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Fundo Soberano: "O Banco de Moçambique não tem requisitos"

Delfim Anacleto
29 de março de 2023

Em entrevista à DW, a ativista Fátima Mimbire questiona a capacidade do Banco de Moçambique na gestão do Fundo Soberano e defende a criação de uma entidade autónoma para gerir as receitas dos megaprojetos de gás.

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Foto: Roberto Paquete/DW

Os deputados da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) questionaram, na última segunda-feira (27.03), no Parlamento, porque é que o Governo sugeriu o Banco Central de Moçambique como entidade que deverá gerir o futuro Fundo Soberano do país.

As duas bancadas da oposição justificaram a desconfiança pelo facto de as hierarquias de topo do Banco Central serem nomeadas pelo próprio Executivo.

Em entrevista à DW, a ativista e investigadora moçambicana Fátima Mimbire, perita em megaprojetos, concorda com as críticas da oposição e refere outros elementos que apontam para a alegada falta de transparência do Banco Central.

"O Banco de Moçambique não tem requisitos neste momento por causa da sua forma de governação em transparência e falta de prestação de contas. Então só nos resta criar uma entidade autónoma que vai prestar contas diretamente à Assembleia da República”, sugere a perita, referindo-se a uma entidade independente para gerir as receitas arrecadadas no âmbito dos projetos de extração de gás e petróleo.

DW África: A oposição moçambicana tem razão para duvidar do Banco Central como gestor do Fundo Soberano?

Fátima Mimbire (FM): A pergunta que é colocada pelas bancadas da oposição, e no caso do concreto foi a bancada da RENAMO, é bastante legítima, considerando os últimos acontecimentos envolvendo o Banco de Moçambique.

O Banco de Moçambique está há sensivelmente dois anos com as suas contas não limpas, digamos assim, com receios relativamente às suas contas e nunca houve nenhuma explicação sobre o que é que se passa.

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Fátima Mimbire defende a criação de uma entidade autónoma para gerir o Fundo Soberano de MoçambiqueFoto: Madalena Sampaio/DW

Em parte, isto tem a ver certamente com a ação que o banco moçambicano levou a cabo de recuperação do Moza Banco, envolvendo a entidade Kuhanha, sem explicar nada a ninguém, absolutamente a ninguém. E isto levanta suspeitas sobre a questão da transparência, da prestação de contas.

DW África: O que mostram os exemplos de outros países que também possuem um Fundo Soberano?

FM: A gestão do Fundo Soberano por um Banco Central não é uma coisa nova. Moçambique não está a inventar. Isto ocorre em vários países do mundo.

O problema é que nós quisemos adotar o Banco de Moçambique como gestor, sem olhar para o contexto em que o nosso banco funciona, sem olhar para o enquadramento institucional e legal do Banco de Moçambique, que difere de outros países, como a Noruega, por exemplo, que é o modelo que Moçambique tentou copiar.

Portanto, não podemos simplesmente pegar um modelo de um outro país onde existe o balanço do poder, aquilo que se chama checks and balances, onde há uma real prestação de contas, onde o Parlamento é respeitado até por instituições como o Banco de Moçambique, em que o próprio Fundo Soberano presta contas à Assembleia da República e acharmos e podemos fazer uma cópia disto para a nossa realidade, num contexto em que o nosso Banco de Moçambique é nomeado por confiança política.

DW África: Havendo essa desconfiança sobre a credibilidade do Banco Central, qual seria a alternativa?

FM: Seria nós termos uma gestão autónoma do Fundo Soberano. Mesmo que queiramos recorrer ao Banco Nacional de Investimento, BNI, que é, na verdade, uma reedição, digamos assim, do Banco Popular de Desenvolvimento, BPD. E todos nós conhecemos a história do BPD.

O Banco de Moçambique não tem requisitos neste momento por causa da sua forma de governação em transparência e falta de prestação de contas. Então só nos resta criar uma entidade autónoma que vai prestar contas diretamente à Assembleia da República.

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Deputados da RENAMO e MDM questionaram esta semana a gestão do Fundo Soberano pelo Banco de MoçambiqueFoto: Roberto Paquete/DW

Se nós formos pelo Banco de Moçambique sem fazermos as reformas necessárias, sinceramente, eu começo a achar que não vai ser um bom negócio nós termos um Fundo Soberano nesses moldes, porque não vamos poupar, pelo contrário, vamos estar a colocar dinheiro à disponibilidade de um grupo de pessoas.

DW África: Como garantir que realmente o Fundo Soberano sirva para melhorar a vida dos moçambicanos?

FM: Podemos ter um Fundo Soberano, com regras de entrada e saída, mas se não tivermos uma estrutura de governação que garanta transparência, a prestação de contas e responsabilização, no fim do dia não vamos alcançar os resultados.

Portanto, este não é o único problema, a questão da governação do fundo soberano. Um outro problema central que também foi levantado e que não teve uma resposta como deve ser por parte do Governo, na pessoa do ministro da Economia e Finanças, tem a ver com o facto de a proposta de lei apresentada ter vários mecanismos que permitem que o Governo recorra ao Fundo Soberano a todo o momento e de forma ilimitada.

Isto significa que, por exemplo, se num ano o Governo faz projeções da forma como estão a ser previstas na lei, elas são bastante dúbias, porque elas podem ser inflacionadas intencionalmente e depois elas nunca serem concretizadas.

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