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Moçambique: Não bastam só as armas para combater insurgência

Nádia Issufo
22 de maio de 2020

"Muitas vezes a relação é mais um tipo de marketing, para fortalecer imagem dos grupos africanos. Basta dizer que fazem parte do EI que já chama mais atenção, já pode provocar mais medo entre o povo", diz pesquisadora.

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Mosambik Anschlag in Naunde
Naúnde, Cabo Delgado, depois de um ataque dos insurgentes em agosto de 2018Foto: DW/A. Chissale

Já não restam dúvidas para vários especialistas de que as origens da insurgência no norte de Moçambique são endógenas, embora ela esteja a desenvolver a sua vertente exógena. Mas a pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS) nos EUA, Emília Columbo, alerta para o risco de se dar demasiado enfoque a sua vertente externa, descurando do mais importante: os motivos do descontentamento interno. Entrevistamos a pesquisadora sobre a situação em Cabo Delgado, província nortenha de Moçambique:

DW África: Considera no seu artigo que o Governo moçambicano cometeu erros estratégicos em relação aos insurgentes em Cabo Delgado. Pode apontar algum?

Emília Columbo (EC): Parece-me que o maior erro estratégico que tem cometido é contar mais com as Forças de Defesa e Segurança (FDS) para combater a insurgência. Esta não é uma situação que se pode resolver apenas utilizando as FDS. Estudos académicos de insurgência, desde a Segunda Guerra Mundial, indicam que  governos com mais sucesso contra as insurgências utilizam estratégias que incluem, sim, operações militares, mas também programas para aliviar os motivos da insurgência, programas económicos e sociais.

 Emilia Columbo, Forscherin von CSIS
Emilía Columbo, investigadora do CSISFoto: Privat

DW África: Entende também no mesmo artigo que os insurgentes demonstraram maior sofisticação, planenamento e confiança, para além de uma mudança para atingir as estruturas governamentais e atrair o apoio civil. Esse é um sinal inequívoco de que os insurgentes estariam, efetivamente, a servir o EI?

EC: Eu não diria que estão a servir o EI, mas sim, há uma relação entre os dois. Os vídeos e fotografias que os insurgentes têm publicado desde março são a maior evidência desta nova relação entre o grupo de Moçambique e a rede internacional do EI.

DW África: Há quem entenda que as origens do descontentamento são endógenas, mas por necessidade de financiamento os insurgentes se tenham juntado ao EI, assumindo assim também um caráter exogeno. Acha que houve um "casamento" por conveniência"?

EC: Sim, mas não por motivos financeiros. Olhando para os grupos extremistas africanos armados que fazem parte desta rede internacional do EI, muitas vezes esta relação é mais como um tipo de marketing, uma maneira de fortalecer a imagem dos grupos africanos. Basta dizer que fazem parte do EI que já chama mais atenção, já pode provocar mais medo entre o povo. E eu acho que é uma situação parecida, por enquanto em Moçambique também.

Islamischer Staat Logo Flagge Fahne
Bandeira do Estado Islâmico içada pelos insurgentes em Cabo Delgado

DW África: Parece-lhe, então, que a origem deste conflito seja endógeno, baseado num descontentamento interno?

EC: Sim, absolutamente. E um perigo dessa relação com o EI é que estes motivos domésticos vão-se perder de vista, que se vai concentrar mais nesta relação com a rede internecional e focar-se no aspeto desta violência e vai-se perder os motivos, a razão pela qual a insurgência está, em primeiro lugar. É uma preocupação agora que temos outro aspeto para considerar.

DW África: Entende que o Governo tem sido incoerente na sua resposta. O Presidente Filipe Nyusi declarou os insurgentes como uma potencial ameaça à soberania nacional, enquanto o ministro da Defesa Jaime Neto afirmou que os serviços de segurança têm a situação sob controlo. Isso resulta de falta de coordenação ou de tentativas mal sucedidas de lidar com a situação?

EC: Esta é uma questão um pouco difícil de responder. Parece-me que é uma falta de coordenação, mas também é uma indicação de que, no Governo, ainda não estão todos de acordo sobre este problema. E parece-me que esse é o primeiro passo, definir qual é o problema e depois podem começar a desenvolver uma estratégia, mas enquanto vemos vários membros do Governo e das FDS a falarem de diferentes motivos desta insurgência, diferentes estatutos, se está tudo a correr bem ou se está a correr mal, é difícil entender como eles vão responder. E é uma forma do povo começar a perder a confiança no Governo. Acho muito importante o Governo desenvolver uma mensagem coerente e que todos tenham o apoio desta mensagem e depois publicá-la de uma forma a encorajar a fé do povo, que o Governo tem isto em mão.

Mosambik Binnenflüchtlinge
Deslocados internos, provenientes de Cabo Delgado, numa área de acolhimento em NampulaFoto: DW/S. Lutxeque

DW África: E como vê os esforços do Governo para combater a insurgência neste contexto da pandemia da Covid-19?

EC: É importante haver uma estratégia para a segurança, mas também das raízes sociais, económicas e políticas da insurgência. Vemos o Governo, ainda durante esta situação muito focado em questões militares, e enquanto estas operações ajudam a proteger os cidadãos de Cabo Delgado, ajuda a melhorar a segurança na província, muito bem. Mas, ao mesmo tempo, o Governo tem uma oportunidade para demonstrar e melhorar a sua presença na província oferecendo ao povo mais assistência médica, mais programas de educação, apoio económico e alimentar aos que estão a sofrer mais com estas paragens económicas. É uma grande oportunidade para começar a criar essa confiança que falta na estratégia. E essa seria uma boa oportunidade para começar.

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