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Incumprimentos ameaçam sustentabilidade do Acordo de Paz

11 de agosto de 2021

Em Moçambique, ex-guerrilheiros da RENAMO alegam estar, há seis meses, sem receber pensões. A situação mancha o sucesso do Acordo de Paz e Reconciliação, disse o analista Dércio Alfazema em entrevista à DW.

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Mosambik Inhambane | ehemalige RENAMO-Guerilleros
Foto de arquivo (2020): Ex-combatentes da RENAMO em InhambaneFoto: Luciano da Conceição/DW

Segundo o secretário-geral da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, um total de 989 antigos guerrilheiros não recebem pensões há seis meses.

André Majibire responsabilizou o Governo moçambicano pela situação, lembrando que, ao abrigo do processo DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração), os combatentes desmobilizados devem receber uma pensão de sobrevivência paga pelas Nações Unidas, através do Executivo.

Em entrevista à DW África o analista Dércio Alfazema sublinha o "secretismo” em que tem decorrido o processo DDR e lamenta que "a paz dos moçambicanos” esteja "hipotecada por uma elite política”.

DW África: Os alegados incumprimentos de que falam os ex-guerrilheiros da RENAMO e o descontentamento relativamente ao processo de DDR podem vir a pôr em causa o Acordo de Paz assinado há dois anos?

André Majibire Generalsekretär von Renamo
André Majibire, responsabilizou o Governo moçambicano pela situação vivida pelos ex-guerrilheiros da RENAMOFoto: Romeu da Silva/DW

Dércio Alfazema (DA): Esta manifestação dos guerrilheiros da RENAMO acaba sendo uma mancha para o sucesso que é o próprio processo de paz e o aparente sucesso do processo de DDR. É um processo que decorre de uma forma bastante fechada, as pessoas têm pouca informação e as informações, quando são tornadas públicas, dão sempre a indicação de que está tudo bem. Mas, de quando em vez, temos estas situações, e esta não é a primeira. Por não ser a primeira começa a ser preocupante, ainda que sem significar que o leite está derramado. Porque ainda há possibilidade de se corrigir. Contudo, com toda a certeza, isso belisca aquilo que são as informações oficiais que temos estado a ter até agora sobre o processo e vem trazer um pouco de dúvida sobre, até que ponto, esta paz é  efetivamente sustentável.

DW África: O líder da RENAMO fala em "consequências imprevisíveis” caso a situação prevaleça. No seu entender, no limite, o que pode representar para o país as consequências de que fala Ossufo Momade?

DA: Bom, quanto a isso quem pode melhor explicar é a própria pessoa que fez esse pronunciamento. Mas claramente que cria algum susto. Nós somos um povo traumatizado por conta de guerras, temos experiências sobre o que significa esse tipo de pronunciamento. Quando ele diz essas palavras, nós não podemos ignorar. Outra coisa é que os diálogos que acontecem entre as lideranças não podem ser nem na base da ameaça sempre que houver algum tipo de constrangimento. Têm de dialogar, inclusive para celebrar sucessos e para, preventivamente, se posicionarem face a cenários que podem acabar por manchar o processo. Muita das vezes, o que temos acompanhado – e também isso não é bom – é que os diálogos acontecem quando o processo "encalha”.

A paz e a nossa tranquilidade não podem depender desse estado de espírito ou desse "vai e vem”. Nós queremos que seja um processo sustentável e seguro para trazer confiança aos moçambicanos.

DW África: Há pouco falou em "processo fechado” e na "falta de informação” adjacente ao processo de DDR. Considera então que tem havido pouca transparência nestes dois anos?

Mosambik Inhambane | DDR-Prozess
Antigos combatentes alegam passar por dificuldades para cuidar das suas famílias (imagem de arquivo)Foto: Luciano da Conceição/DW

DA: Nós não sabemos, até agora, quais são os valores que estão envolvidos nesse processo, de onde vem esse dinheiro, quem é que está a gerir esse dinheiro, acompanhado de quando em vez por um comunicado das Nações Unidas. Não sabemos quem são as pessoas, qual é o grupo, quando é que esse grupo fala.

A paz dos moçambicanos acaba estando hipotecada por uma elite política. Quando essa elite se entende, é bom para os moçambicanos. Mas quando começa a haver esses desentendimentos, aí ficamos preocupados.

DW África: Alguns ex-guerrilheiros, em declarações à DW, já assumiram que estavam melhor e tinham mais condições nos tempos da mata. O não reassentamento pode levar à marginalização do grupo?

DA: O grupo já veio dizer que se está a sentir marginalizado e quando fazem essa comparação com o passado é perigoso. Criar essa sensação de que, no meio do conflito, no meio da guerra, estavam melhores e em melhores condições e não passavam fome, tinham onde comer e dormir, e que agora, em que se associam ao processo de paz, sentem que as coisas pioraram. Isso não é bom e tem que preocupar a qualquer um.

E estamos a falar de condições que foram previamente anunciadas. Houve um levantamento sobre o tipo de atividade que cada um queria, quais as necessidades que tinham para pôr em marcha os projetos de vida, mas não está a acontecer nem o mais difícil nem o mais fácil. Estamos muito concentrados e focados nos "DD” (Desarmamento e Desmobilização), mas estamos a esquecer o processo de reconciliação e reintegração que tem de ser contínuo. Isso tudo resulta desse secretismo, o que se esconde, em que ninguém sabe o que é acordado. Só ficamos a saber quando começa a haver problemas.

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