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"O Sustenta é um projeto de uma só pessoa, um one man show"

Nádia Issufo
4 de novembro de 2020

CDD diz que faltou debate público sobre projeto agrícola e crítica o Ministério da tutela por atuar como "jogador e árbitro". Também há quem alerte que o "Sustenta" pode ser afetado pela ineficiência do próprio Estado.

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Celso Ismael Correia
Celso Correia, ministro da Agricultura e Desenvolvimento RuralFoto: Roberto Paquete/DW

Em Moçambique, enquanto o projeto agrário nacional "Sustenta" está sob as luzes da ribalta, na plateia a sociedade civil denuncia o que se esconde por debaixo do brilho. 

A sociedade civil queixa-se de ter sido excluída do "Sustenta". O projeto tutelado pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MADER) também é alvo de várias críticas, como, por exemplo, de não passar de um programa meramente político e pouco desenvolvimentista.

A ONG Centro para o Desenvolvimento da Democracia (CDD), na pessoa do seu diretor, Adriano Nuvunga, aponta o dedo acusador: "O Sustenta é um projeto de uma só pessoa, é um one man show, pensado nalgum sítio, com toda linguagem dele copiada de um dia para o outro".

E Nuvunga lembra que "o projeto estava no MITADER (extinto Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural), que não era o da Agricultura. E é um projeto que começou a ser implementado em dois ou três distritos quando ainda estava no MITADER".

Prof. Adriano Nuvunga
Adriano NuvungaFoto: Roberto Paquete/DW

"Sustenta" enxertado ao programa de governação da FRELIMO

O ativista do CDD denuncia ainda que "o projeto foi iniciado sem discussão pública e também porque havia dinheiro do Banco Mundial e esse dinheiro suscitou cópia do projeto aqui e acolá e assim se estruturou o Sustenta".

"Não surge nem do manifesto eleitoral de Filipe Nyusi, nem do congresso da FRELIMO. É um programa que foi enxertado no programa de governação da FRELIMO e depois tornou-se no programa principal do Governo, fez-se um arranjo para fazer dele política pública", observa Adriano Nuvunga.

Em paralelo, há quem questione a capacidade do próprio Estado fazer funcionar um programa tão ambicioso como o  "Sustenta". O sociólogo Elísio Macamo é um deles, defende que o "Sustenta" pressupõe um Estado mais eficiente do que o atual Estado moçambicano.

Bolsas de (in)eficiência

Para Macamo um projeto tão complexo como este não parece ser a melhor solução e busca um conceito novo para questionar o projeto: "Existe agora esse termo engraçado que está a ser usado agora, sobretudo por pesquisadores da Universidade de Manchester, Inglaterra, que é a bolsa de eficiência.

Elisio Macamo Analyst an der Universität Basel
Elísio MacamoFoto: DW/J. Beck

Mas Macamo expõe o seu "calcanhar de aquiles" ao entender "que é um conceito estranhamente problemático, porque parte do princípio que seria possível para um Estado que tem grandes possibilidades em se impor, do ponto de vista da eficiência organizacional, que esse Estado possa criar essas bolsas que vão ter um efeito positivo no resto do ambiente".

E o académico alerta que "não se contempla a possibilidade dessas bolsas de eficiência serem afetadas pela ineficiência do próprio Estado, ideia que está a ser propalada sem nenhuma base empírica credível."

MADER como jogador e árbitro ao mesmo tempo?

Outra crítica levantada pela sociedade civil moçambicana é o desrespeito pelos princípios de transparência. Entretanto, recentemente o ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, lançou o projeto de monitoria e avaliação do "Sustenta", paradoxalmente a ser dirigido pelo próprio órgão de tutela, o Ministério da Agricultura, situação em que o jogador atual seria simultaneamente o árbitro.

Porém, Nunvunga recorda que a iniciativa não passa de reação: "Mas a forma como se estrutura o setor da monitoria e avaliação do "Sustenta", resulta das críticas que nós fizemos a dizer que o projeto não tinha sido avaliado.

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Contudo, Nuvunga alerta que se está diante de um conflito de interesses: "Mas não estamos a dizer que tem de ser avaliado pelo próprio MADER, tem de ser avaliado por entidades independentes da sociedade. E o Parlamento tem essa função de fazer essa avaliação, dada a dominação política do Parlamento pela FRELIMO, que reduz a efetividade como instituição de governação democrática".

Avaliação inútil

Por isso, o diretor do CDD defende que "tem de se permitir que existam outras entidades para fazer essa avaliação. O gasto de dinheiro, que são dívida, para dizer que o "Sustenta" tem uma avaliação lá dentro do Ministério subordinada ao ministro Celso Correia que promotor desse projeto, é conflito de interesse e é inutil essa avaliação", acusa.

Face a todos esses pontos nevrálgicos, Nuvunga conclui que o "Sustenta" é apenas mais um programa falhado, como o da Jatrofa e tantos outros, e também uma oportunidade para a grande corrupção florescer.

Adriano Nuvunga vai mais longe e afirma que foi inventado para dar vida a um mandato govenamental e que não tem pressupostos de desenvolvimento bem pensados.

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