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Literatura

Memórias dos cubanos sobre a guerra em Angola em livro

30 de março de 2017

“Um lugar chamado Angola” de Karla Suárez retrata sequelas da guerra angolana em Cuba. O livro foi apresentado em Lisboa pelo escritor angolano Ondjaki, que prefere realçar os benefícios da presença cubana em Angola.

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"Um Lugar Chamado Angola", livro de Ana SuárezFoto: DW/J. Carlos

A participação de soldados cubanos no conflito armado em Angola teve impacto real na sociedade. Os horrores da guerra deixaram marcas indeléveis em Cuba, como confirma Karla Suárez no seu livro "Um lugar chamado Angola” recém apresentado em Lisboa. A escritora cubana sublinha que "com qualquer motivo, a guerra é horrível. Então, para muitas pessoas, depois quando voltaram, sofreram mudanças."

E ela conta um dos depoimentos que colheu: "Eu falei com um meu amigo, que tem a minha idade – ele tinha 17 ou 18 anos –, ele disse-me que partiu muito novo com uma ideia: a guerra. Mas a guerra é um conceito até que lá chegas. Ele esteve lá e depois de voltar disse-me: "em dois anos eu mudei completamente. Fiquei outro homem. Não sei se melhor ou pior, mas foi uma grande escola, aprendi muita coisa com tanta gente e conheci coisas, talvez algumas que também não queria conhecer”. Mas é assim."

A escritora fala de memórias e pesadelos que ainda subsistem em várias famílias cubanas, em consequência do conflito entre os exércitos do MPLA, partido no poder em Angola, e da UNITA, hoje maior partido da oposição: "Foram muitos mortos cubanos. Então, há muitas pessoas que tiveram mortes ou feridos na família ou gente que tem traumas psicológicos."

E ela sublinha: "Se tu não estás ferido fisicamente mas a guerra, psicologicamente é uma grande ferida. Eu acho que há muita gente que ficou mal depois daquela guerra e a consequência ainda está presente em muitas pessoas."

Karla Suárez, Schriftstellerin aus Kuba
Karla Suárez, escritora cubanaFoto: DW/J. Carlos

Angola muito presente em Cuba

Karla Suárez diz que cresceu em Cuba com a guerra em Angola muito presente. Mas os acontecimentos eram abordados quase que de forma secreta. Isto também porque tudo acontecia num tempo em que a comunicação não era tão veloz como a que se regista atualmente.

Além disso, Cuba era um país isolado e, na altura, as informações que circulavam refletiam apenas a versão oficial cubana. No entanto, a guerra em Angola passou depois a fazer parte da realidade de todos os dias e conta: "O meu pai esteve lá, muita gente esteve lá, amigos também estiveram. Foram diferentes períodos. Os cubanos ficaram 15 anos naquela guerra. Então foi uma guerra que nós vivemos em Cuba. Não estávamos em guerra mesmo se ela acontecia muito longe de nós fisicamente, não é."

As tropas cubanas acabaram por permanecer 15 anos em Angola, quando a ideia inicial era ficarem apenas dois anos com o objetivo de ajudar os angolanos depois da independência em 1975. A presença cubana foi massificada com o reforço da reserva militar e envio de médicos, construtores e professores. A missão chegou ao fim em 1991, depois dos acordos entre as partes beligerantes. Deu-se o fim da União Soviética e do mundo socialista, o que provocou uma enorme crise em Cuba, agravada pelo embargo dos Estados Unidos.

Foram anos muitos difíceis, segundo Karla Suárez, em que não se falava mais da guerra, mas ficaram muitas feridas por sarar. Os factos levaram a escritora a se interessar mais pela descoberta da verdade, aprofundada com os conhecimentos que desenvolveu depois de vir viver para Portugal.

Ondjaki, Schriftsteller aus Angola
Ondjaki, escritor angolanoFoto: DW/J. Carlos

Ondjaki: os cubanos eram muitos nossos amigos

O escritor angolano, Ondjaki, viveu em Luanda aqueles anos da presença cubana em Angola. Lembra, na década de 80, ainda em criança, a excelência dos professores cubanos ligados à escola pública: "Eu tive sempre excelentes professores cubanos. Eles eram muito interventivos, mudavam a pedagogia das aulas. Eram muito nossos amigos. E ao contrário do que as pessoas pensam, não faziam demagogia e ideologia específica nas aulas. Não. Eram pessoas que tinham uma formação de esquerda nitidamente, isso sentia-se, só que era uma coisa bonita. Eu pessoalmente posso dizer que parte da minha formação passa muito pelo contacto que tive com os professores cubanos."

Entretanto, poucos serão os angolanos que já não têm consciência do impacto da participação de tropas cubanas na guerra em Angola. Ondjaki recorda que "com a ajuda que as tropas cubanas ofereceram no controlo às invasões que o exército regular sul-africano fazia a Angola, pelo menos por duas ou três ocasiões; digamos, foi através, também, da colaboração das tropas cubanas e isso, obviamente, que se reflete porque a sociedade seria outra e o país teria tido outro rumo."

O escritor angolano fala também as intenções da África do Sul em relação ao seu país: "Se as tropas tivessem chegado a Luanda e conquistado a capital, penso até que a própria UNITA estava equivocada em relação ao que iria acontecer. Aquilo era um plano maior. Não se esqueça que a África do Sul já ocupava a Namíbia e – vivia-se o regime do apartheid –, a seguir era Angola. Quer dizer, aquilo ia ficar desde [a Cidade do] Cabo até Cabinda, tudo território não só sul-africano mas sob o regime do apartheid."

Por outro lado, acrescenta, a ajuda dada por Cuba no que toca a professores e médicos sem dúvida que se refletiu na necessidade que Angola tinha após a independência em suprir deficiências nas áreas da saúde e do ensino. "Os cubanos tiveram um papel absolutamente preponderante nesse sentido", sublinha Ondjaki. O escritor fez a apresentação do romance de Karla Suárez.

30.03 Como o envio de soldados cubanos a Angola mudou a socidedade nos dois país - MP3-Mono