presidente, foi morto pelos Junglers em 2005.

O corpo de Haruna Jammeh nunca foi encontrado. Isatou quer que os assassinos do seu pai sejam processados e que o seu corpo seja encontrado e enterrado de forma decente.

"As minhas expetativas em relação ao Livro Branco é ver que a acusação daqueles que têm as mais altas responsabilidades tenha lugar", disse Isatou Jammeh.

"Gostaria que o Governo da Gâmbia assegurasse que os corpos das pessoas desaparecidas fossem encontrados e devolvidos às suas famílias para serem devidamente enterrados", acrescentou.

"O Governo deveria assegurar que o que aconteceu sob o domínio de Yahya Jammeh nunca mais volte a acontecer", disse Isatou Jammeh.

Sem justiça, sem paz

A ativista Fatoumata Sandeng disse à DW que o seu pai, Solo Sandeng, foi preso em abril de 2016 por liderar um protesto sem licença.

Solo Sandeng era um membro sénior do Partido Democrata Unido, da oposição. Ele e dezenas de outros apoiantes da oposição estavam a protestar, exigindo reformas eleitorais. Para Fatoumata, a acusação de Yahya Jammeh e dos seus cúmplices é muito importante para a cura da nação.

"Eu digo sempre que não há reconciliação sem justiça e ninguém pode forçar as vítimas a reconciliarem-se", disse Fatoumata Sandeng.

"As recomendações do Livro Branco devem ser plenamente implementadas para se ter uma Gâmbia estável", acrescentou. "Queremos apenas que as vítimas de Yahya Jammeh comecem o processo de cura".

Gambia | Wahlen 2021 | Amtsinhaber Adama Barrow Wahlsieger
O PR Adama Barrow foi reeleito em 2021 depois de formar uma aliança com o partido de JammehFoto: Leo Correa/AP Photo/picture alliance

"Prosseguir Jammeh e reformar os serviços de segurança"

De acordo com o Livro Branco, as organizações da sociedade civil da Gâmbia pressionaram as autoridades para que processassem Jammeh por abusos durante os seus 22 anos de Governo.

As vítimas expressaram o otimismo de que o atual Presidente da Gâmbia, Adama Barrow, irá também rever o setor da segurança; reformar as leis das prisões, dos media e da ordem pública; e investigar os desaparecimentos forçados para evitar a repetição de abusos.

"Jammeh e outros nomeados pelo TRRC deveriam, sem falta, ser responsabilizados pelos seus crimes", disseram organizações da sociedade civil no Livro Branco, referindo-se aos outros 69 alegados perpetradores mencionados no relatório.

"As decisões sobre a concessão de amnistia não devem ser tomadas sem consulta prévia das vítimas e/ou das suas famílias", de acordo com o documento.

Viver no exílio

Jammeh foi forçado a abandonar o poder depois de perder as eleições de 2016 para Barrow. Posteriormente, fugiu para a Guiné Equatorial, onde vive no exílio.

Para Jammeh enfrentar o julgamento, a Guiné Equatorial teria de concordar em extraditá-lo. No entanto, não existe atualmente qualquer acordo de extradição entre as duas nações. Dois terços do Parlamento da Gâmbia teriam também de aprovar uma acusação.

A comissão recomendou a utilização de um tribunal híbrido ou o julgamento de Jammeh num país vizinho. Jammeh nega as acusações.

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