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A lista dos pedidos (im)possíveis dos juízes conselheiros

Nádia Issufo
11 de dezembro de 2018

Lista de mordomias que o Conselho Constitucional submeteu ao Parlamento é insultuosa se considerarmos a decadência económica do país. A lista de desejos enfureceu muitos moçambicanos. MDM diz que se perdeu a moral.

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Foto: Fotolia/olly

A lista de desejos dos juízes conselheiros assemelha-se a das crianças nesta época natalícia: é ilimitada. Querem casa condigna, devidamente mobilada, afeta pelo Estado ou, na sua falta, subsídio de renda de casa, carro de afetação pessoal (além da viatura protocolar), seguro de vida e de incapacidade, subsídio de férias correspondente ao seu salário base, subsídio de instalação no início do mandato, subsídio de exclusividade e de risco, subsídio de compensação quando resida em casa própria.

E claro, não falta quem lhes queira tirar do aparente mundo surreal em que se encontram, "o país está a debater-se com uma crise grave por causa das dívidas ocultas e temos o Orçamento de Estado com um deficit de 80 mil milhões de meticais e não se sabe como vamos cumprir isto", sublinha Humberto Zaqueu, economista do Grupo Moçambicano da Dívida (GMD).

Trata-se de uma ONG que está a lutar pelo esclarecimento de uma aplicação pouco transparente de cerca de 2000 milhões de dólares feita pelo Governo moçambicano em 2014. Falamos das famigeradas dívidas ocultas que deixaram o país literalmente de "tangas" e "de joelhos" perante os doadores internacionais.

Humberto Zaqueu  GMD
Humberto Zaqueu, colaborador do GMDFoto: DW/R. da Silva

Para Zaqueu falta bom senso aos juízes conselheiros e acusa-os de agirem contra o interesse do povo e do país.

Lutero Simango é chefe da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a segunda maior força da oposição, explica o país real e quem é a maioria que o habita: "Somos um país de carências, a nossa economia não está a conseguir gerar riqueza e muito menos gerar oportunidades de emprego para os nossos concidadãos. E por outro lado, remete-nos a outra análise profunda: quais são as causas e motivações desta proposta?"

Egoísmos e ganância?

Apesar dos esclarecimentos não sabemos se no alto dos seus sonhos os juízes conselheiros alcançarão a mensagem de Zaqueu e de Simango. Apesar da boa vontade em elucidar os visados sobre as reais condições do país onde vivem os juízes conselheiros, Zaqueu não tem grandes esperanças de que mudem de ideias.

"Há aqui um problema grave de conflito de interesses, há uma espécie de desinteresse pelo interesse comum do povo e as pessoas vão pensando somente no seu bem estar. É de lamentar que isso aconteça e que venha de uma casa onde pensamos que se calhar seria a guardiã da justiça que o país almeja alcançar nalgum momento", diz Zaqueu.

O economista está mesmo certo que mesmo as estrelas vão redefinir-se a favor dos conselheiros, que não auferem salário mínimo e nem nada que se assemelhe: "Mas cabe a casa do povo, que infelizmente consideramos que é uma casa infestada onde o princípio da maioria absoluta é que reina. Sabemos que se esta proposta já foi partilhada no seio do grupo maioritário há-de passar sem dúvida nenhuma."

Lutero Simango, Mitglied der MDM-Partei
Lutero Simango, líder da bancada parlamentar do MDMFoto: DW/R.daSilva

Onde come um comem dois

E como no coração dos juízes conselheiros cabe meio mundo, os pedidos estendem-se a outros. Por exemplo, na proposta de revisão da Lei nº 06/2006, de 2 de agosto submetida ao Parlamento em meados de outubro de 2018 pedem ainda assistência médica e medicamentosa também para os seus cônjuges, os filhos menores e outros dependentes a seu cargo.

Outro pedido digno de ser realçado é direito a passaporte diplomático que, para além de beneficiar apenas o juiz conselheiro e seu cônjuge, passará a incluir filhos menores e incapazes. É uma contradição, um absurdo esbraveja Humberto Zaqueu.

Os "patrões" que apoiam Moçambique podem se aborrecer

Mas  talvez os juízes não saibam que parte do dinheiro para pagar os seus desejos vem de países ocidentais a quem lhes é pedido o respeito pela soberania moçambicana.

O economista Zaqueu acha que os doadores não vão gostar nadinha da sua extensa lista de desejos: "Mas seguramente que os doadores ficarão muito angustiados com esta notícia. É mais uma bomba que nos apanha de surpresa e que provavelmente pode até arrefecer os ânimos que vinham se gerando depois do tal acordo parcial com credores. O FMI tem vindo a dizer que a fatura dos salários é um dos maiores encargos que o país tem vindo a enfrentar."

Outra coisa que talvez lhes tenha escapado é que na caixa forte há dinheiro dos impostos dos que auferem insultuosos salários mínimos. A esses não lhes é dada a oportunidade de fazer lista de desejos, a única lista que conhecem é de aumentos preços de bens e serviços. Só este ano subiram os preços dos Bilhete de Identidade (BI) e da carta de condução em mais de 300%.

Prémio pelo bom trabalho, dizem uns...

A lista dos pedidos (im)possiveis dos juízes conselheiros

Os pedidos dos juízes conselheiros são feitos pouco depois das quintas eleições autárquicas. Nas redes sociais as más línguas, que insistem em não enveredar pelo espírito natalício, desconfiam que o pedido seja a cobrança pelos vereditos positivos dos juízes conselheiros a favor da FRELIMO, o partido no poder, nas eleições.

Lutero Simango não tem a língua tão afiada, mas tem as suas desconfianças: "Penso que são recados que estão a mandar, mas esses recados deveriam ser com muita clareza, de que eles querem ter a sua independência financeira e administrativa, que precisam de ter a sua independência dos poderes políticos. Agora, tentar buscar melhores condições sem conquistar a sua independência não resolve o problema."

E o deputado defende que "Moçambique precisa, de facto, de um Tribunal Constitucional, mais profissional e independente do poder político."

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