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Moçambique: Estará Pemba ameaçada por grupos armados?

António Cascais
31 de agosto de 2020

O Serviço Nacional de Investigação Criminal em Cabo Delgado apresentou, na última semana, um suposto integrante do grupo de insurgentes na região. Para investigador ouvido pela DW África, "não há ponto imune em Pemba".

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Mosambik Cabo Delgado | Angriffe von Islamisten
Desde a eclosão dos ataques em outubro de 2017, pelo menos 1.059 pessoas perderam a vida em resultado dos conflitos, além da destruição de várias infraestruturas em Cabo Delgado.Foto: AFP/M. Longari

O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) na província moçambicana de Cabo Delgado apresentou na última sexta-feira (28.08) à imprensa um suposto integrante do grupo de insurgentes que ataca aquela região do país desde 2017.

O indiciado terá sido apanhado com uma pasta contendo cinco armas do tipo AK47, carregadores e seis pares de fardamento militar, material que terá supostamente recebido de um outro indivíduo que passou pela região numa viatura de transporte de passageiros vindo do distrito de Mueda, a mais de 300 quilómetros de Pemba. 

O diretor do SERNIC em Cabo Delgado, Ntego Crisanto Ntego, não tem dúvidas: trata-se de uma operação que visava movimentar armamento para Pemba pelo grupo armado, que tem feito ataques naquela região de Moçambique. "A história nos diz que os insurgentes, quando estão para entrar num território, primeiro fazem adiantar o equipamento (ou seja armas) e depois é que eles vêm [vestidos] à civil. 

Sobre o assunto, A DW África falou com Calton Cadeado, investigador do Departamento de Paz e Segurança do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI / ISRI).

DW África: O que é que os investigadores sabem sobre o 'modus operandi' dos insurgentes?

Mosambik Calton Cadeado
O investigador Calton Cadeado.Foto: Privat

Calton Cadeado (CC): Pemba é hoje um local de grande valor político para este grupo de insurgente - para demonstrarem visibilidade e poder. Assim como Pemba, há outro ponto em Cabo Delgado, chamado Mueda, considerado bastião do poder político militar da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Uma vez atacado, significaria atacar o coração do poder do país. Esses são os elementos conhecidos para qualquer estratega que percebe que este grupo pretende atacar – para mostrar visibilidade e poder. Não há ponto imune em Pemba. Mas é preciso perceber de que maneira estes insurgentes, estes terroristas, atuarão. E onde escondem-se para fazerem os seus ataques. Até agora, quando atacam, eles têm usado as matas. Mas no espaço urbano, para uma guerrilha urbana, é preciso perceber até onde vai o grau de engajamento e atrevimento, para uma movimentação terrorista de ataques no espaço urbano. 

DW África: Há especulações em torno dos líderes, dos financiadores e em torno dos próprios membros desses grupos armados - serão moçambicanos ou estrangeiros?

CC: Há uma mistura de nacionalidades. Estamos a falar de moçambicanos e de estrangeiros: tanzanianos, somalis, ugandeses. É o que se conhece até agora. Poucos sul-africanos, mas essa é uma especulação para a qual ainda não há evidências. A identidade dessas pessoas é importante para sabermos de onde elas vêm, mas não nos diz muito a respeito de suas ligações internacionais, para podermos falar de financiamento do grupo.

DW África: Tendo em conta os ataques que já sucederam, em que até foram derrubados helicópteros, de onde é que vem este armamento?

Moçambique: Estará Pemba ameaçada por grupos armados?

CC: É difícil dizer com precisão de onde vem o financiamento. De Moçambique, tínhamos informações, segundo as quais as pessoas usavam os mecanismos eletrónicos de circulação, de transferências e recebimentos de dinheiro. Parece que se conseguiu controlar isso. Tanto que o Estado moçambicano intensificou o seu mecanismo de controle de transferências, de circulação de moeda, por causa do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo. Estamos a falar de recursos naturais – madeireiros, pedras preciosas, etc. Mas, sobre este tráfico, não se sabe dizer qual é a magnitude e quem o controla.

DW África: E as instâncias governamentais moçambicanas poderiam ter feito melhor no que diz respeito à cooperação internacional no combate ao terrorismo?

CC: Sabe-se que há uma comunicação muito forte entre o Estado moçambicano e a Tanzânia, pelo menos do ponto de vista de forças de defesa segurança. Estão a se reunir, com desconfianças de um lado e outro, mas estão a reunir-se. Afinal de contas, a ameaça em Moçambique também pode chegar à Tanzânia. Ao nível multilateral, da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), há uma dificuldade em fazer a cooperação. Hoje, a ameaça terrorista está localizada na província de Cabo Delgado e, próximo à Tanzânia, e é difícil convencer um forte engajamento do Botsuana, Malawi ou de Angola, que está distante. É difícil falarmos em cooperação. Mas os outros estão atentos ao que está a acontecer em Moçambique.