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Empréstimos em eurobonds tornam-se pesadelo em África

Martina Schwikowski
11 de março de 2020

Especialistas defendem que títulos não deveriam ser vendidos a países na lista dos endividados do FMI. Moçambique é considerado "caso clássico" de imprudência na aquisição de dívidas que deverão ser pagas nesta década.

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Symbolbild Eurobonds
Foto: picture alliance/dpa/J. Büttner

Moçambique é um dos países que vivem a perspetiva assustadora de não conseguir pagar empréstimos que vencerão nesta década - ao contrário de países como África do Sul, Marrocos, Gabão, Gana, Quénia e Nigéria, que não somente saldam suas dívidas, mas também conseguem lucrar eurobonds.

Os países africanos adquiriram nos últimos anos grandes somas de dinheiro emprestado sob a forma de eurobonds - títulos do governo emitidos em dólares americanos a partir da Europa, historicamente o segundo maior financiador do mundo. A China é o maior doador para o Sul global, com investimentos que seguem regras próprias.

Ao longo da última década, muitos governos africanos incorreram em grandes dívidas. A África do Sul foi o primeiro país africano a pedir dinheiro emprestado em eurobonds em 1995 e estabeleceu a tendência.

Desde a crise financeira global no final dos anos 2000, o volume de crédito aumentou. Segundo a consultora britânica M&G, 21 países adquiriram 115 mil milhões de dólares americanos.

"A grande iniciativa de alívio da dívida dos últimos 20 anos teve o objetivo de tornar o capital dos países novamente comercializáveis, ou pelo menos pela primeira vez", diz Jürgen Kaiser, coordenador político da aliança "erlassjahr.de" em Düsseldorf.

Mosambik T-shirt von CIP Kampagne #Eu não pago dívidas ocultas
Crise das dívidas ocultas em Moçambique pioram a situaçãoFoto: CIP

"Moçambique é um caso clássico"

A aliança conta atualmente com mais de 600 organizações ligadas a igrejas, políticas e da sociedade civil na Alemanha. Trata-se de uma coalizão integrada a uma rede mundial de iniciativas nacionais e regionais de alívio das dívidas. Trabalha para assegurar que os países pobres possam obter um processo justo e transparente no caso de crise.

A questão é que, na sequência das iniciativas de alívio da dívida dos anos 1990 e 2000, os países estão a emitir novas obrigações sob a forma de eurobonds.

Em entrevista à DW África, Kaiser destacou histórias de sucesso em Senegal, Quénia e  Nigéria: "Nesses casos, os países tiveram a oportunidade de emitir títulos do governo e também foram capazes de investir seus ganhos produtivamente", lembra.

Cada empréstimo, no entanto, oferece sempre o risco de dificuldades de pagamento. Kaiser lembra que, quando o título vence, é normal refinanciá-lo com novos títulos. Se tudo correr bem, novos títulos são até mais baratos do que os antigos.

"Contudo, a realidade neste momento, é que os países africanos continuam a pagar taxas de juro notavelmente elevadas, dado o baixo nível das taxas de juro a nível global. Assim, seus títulos do governo são particularmente atraentes para os investidores. […] Significa que há mais compradores do que a oferta permite", explica Kaiser.

Segundo Kaiser, as taxas de juro em África são muito elevadas e não refletem a realidade do mercado porque há muitos países que não têm qualquer dificuldade de pagamento.

Nos países que estão tendo dificuldades e que também foram classificados como endividados pelo Fundo Monetário Internacional, certos títulos não deveriam ter sido vendidos, acrescenta Kaiser, para quem "Moçambique é um caso clássico".

Empréstimos em eurobonds tornam-se pesadelo em África

Gana lucra com eurobonds

Segundo o perito financeiro da Universidade da Cidade do Cabo,  Misheck Mutize, muitos dos 21 países citados pela empresa britânica M&G são capazes de pagar suas dívidas. "Gana deixou o mercado de eurobonds há algumas semanas. O país está numa boa posição económica, também no que diz respeito às diretrizes políticas", disse Mutize.

Gana fixou taxas de juros altas para seus eurobonds em 8%, acrescenta Mutize. "O Gana tinha-se encurralado, o eurobond estava cinco vezes acima da sua aquisição", diz.

O especialista diz que eurobods oferecem espaço de manobra quando se trata de política em comparação com outros financiadores. O problema é que os países colocam demasiada pressão sobre si próprios com suas elevadas taxas de juro e prometem pagar os títulos dentro de cinco a sete anos.

O impacto da dívida com eurobonds em África representa menos de 1% da média anual do Produto Nacional Bruto africano. Mas seria necessário ter mais conselheiros competentes à mesa de negociações que pudessem negociar os melhores resultados do ponto de vista dos países africanos.

"Os países não devem pedir dinheiro emprestado quando a sua própria moeda é muito fraca", aconselha Mutize. Se os governos são insolventes, a única solução é reestruturar a dívida. Isso reduz o poder de negociar bem com financiadores e desloca o problema para o futuro.

Para Jürgen Kaiser, ninguém pode evitar de forma confiável montanhas de dívidas. Isso exigiria um procedimento ordeiro visando reduzir as dívidas. Por isso, montanhas de dívidas tem muito que ver com má governação, corrupção, deterioração dos preços de exportação ou desastres naturais.

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