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"Lei de Probidade Pública é mal aplicada" em Moçambique

5 de março de 2020

Investigador do CIP, Baltazar Fael, diz que a criação de novas sanções contra funcionários que não declararem bens é ineficaz. Leis adequadas já existem, mas órgãos competentes devem aplicá-las.

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Assembleia da República de MoçambiqueFoto: DW/L. Matias

A criação de novos mecanismos de sanção contra funcionários públicos que não declararem os seus bens terá efeito ou será mais uma promessa não cumprida? Foi uma questão que colocámos ao investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique Baltazar Fael, que não vê a medida com otimismo: "É uma questão simplesmente de implementação e não propriamente de criar diplomas legais", afirmou em entrevista à DW África.

Na terça-feira (03.03), o Conselho de Ministros moçambicano anunciou um decreto que vai permitir aplicar sanções contra os titulares de cargos públicos que não declararem o seu património. Segundo o Governo, este é um instrumento necessário para colmatar eventuais lacunas e estabelecer parâmetros punitivos.

Contudo, o CIP critica a criação do decreto, uma vez que a Lei de Probidade Pública já prevê sanções graves nestes casos. "Há aqui um certo desnorte por parte do próprio Governo", sublinha o investigador do CIP. "Existem muitas leis e boas leis, mas os mecanismos de implementação destas leis é que faltam", acrescenta.

Wahlbeobachtung in Mosambik
Foto: DW/A. Cascais

DW África: Essa pode ser mais uma promessa não cumprida?

Baltazar Fael (BF): Não é algo de novo em Moçambique. A Lei de Probidade Pública já prevê sancionar os funcionários que não fazem a entrega da declaração de bens. Agora, eu não sei qual é o pretexto que existiu para criar este novo decreto, porque as sanções já existem na lei. Então, é simplesmente uma questão de implementação e não propriamente de criar diplomas legais. Moçambique tem esse problema de criar vários diplomas legais e, depois, não os aplica. O problema é a implementação e não a inexistência de mecanismos sancionatórios. Aliás, a própria Lei de Probidade Pública fixa uma sanção bastante grave nessas condições, que é a demissão desses funcionários. Penso que é uma questão de duplicação e, depois, vai criar dificuldades na sua aplicação.

DW África: O Conselho de Ministros argumenta que é preciso implementar esse decreto para suprir eventuais lacunas e criar mais parâmetros punitivos nas situações de atraso do cumprimento do prazo legal para a declaração de bens. É essa a justificação do Governo.

BF: Eu penso que, quanto mais a lei estiver aperfeiçoada, mais ela é eficaz. Não restam dúvidas. O problema que se coloca é que já existia uma lei que nunca chegou a ser aplicada. Então, pode-se perguntar: Se a lei nunca chegou a ser aplicada, como é que se viu que ela era ineficaz para agora vir um outro diploma que aplica mecanismos de sancionamento desses funcionários? Há aqui um certo desnorte por parte do próprio Governo. Se recuarmos um pouco ainda, vamos observar que a Procuradoria-Geral da República (PGR), quando era questionada sobre o facto de não serem aplicadas sanções, ela referia sempre que não as aplicava, porque estava num processo pedagógico, de ensinamento aos servidores públicos. Ora, uma lei não funciona dessa forma. A partir da altura em que a lei é aplicada, ela deve funcionar. E, portanto, nós pensamos que há falta de coragem por parte da PGR e das procuradorias provinciais em sancionar os funcionários que não fazem a declaração de bens.

"Lei de Probidade Pública é mal aplicada" em Moçambique

DW África: Como está a ser a implementação da Lei de Probidade Pública?

BF: Eu penso que é muito má. Nós mesmos publicámos um texto em que mostrávamos que existem funcionários da Assembleia da República, neste caso, deputados, que estão a receber salários em mais de duas instituições públicas, o que é proibido pela lei. Portanto, eles ainda estavam a receber salários nos locais de origem onde trabalhavam e também na Assembleia da República. E mostrámos isso através de um documento oficial do Ministério da Economia e Finanças, em que o Secretário Permanente daquele órgão solicita ao ministro para que sejam suspensos os pagamentos de salários aos deputados nessas condições. A nossa proposta é que, para aqueles deputados que receberam os salários em duplicado, eles têm que reembolsar e não simplesmente suspender os pagamentos. Esses funcionários devem devolver os valores que receberam de forma ilegal.

DW África: Os funcionários públicos que receberam os salários em duplicado tinham a obrigação de alertar os órgãos competentes, de forma imediata. Acredita que haverá punições adicionais?

BF: Não sei qual é o mecanismo de atuação nesse caso. O que nós fizemos é alertar para esta situação em concreto. Então, cabe neste momento aos órgãos que devem sancionar esses funcionários agir no sentido de repor aquilo que é a legalidade. A própria Lei de Probidade Pública, neste caso concreto, refere que esses funcionários devem até sofrer sanções de natureza criminal, se se provar que eles agiram de forma voluntária ao aceitar receber essas remunerações em duplicado. Neste momento, nós devemos monitorar a situação para verificar se os órgãos que devem agir no sentido de sancionar esta situação em concreto, de facto, assumem aquilo que são as suas competências.

DW África: Mas a avaliação até este momento é que os órgãos competentes não estão a cumprir o seu papel?

BF: Claramente que não estão. Nunca vimos nenhuma sanção a ser aplicada a um servidor público que violou a Lei de Probidade Pública até ao momento. Portanto, vários funcionários não fazem a declaração de bens e a própria PGR até tem dados de quantos funcionários não fizeram a declaração de bens ou violaram a lei. Mas não temos essas informações de forma oficial de que algum funcionário tenha sido sancionado. Existem muitas e boas leis, mas os mecanismos de implementação destas leis é que faltam.

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