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Há corrupção na ajuda humanitária em Cabo Delgado

19 de maio de 2021

João Mosca revela que os deslocados estão envolvidos em esquema de corrupção. O investigador denuncia ainda que o Governo impede ONG de distribuir apoio, ação permitida apenas às instituições públicas e Exército.

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Mosambik Binnenvertriebene aus Cabo Delgado
Foto ilustrativaFoto: Privat

Estima-se que o terrorismo no norte de Moçambique fez até agora cerca de 800 mil deslocados internos. Faltam ao Governo recursos para apoiar adequadamente esse grupo, mas privados, associações e organizações não governamentais nacionais e internacionais têm prestado assistência humanitária, colmatando um pouco as dificuldades do Executivo. 

Com o tempo, vários fenómenos vão nascendo nos campos que acomodam os deslocados. O investigador da ONG Observatório do Meio Rural (OMR), João Mosca, conta, por exemplo, que existem famílias deslocadas na província a registarem-se mais do que uma vez para receberem ajuda. O objetivo é colocar os produtos oferecidos no esquema de corrupção. A DW África entrevistou João Mosca:

DW África: Na atual situação de terrorismo em Cabo Delgado é difícil estimar número de deslocados internos...

João Mosca (JM): Os números de deslocados oficialmente referidos são superiores àqueles que podem ser efetivamente, considerando a população existente em Cabo Delgado, entre distritos e localidades. Se somarmos a população existente antes do conflito e aqueles que hoje dizem que permancem nos seus locais, que não foram afetados pelo conflito, a soma é muito superior à soma que estes locais possuem. Isso signifca que há pessoas a registarem-se em mais do que um sítio com as suas famílias a fim de receberem mais alimentos do que receberiam em casos de famílias individuais. A mesma família pode registar-se em vários sítios no sentido de receber duas ou três vezes mais ração a que teria direito. Daí pode-se gerar todo um processo de negócio que já está a acontecer entre os próprios deslocados de guerra.

DW África: E como isso pode ser resolvido? É que, por exemplo, se houvesse um sistema digital, o que nas atuais circunstâncias acreditamos ser praticamente impossível, isso seria evitado. Mas na falta de condições, como minimizar esse problema?

João Mosca
João Mosca, investigador do Observatório do Meio RuralFoto: DW/J. Beck

JM: Não só pode ser a mesma pessoa a registar-se em vários sítios, como podem ser pessoas da mesma família a registarem-se em sítios diferentes. Então, como fazer isso nessas condições fica muito difícil. Porém, localmente penso que será possível fazer a partir do momento em que as ações de quem distribui os recursos tenham muita atenção à população que está a ser recebida. E mesmo entre a comunidade, sabem muito bem quem tem mais recursos e está a fazer comércio com esses bens. Só com conhecimento local, estando no terreno, mas é preciso dizer também que as pessoas que distribuem, o exército que faz a distribuição nalgumas zonas esteja ciente que ele próprio não deve entrar nesse negócio. Aqui se gera uma multiplicidade de interesses e negociatas entre pessoas com interesses diversos, que acabam por fazer compromissos entre si, no sentido de que todos ganhamos um pouco e vamos aproveitar o máximo disto.

DW África: E relativamente a ajuda internacional?

JM: Moçambique tem recusado que organizações internacionais e nacionais da sociedade civil façam a distribuição de recursos de assistência humanitária diretamente à população. Significa que o Governo exige que esses recursos sejam entregues às instituiçções públicas e ao Exército para realizarem essa operação de distribuição no terreno.

DW África: Estamos a falar de uma espécie de corrupção que se instala na ajuda humanitária em Cabo Delgado?

BG I Alltag und Militarismus in Cabo Delgado
Militares das Forças de Defesa e Segurança (FDS) em Cabo DelgadoFoto: Roberto Paquete/DW

JM: Com certeza. Mas não só por parte da população, esse tipo de negócios já foi detetado há algum tempo. Não é um caso atípico, porque em outras situações, por exemplo de calamidades, infelizmente muito comuns em Moçambique, as próprias instituições públicas responsáveis por acudir a população em condições de choques ambientais fortes, agora em situação de conflito, deveriam ter conhecimento da possibilidade destes fenómenos surirem imediamente em condições de grande instablidade das pessoas nos locais que acolhem deslocados para evitar esse tipo de corrupção que envolve várias pessoas, e existem compromissos entre pessoas e pactos de silêncio e interesses de um grupo bastante alargado que envolve uma cadeia. É uma situação bastante generalizada.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África