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Quem facilita o acesso dos insurgentes aos meios do Estado?

Nádia Issufo
31 de março de 2020

Centro para a Democracia e Desenvolvimento exige resposta do Governo, mas especialista acredita na colaboração de desertores das Forças de Defesa e Segurança e na tese da exclusão de jovens que cumpriram serviço militar.

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Mosambik, Cabo Delgado: Soldat in Naunde
Foto: Borges Nhamire

Insurgentes em grande estilo nas viaturas da polícia moçambicana depois de ataques em que se saem vitoriosos são imagens a que os moçambicanos já começam a acostumar-se a ver já há alguns meses nas redes sociais. Mas não ao ponto do abuso contra o Estado se ter tornado banal, pelo menos para a sociedade civil.

O diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) para além de se insurgir contra a prática que se fossiliza, alerta para outras características ou sinais suspeitos evidenciados pelos insurgentes.

Adriano Nuvunga conta que "tem estado a aparecer imagens que sugerem que meios circulantes da polícia com calar confirmação do comandante geral foram utilizados ou vistos com insurgentes. E também com a indicação de que alguns uniformes que aparecem nas fotografias são muito idênticos àqueles utilizados pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS)".

E o diretor do CDD pede, por isso, uma atitude ao Governo: "É preciso garantir transparência, dizer o que se pode estar a passar. Outra coisa é a apatia com que aparentemente os insurgentes encontram as FDS".

Mosambik Adriano Nuvunga
Nuvunga: "Uniformes são idênticos àqueles utilizados pelas FDS"Foto: DW/L. Matias

Exclusão social é a justificação?

Mas o especialista em Estudos de Segurança do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CEEI), em Maputo, Calton Cadeado, remove a culpa ao Estado neste caso, apresentando outras justificações: "Não posso concordar que seja um apoio das FDS. As evidencias mostram que são alguns membros das FDS que se formaram nas instituições de formação militar do Estado, que serviram nas FDS, mas que depois desertaram".

"Além destes, há alegações de que também há alguns jovens que cumpriram o serviço militar obrigatório e depois foram desmobilizados. Os jovens não conseguiram uma reintegração social, sobretudo económica, condigna e por isso tornaram-se insatisfeitos. O descontentamento, infelizmente, está a ser manifestado de forma cruel", diz ainda o investigador.

A exclusão social é uma das prováveis causas da insurgência em Cabo Delgado, de acordo com um estudo do IESE apresentado em 2019. Contudo, nem todos partilham dessa premissa.

Elísio Macamo é um deles e justifica: "Acho que é uma explicação "four by four" usada por pessoas que tem preguiça de refletir seriamente sobre algo que não entendam. É verdade que no contexto e qualquer manifestação de revolta, de resistência em relação ao Estado vai ser sempre interpretada dessa maneira - como se as pessoas estivessem a reagir à exclusão. Mas penso que no caso de Cabo Delgado o que está a acontecer neste momento é provavelmente uma manifestação da vulnerabilidade em que as pessoas se encontram."

Relativamente à apatia sugerida por Nuvunga, Cadeado justifica que "as FDS estão psicologicamente debilitadas e com baixa moral. Além disso, as FDS estão a combater sem capacidades ofensivas e defensivas, portanto, não há segurança para as FDS colocarem as suas vidas em risco."

Schweiz Basel Elísio Macamo
Macamo: "É uma manifestação da vulnerabilidade em que as pessoas se encontram"Foto: DW/N. Issufo

O silêncio da SADC e UA

Mas dado o recrudescimento da insurgência não é apenas ao Estado moçambicano a quem a CDD pede firmeza na resposta. A ONG já acha que deve haver envolvimento de organizações regionais, como a SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), que a seu ver é uma plataforma muito importante que poderia ser acionada neste momento crítico.

Contudo, a seu ver a organização terá mergulhado numa letargia, suspeita Nuvunga:

"Temos estado a apelar para a intervenção da União Africana e da SADC que estranhamente continuam em silêncio sobre o que se passa, muito em particularmente a SADC, que sabe que se Moçambique tem uma instabilidade causada por jihadistas, toda a região não vai ter tranquilidade. Mas aparentemente a SADC não tem estado a ter interesse no assunto."

Mas o diretor do CDD tem ainda esperanças e lembra que "este ano, se o coronavírus permitir, haverá uma cimeira em setembro da organização, em Moçambique, e se espera que até lá possa ter havido um avanço no que diz respeito a ações pró-diálogo aberto e inclusivo sobre o que poderá estar a passar e utilização de mecanismos regionais".

Também neste caso Calton Cadeado exime a organização da culpa respondendo que "não é verdade que a SADC não se preocupa com Moçambique".  O investigador contra-argumenta, revelando que "houve reuniões ao nível do órgão para a Cooperação Política, Defesa e Segurança da SADC, e que o assunto de Cabo Delgado foi discutido. Pelo menos ao nível dos responsáveis pela segurança".

Entretanto, sobre os resultados e medidas dai saídas Cadeado nada sabe. Também nem ao público foram divulgadas as conclusões.

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