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ConflitosSudão

Guerra no Sudão: Aumenta a violência sexual contra mulheres

Kate Hairsine
7 de julho de 2023

Dezenas de mulheres e raparigas foram violadas e agredidas sexualmente por combatentes no conflito no Sudão, que entra agora no terceiro mês.

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Mulheres sudanesas refugiadas no Sudão do Sul
Foto: Samir Bol/AA/picture alliance

Desde o início dos combates entre as Forças paramilitares de Apoio Rápido (RSF) e as Forças Armadas estatais, em abril, a Unidade contra a Violência de Género do Sudão documentou cerca de 90 casos de agressão sexual e violação de mulheres e raparigas.

A ativista sudanesa Sulima Ishaq Sharif disse à DW que o número real de violações é bastante mais elevado, já que muitos casos não são denunciados.

"Sabemos que muitas atrocidades foram cometidas contra a população civil, mas não temos todos os números", disse Sharif.

As vítimas de violência sexual têm dificuldade em aceder a serviços como cuidados médicos para eventuais ferimentos, contraceção de emergência ou medicamentos que possam impedir a infeção pelo vírus de imunodeficiência (VIH) que causa a SIDA.

As Nações Unidas já tinham constatado uma escassez crítica de material para o tratamento clínico de violações poucas semanas após o início do conflito, a 15 de abril.

Os cuidados de saúde em todo o país estão à beira do colapso, com a maioria das instalações de saúde bombardeadas ou saqueadas pelas RSF. Os medicamentos escasseiam e muitos profissionais de saúde fugiram do país.

Refugiados sudaneses no Chade
Segundo a ONU, 630 mil sudaneses procuraram refúgio em países vizinhos desde abrilFoto: Gueipeur Denis Sassou/AFP

RSF acusadas de violações

A Unidade contra a Violência de Género e a Iniciativa Estratégica para as Mulheres no Corno de África (SIHA) estão entre as várias organizações que recolhem relatos de sobreviventes.

Ambas realçam que as sobreviventes identificaram a maior parte dos agressores como sendo combatentes das RSF.

A maioria das agressões sexuais ocorre na capital, Cartum, que é maioritariamente controlada pelas RSF. Os seus elementos continuam a saquear e a ocupar casas, por vezes violando mulheres e raparigas em frente dos seus maridos, pais ou irmãos.

"Se encontram mulheres e raparigas nas casas, podem violá-las", disse à DW Dalia Obeid, responsável pela defesa dos direitos humanos na SIHA. "Elas têm medo dentro das suas próprias casas, dentro das suas próprias famílias. Não estão seguras".

A violação como arma de guerra

Antes de fugir de Cartum na semana passada, Amira Saleh passou 76 dias confinada na casa da sua família. Amira Saleh, de 26 anos, disse que, inicialmente, tinha medo de ser atingida por tiros durante os combates. Mas esse medo foi substituído pelo receio de ser agredida sexualmente ou violada.

Soldados das RSF
Soldados das Forças paramilitares de Apoio Rápido (RSF) nos arredores de CartumFoto: Rapid Support Forces/AFP

"A minha mãe e as outras mulheres do bairro decidiram não nos deixar sair por nenhum motivo", disse Saleh à DW. "Tínhamos medo de ser violadas ou agredidas sexualmente se saíssemos e fôssemos vistas pelas Forças de Apoio Rápido".

"As RSF estão a usar a agressão sexual deliberadamente", acrescentou a jovem.

Foram também documentadas violações em Nyala e El Geneina, na região ocidental de Dafur.

Obeid sublinha, no entanto, que as agressões sexuais, as violações e os raptos de mulheres e raparigas estão a acontecer em todo o Sudão e estão a aumentar de intensidade.

"Há um padrão claro que mostra que as RSF estão a visar as mulheres e as raparigas nesta guerra para semear o terror entre os civis", disse Obeid, que fugiu de Cartum após o início do conflito. "Esta é uma das suas táticas de guerra".

As RSF recorrem sistematicamente à violação

Obeid e Sharif afirmam que os relatos não são uma surpresa, tendo em conta o historial das RSF no uso da violação como arma de guerra no Darfur, onde o grupo paramilitar tem as suas raízes.

As RSF surgiram das infames milícias Janjaweed do Darfur em 2013 para combater os grupos rebeldes da região.

A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) documentou violações em massa cometidas pelas RSF em várias cidades e aldeias de Dafur durante um longo período.

De acordo com um relatório de 2015 da HRW sobre as atrocidades em Dafur, "relatos em primeira mão de ordens de comandantes para cometer crimes e o uso repetido de práticas abusivas por parte das RSF indicam que estas eram sistemáticas".

Os paramilitares das RSF são ainda acusados de cometer mais de 60 violações ao dispersarem violentamente um acampamento pacífico de protesto pró-democracia em Cartum, em 2019.

O comandante das RSF, Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido por Hemedti, declarou na semana passada que vai criar um tribunal militar para investigar os crimes - incluindo violações - alegadamente cometidos pelas RSF desde o início dos combates entre as suas forças e o Exército sudanês, liderado por Abdel Fattah al-Burhan.

"Estas violações são contrárias à lei das RSF e às instruções dos seus dirigentes. Vamos lidar com elas com firmeza e seriedade", disse Hemedti num discurso em áudio. "Estou aqui a garantir sinceramente ao nosso povo que rejeitamos e condenamos qualquer violação de civis, incluindo as que se crê terem sido cometidas pelas nossas forças RSF."

Para a ativista Obeid, estas declarações são "um absoluto disparate".

Líder das RSF, Mohammed Hamdan Dagalo
Ativistas não consideram credíveis as promessas de investigação dos crimes do líder das RSF, DagaloFoto: AP/picture alliance

"As RSF têm vindo a cometer estes crimes desde o primeiro dia", disse ela à DW, "e ainda estão nas ruas a cometê-los neste momento".

ONU condena violência sexual

Na quarta-feira (05.07), agências das Nações Unidas expressaram "choque e condenação" perante os crescentes casos de violência sexual contra as mulheres no Sudão.

"Estamos a receber relatos chocantes de violência sexual contra mulheres e raparigas, incluindo violações. E, no rescaldo de tal crueldade e brutalidade, as mulheres e as raparigas são deixadas com pouco ou nenhum apoio médico e psicossocial", afirmou o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, num comunicado de imprensa.

Sulima Ishaq Sharif afirma que a violência sexual está a "intensificar o trauma" de um conflito em que já foram mortos mais de mil civis e quase 3 milhões de pessoas foram deslocadas.

"As mulheres não têm proteção", disse. "Elas sabem que qualquer mulher pode ser exposta a este tipo de violência sexual. Agora têm de contar sempre com o pior".

Artigo com a contribuição de Michael Atit, em Juba.