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Cultura

Livro desvenda os mistérios e as modas dos nomes de Angola

26 de junho de 2019

Nomes próprios de origem bantu têm em Angola muitos significados relacionados com a natureza ou os espíritos. Livro do escritor Aristóteles Kandimba compila nomes tradicionais de quase 20 idiomas diferentes do país.

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Aristóteles Kandimba, escritor de origem angolana, nascido em PortugalFoto: DW/J. Carlos

"Hosi" significa "leão", símbolo de força e de poder. "Vyiemba" está relacionado com a medicina, assim como "Ndunduma" tem a ver com trovoada. "Ombela" é o mesmo que "chuva". "Kandimba" significa coelho ou lebre, e simboliza a astúcia, a inteligência.

Já "Tchinendele" é aquele que esmaga o branco no pilão. Mas ninguém melhor que o escritor e produtor cultural Aristóteles Kandimba para explicar o simbolismo desta palavra, relacionada com a luta contra o colonialismo.

"Houve um rei, Tchinendele, é o alcunha dele, que significa bravura, o poder desse rei, e reflete o que estava a acontecer no momento. O branco, nesse sentido, é o inimigo dele, significando o poder colonial. Nós temos, por exemplo, pessoas com nomes de árvores, de plantas, de folhas, de raízes, que têm muito a ver com a questão medicinal", explica.

Livro desvenda os mistérios e as modas dos nomes de Angola

O escritor de origem angolana, nascido em Portugal, tem outros exemplos de nomes tradicionais bantu, um dos maiores ramos linguísticos africanos. "Há pessoas chamadas 'Chuva' por terem nascido num dia chuvoso. Trovoada é alcunha de bravura. E 'Ndunduma' significa trovoada; é o nome de um antigo rei que foi preso e enviado para São Tomé", acrescenta.

No que toca ao sentimento e à afetividade, ou à relação entre os pais, existem palavras como "Tudizola", que quer dizer "vamos nos amar" pelo bem-estar da família. As crianças que nasciam num lugar novo ou temporário, por exemplo durante uma viagem, recebiam o nome de "Tchilombo", que significa "acampamento".

Há vários conceitos que fazem parte do sistema de nomeação. Por essa via, o escritor desvenda a história e a identidade da sua família através dos nomes. "Por exemplo, eu tenho avós e bisavós que se chamavam 'Chilonga', que significa educadora, pessoa que transmite conhecimento. Tinha um que se chamava 'Satchingongue', que é o dono do caracol; exatamente por que não sabemos. Só quem deu o nome é que sabe. Tem outro que significa que a vida é importante, essencial ou sagrada – 'Chicolomuenho' – da parte da minha mãe. E isso foi-me encantando", conta o escritor.

Ampla pesquisa

Estas são algumas das cerca de duas mil palavras usadas por várias etnias angolanas, agora impressas na obra O Livro dos Nomes de Angola. É o fruto de uma ampla pesquisa iniciada pelo autor em 2011 em Amesterdão, na Holanda, à volta das línguas tradicionais bantu, entre as quais o kimbundu, o kikongo e o owambo. O livro traz uma compilação de  nomes tradicionais de quase 20 idiomas diferentes de Angola.

Angola Sänger Bonga Kwenda
O músico angolano Bonga Kwenda assina o prefácio do livroFoto: Rafael Belincanta

Nos últimos anos, após a independência de Angola, registaram-se mudanças culturais na escolha dos nomes próprios por força da relação, por exemplo, com a Rússia ou o Brasil. Neste último caso, por influência das telenovelas brasileiras.

"Eu não diria que está a desaparecer, mas há realmente influências de novelas e outras coisas mais. Toda a gente quer nomes americanos. Eu acho ridículo, mas é uma verdade. Na nossa sociedade, houve um tempo durante o comunismo em que as pessoas tinham nomes soviéticos ou russos. Hoje em dia, há pessoas da minha idade que se chamam Vladmir e outras coisas mais, porque os pais estudaram na Rússia. Nós ainda sofremos com a questão colonial de rejeitarmos a nossa cultura, mas o nome faz parte da nossa identidade", sublinha.

O Livro dos Nomes de Angola, a ser lançado entre agosto e setembro em edição conjunta da Alende-Edições (Angola) e Perfil Criativo - Edições (Portugal), é prefaciado pelo músico angolano Bonga Kwenda, que deu um contributo culturalmente valioso para o enriquecimento da pesquisa.