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Moçambique e Guiné-Bissau lutam pela igualdade de género

Vanessa Raminhos8 de março de 2016

No Dia Internacional da Mulher, recordamos os principais problemas que afetam os países africanos de língua portuguesa, como os casamentos prematuros, a mutilação genital feminina e a violência doméstica.

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Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen

Celebra-se, a 8 de março, o Dia Internacional da Mulher, que relembra todos os direitos já conquistados e aqueles que ainda estão por conquistar.

Nos países africanos de língua portuguesa, apesar da luta de várias Organizações Não Governamentais (ONG), os casamentos prematuros e a violência doméstica continuam a ser problemas apontados pelos defensores dos direitos das mulheres.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, cerca de 70% das mulheres irá sofrer algum tipo de violência ao longo da sua vida. A mais comum é praticada pelos seus parceiros, e os casamentos forçados e prematuros aumentam a vulnerabilidade da mulher.

Conceição Osório, responsável de pesquisa na Mulher e Lei na África Austral (WLSA), afirma que, em Moçambique, o caminho a percorrer ainda é longo. "Embora a Lei da Família tenha sido feita em 2004 e defina a idade mínima [para o casamento], acontece que Moçambique continua a ser o 10.º país com mais casamentos prematuros".

De acordo com dados da organização, estas práticas são mais comuns nas regiões norte e centro do país, onde os ritos de iniciação associados à puberdade perpetuam a ideia do papel tradicional da mulher na família. A sexualidade feminina é encarada não como um direito, mas como o dever de manter o marido satisfeito.

"Mal saem dos ritos, há aquelas cerimónias de integração na família e na comunidade e há muitos pais que vão de casa em casa, batendo palmas e dizendo 'Já temos mulher, já temos mulher, já temos mulher!'. Portanto, a menina depois do rito de iniciação está exposta ao casamento prematuro", explica Conceição Osório.

Na Guiné-Bissau, esta prática é impedida por lei, assim como a mutilação genital feminina, e o país é reconhecido internacionalmente como um defensor dos direitos das mulheres.

Apesar disso, Fatumata Djau Baldé, Presidente do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, afirma que isto ainda acontece, mesmo que às escondidas. "Estamos a deparar-nos no nosso dia-a-dia com práticas tradicionais muito nocivas à saúde da mulher. Estamos a falar de não deixar as jovens irem à escola, estamos a falar de práticas como os casamentos infantis, como a mutilação genital feminina, a violência doméstica".

A legislação guineense proíbe os casamentos infantis, estabelecendo os 18 anos como a idade mínima para o casamento, e também os casamentos forçados, considerados como uma forma de violência doméstica. Jovens raparigas fogem destes casamentos e encontram refúgios em centros em Bissau e em Gabú, bem como junto da Igreja Evangélica e da Igreja Católica, até se conduzir o caso à justiça.

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"Até aqui, pelos poucos casos que chegam e que são levados à justiça, a justiça tem estado a fazer o seu trabalho. Chamam os familiares e explicam-lhes que não podem forçar as crianças a esses casamentos", afirma a responsável do Comité. "Quando as famílias não aceitam, são conduzidas à justiça e julgadas por essa situação".

Violência doméstica preocupa organizações

A violência doméstica é uma das problemáticas que ainda afeta os países africanos de língua portuguesa. Na Guiné-Bissau, o número de denúncias tem vindo a aumentar e as ONG garantem o apoio às vítimas, mas ainda faltam centros de acolhimento ou passagem que as protejam, impedindo-as de sair de casa dos agressores.

"As mulheres que são violentadas pela família, quando recorrem às ONG ou à polícia, mesmo que não queiram voltar para a família que as violentou, não têm um sítio para ficar até se resolver a questão", afirma Fatumata Baldé.

No entanto, admite que se estão a registar cada vez mais denúncias de violência doméstica. "Parece que a situação de violência está a aumentar no país, mas não é o caso. O que está a acontecer é que, hoje em dia, as mulheres estão a ganhar mais consciência de que não devem aceitar viver naquela situação".

Em Moçambique, estima-se que os casos de violência doméstica cheguem aos 23 mil, mas este número é drasticamente reduzido quando se fala de denúncias efetivas.

"O problema dos dados é que nós não temos uma ficha única que permita registar a mulher que entra no Centro de Saúde, que vai depois para a polícia, e é obrigatório seguir para tribunal porque a violência doméstica é crime público", explica Conceição Osório. "Quando chegamos ao fim da linha, aos tribunais, esses 23 mil casos reduzem-se para aí a 400 ou 300", uma vez que, muitas vezes, a polícia não regista estes casos como violência doméstica, mas sim violência física.

Continua a luta contra a mutilação genital feminina

Mas não é apenas a violência doméstica que preocupa estas organizações. Práticas como a mutilação genital feminina ainda são comuns, especialmente na Guiné-Bissau, apesar das leis que a proíbem.

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A mutilação genital feminina é ilegal na Guiné-Bissau desde 2011Foto: picture-alliance/dpa/Unicef/Holt

Impedir a mutilação genital feminina foi "uma luta difícil e continua a ser uma luta difícil", afirma Fatumata Baldé, que diz que ainda é possível depararmo-nos com "pessoas que estão a levar a cabo esta prática e que a estão a fazer à maneira deles".

A luta está a ser vencida a cada dia mas, de acordo com a responsável do Comité Contra as Práticas Nefastas "é difícil combater práticas seculares. É preciso continuar a trabalhar para a mudança de comportamentos e de hábitos que são tidos como parte da identidade destas comunidades".

A educação é um dos passos mais importantes no combate a estas práticas, uma vez que é através dela que é possível explicar a estas comunidades que os direitos sexuais, reprodutivos, humanos e físicos de cada pessoa devem estar em primeiro lugar, independentemente da sua religião ou etnia.

Para Fatumata Baldé, a pouco e pouco chega-se ao objetivo final de erradicar esta prática. "Já não se vê ninguém a fazer esta prática publicamente como se fazia dantes. Quem o faz ainda hoje, fá-lo às escondidas. E eu costumo dizer que quem faz uma coisa às escondidas sabe que o que está a fazer não é correto".

Educação é um passo importante no combate a estes problemas

Nestes países, a educação ainda é, muitas vezes, negada às jovens raparigas e muitas delas abandonam a escola precocemente, como é o caso de Moçambique, onde a maioria das meninas abandona a escola quando chega à 6.ª classe, que é quando o ensino deixa de ser gratuito e as escolas ficam deslocadas das povoações mais pequenas.

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Em Moçambique e na Guiné-Bissau a taxa de abandono escolar das meninas ainda é muito elevadaFoto: picture alliance/dpa-Zentralbild/T. Schulze

Os casamentos infantis também aumentam o abandono escolar, mas muitas raparigas já começam a fugir destes casamentos e procuram ajuda junto destas organizações. "Quando nós lhes perguntamos porque é que elas fugiram ao casamento, elas respondem-nos que querem continuar a estudar, que querem ser isto ou aquilo", afirma Conceição Osório.

Na Guiné-Bissau, o tratamento entre rapazes e raparigas no que diz respeito à escolaridade e alfabetização ainda é diferenciado, limitando a capacidade da mulher em ser independente do marido ou dos pais. "O facto de as meninas não terem acesso à escola, isso impede-as de tudo. Impede-a de ter um trabalho remunerado, que lhe poderá dar um rendimento que a torne independente. Ela será obrigada a viver aquela vida mais dura”, afirma Fatumata Baldé.

Para a Presidente do Comité contra as Práticas Tradicionais Nefastas, a educação é uma das principais formas de combater estas práticas, e apela à comunidade nacional e internacional que apoie o país a alargar os seus apoios ao setor da educação, para fazer chegar as escolas a todos os cantos do país. "Tudo isso que nós estamos a falar poderá ser ultrapassado se a mulher for escolarizada. Quem educa uma mulher está a educar uma comunidade, está a educar toda uma geração futura”.

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