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Média

Jornalistas detidos na Beira por alegada corrupção passiva

Nádia Issufo | jb | Lusa
9 de junho de 2020

Autoridades moçambicanas detiveram dois jornalistas, Arcénio Sebastião e Jorge Malangaze. Presidente do Conselho Superior de Comunicação Social, Tomás Vieira Mário, desconfia que tenha sido uma cilada.

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Arcénio Sebastião, correspondente da DWFoto: DW/A. Sebastiao

Segundo Anastácio Matsinhe, porta-voz do Gabinete de Combate à Corrupção (GCCC) na província central de Sofala, trata-se de Arcénio Sebastião e de Jorge Malangaze. Ambos foram detidos na segunda-feira (09.06), acusados de terem recebido subornos para não publicarem um trabalho relacionado com a violação das regras do estado de emergência num estabelecimento hoteleiro em Sofala.

Os dois repórteres teriam fotografado e filmado o estabelecimento abarrotado e com pessoas a consumir álcool durante a noite, violando as regras do estado de emergência. "Eles contactaram o proprietário do estabelecimento e cobraram valores monetários para que não fossem exibidas as peças feitas sobre o estabelecimento, e o proprietário fez uma denúncia ao gabinete. Trata-se de um crime de corrupção passiva para ato ilícito", disse Anastácio Matsinhe, do GCCC.

Os jornalistas terão recebido cinco mil meticais (o equivalente a 63 euros) e foram detidos durante um encontro com o proprietário do estabelecimento, ainda segundo o porta-voz.

Emboscada a Arcénio Sebastião? 

De acordo com a agência Lusa, o proprietário do estabelecimento é Manuel Ramissane, deputado da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e antigo presidente da Assembleia Provincial de Sofala, também conhecido como "Nelinho".

Manica marcha contra a corrupção

Falando à comunicação social a partir do posto policial onde está detido, o jornalista Arcénio Sebastião defendeu-se e afirmou que foi o próprio proprietário do estabelecimento quem tomou a iniciativa: "Ele meteu a mão no bolso e entregou-nos o valor para que não publicássemos a informação. Aceitámos pensando que era o 'Nelinho' de antes e, de repente, à saída, apareceram 12 agentes", declarou o jornalista, considerando ter sido alvo de uma emboscada.

Arcénio Sebastião também trabalha como correspondente da Deutsche Welle (DW), embora a pesquisa que deu origem à detenção não tenha acontecido no âmbito de um trabalho para a DW.

Proprietário continua livre

Ao contrário dos dois jornalistas, o proprietário do estabelecimento, Manuel Ramissane, continua em liberdade apesar de supostamente ter violado as regras do confinamento e de ter pago os cinco mil meticais aos dois jornalistas.

Na conferência de imprensa em que o GCCC na província anunciou as detenções dos dois jornalistas, o porta-voz justificou a decisão: "Não foi detido, porque não o podemos considerar como ativo. O crime de corrupção consumiu-se quando eles fizeram a solicitação. Quando ele fez a denúncia, nós dissemos para fingir aceitar esta solicitação", disse, justificando que nestes casos os denunciantes não são penalizados.

Em entrevista à DW, Tomás Vieira Mário, presidente do Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS), considera que os jornalistas possam ter caído numa "cilada".

Tomás Vieira Mário
Tomás Vieira Mário, presidente do CSCSFoto: DW/D. Anacleto

DW África: Que apreciação faz da pronta atuação da polícia e do GCCC, organismos normalmente vagarosos na sua atuação?

Tomás Vieira Mário (TVM): Pelas informações disponíveis, creio que aqui houve uma associação de dois fatores: por um lado, certamente alguma ingenuidade destes jornalistas e, por outro, uma má fé desse empresário. Creio que eles acabaram por cair numa cilada. De qualquer modo, se aquilo que se alega que fizeram for verdade, o que fizeram foi inaceitável. Sonegar informações a troco de pagamentos é anti-ético. Agora, se me pergunta porque é que foi tão rápido, eu acho que caíram numa cilada, porque certamente este empresário, tê-los-á aliciado e, enquanto eles não percebiam, comunicou às autoridades para haver uma espécie de encontro em flagrante delito. Não foi espontâneo, foi algo realmente arquitetado para colocar estes repórteres em situação de conflito com a lei.

DW África: Neste alegado esquema de corrupção foram só detidos os jornalistas, por corrupção passiva, mas o empresário que lhes pagou, que terá cometido corrupção ativa, o denunciante, não foi detido. O facto não suscita interrogações?

Symbolbild Korruption
Jornalistas consideram que detenção foi uma "emboscada"Foto: imago/ITAR-TASS

TVM: Não, eu não tenho informação nem que foi, nem que não foi. Não sei. Mas não me parece provável que a autoridade, tendo feito público o ato de corrupção passiva, deixe impune a corrupção ativa. Não há como isso acontecer. Se as autoridades detiveram estes jornalistas porque receberam o dinheiro, naturalmente terão de deter quem pagou, porque esse é um corruptor ativo. Em termos legais, a corrupção ativa é mais intensa do que a passiva.

DW África: O pagamento de almoços a jornalistas é uma prática tacitamente aceite e comum entre a classe. Cada vez mais se ouvem casos de extorsão por parte destes profissionais. Quais serão os grandes desafios no que diz respeito à ética e deotonlogia da classe em Moçambique?

TVM: Acho que essa é uma questão infelizmente transversal a todas as profissões em Moçambique, desde o judiciário ao político, ao da medicina. Estamos numa sociedade gravemente infetada pelo vírus da corrupção. A imprensa, quando estes factos acontecem, fica mais visível pela sua profissão, mas não é certamente a classe mais exposta à corrupção em Moçambique do que outras. Como bem sabe, temos figuras políticas de proa na prisão, que devastaram o país. 

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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