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Cabo Delgado: Quem mais vantagens tira de lideranças locais?

Nádia Issufo
28 de abril de 2020

Não é novo: líderes comunitários têm-se aliado aos insurgentes em Cabo Delgado, na sua maioria por medo de retaliação, afirma analista. Mas o que está a fazer o Governo para obter o monopólio de tão estratégica aliança?

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Foto: AFP/J. Nhamirre

Pela proximidade que mantém com a população e pela sua influência, as lideranças locais são preponderantes para combater a insurgência em Cabo Delgado. Contudo, há muito que se lhe diga sobre a sua atuação ou reação.

Um estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) de 2018 sobre as incursões armadas de homens não devidamente identificados até agora destaca duas fases da liderança local: a primeira, de uma certa resistência das lideranças islâmicas locais e dos setores conservadores; a segunda, de uma adesão por parte de setores mais marginalizados.

Calton Cadeado
Calton Cadeado: "O Governo tem uma responsabilidade muito grande"Foto: privat

A par disso, o estudo indica diferenças: enquanto em Chiúre e Montepuez houve uma reação rápida por parte da administração local, em Mocímboa da Praia foi diferente porque havia uma forte penetração das lideranças do grupo no tecido social local. Além disso, a administração local tinha receio de interferir no assunto, sob pretexto de se tratar de algo interno das mesquitas.

Dada a sua importância, o especialista em paz e segurança do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), Calton Cadeado, entende que "o Governo tem uma responsabilidade muito grande, precisa de manter uma comunicação muito forte com as lideranças locais, mas significa por em risco essas lideranças, pois os insurgentes podem retaliar matando-os, como já está a acontecer. Mas alguns líderes colaboram com os insurgentes."

Mas Cadeado sugere o seguinte: "Só que o Estado não deve dar a entender que está com medo [dos insurgentes] ou que está a legitimar ou mostrar ao mundo que está com medo. Neste momento, o Estado está a correr contra o prejuízo".

Até que ponto a liderança local é merecedora da confiança popular?

Nos seus comícios em Cabo Delgado, o Presidente da República tem repetidamente apelado a população a ser ativa no combate a insurgência. Filipe Nyusi chegou inclusive a convidar líderes comunitários das regiões mais visadas pela ações da insurgência, em fevereiro passado, a participar de um Conselho de Ministros realizado extraordinariamente em Cabo Delgado, num contexto em que os radicais extremavam as suas incursões armadas. 

A polícia também tem pedido a sua colaboração, particularmente no caso do recrutamento de jovens para as fileiras inimigas. E os líderes comunitários tem sido especialmente o alvo dos apelos das autoridades.

Contudo, há algumas particularidades que são naturalmente surdas aos discursos políticos. E são as que inviabilizam a colaboração desejada, alerta a ativista dos direitos humanos Fátima Mimbire: "O papel dos líderes poderia ser instrumental neste momento, no sentido de mobilizar das comunidades [contra a insurgência] e dar-lhes mais segurança, e sobretudo dando informação relevante ao Governo ao nível central sobre o que está a acontecer ao nível local."

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"Mas durante muito tempo, vimos que líderes comunitários mais do que atores relevantes na administração do território, desempenham um papel de vigilância, o que acaba esvaziando muito o seu papel, infelizmente só tem o papel de mobilização mais partidários", lembra a ativista dos direitos humanos. 

Mimbire alerta ainda para uma situação onde os laços de confiança mostram-se frágeis: "Se neste momento não há uma relação de confiança entre as comunidades e os seus líderes, há-de ser, por um lado, porque muitos desses líderes são conotados como agentes partidários. E neste momento, pelo que temos estado a acompanhar, há uma ideia formada de que os ataques em Cabo Delgado, em certa medida, têm o patrocínio de individualidades da nossa elite dirigista, seja ao ao nível militar até ao nível governamental e político-partidário e isso pode estar a minar o estreitamento de alguma relação entre as comunidades e os lideres comunitários."

Medo desencadeia aliança com o inimigo

Em vídeos recentes publicados nas redes sociais viu-se a população a aplaudir os insurgentes aquando da sua passagem por uma aldeia. O que pode ser entendido à partida como um apoio aos atacantes é relativizado por especialistas em paz e conflito, que através da chamada "teoria do medo" explicam que se trata simplesmente de um modo de sobrevivência.

O pesquisador Calton Cadeado recorda que "no meio de uma guerra há dois lados a cometer violência. Muitas vezes os que aplaudem aliam-se às duas partes. A população aplica a teoria do 'fear factor', usar o medo para se proteger."

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