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Covid-19: Moçambique tenta obter "dinheiro fácil"?

22 de abril de 2020

700 milhões de dólares pedidos pelo Executivo moçambicano para enfrentar a pandemia são "altamente exagerados", afirma analista, que compara Governo a comerciantes que pedem 1.000 meticais para no final receberem 300.

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Foto: DW/R. da Silva

O Governo de Moçambique fez saber esta semana que precisa nada mais, nada menos que de 700 milhões de dólares para fazer face à pandemia da Covid-19. As autoridades de saúde argumentam que o valor vai, sobretudo, para a componente da prevenção e tratamento. Segundo os cálculos feitos, o dinheiro servirá para financiar a construção de hospitais e também cobrir o deficit no Orçamento Geral do Estado (OGE), que poderá resultar da baixa de captação de receitas.

Mas a elevada quantia que Maputo pretende obter dos doadores internacionais, na sua maioria, causou espanto aos cidadãos, suscitando desconfianças em relação às intenções do Governo. 

"Penso que são números altamente exagerados", comenta o jornalista e editor do semanário Savana, Francisco Carmona. "Acho que o Governo deve estar desesperadamente em busca de dinheiro fácil para esta previsível quebra de receitas resultante do afrouxamento da atividade económica. Os números do crescimento económico foram revistos, saíram dos anteriores 4% para 2,2%".

Este entendimento é um indicador claro de que os níveis de perceção da integridade do Governo já "bateram no chão", como se diz na gíria popular. Razões para isso há "aos pontapés" - as "dívidas ocultas" estão aí para não deixar dúvidas a ninguém.

E se os 20 milhões de pessoas não forem um número absurdo?

Mas não foram só os cifrões que causaram admiração e levantaram suspeitas - os números de pessoas que possam vir a ser infetadas pelo novo coronavírus também estão a ser motivo de debate.

Moçambique: Os muitos problemas da crise de Covid-19

O Governo estima que, dos cerca de 29 milhões de habitantes, 20 milhões estejam em risco. No entanto, o Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) criticou esta terça-feira (21.04) o Executivo por "traçar um cenário alarmista" com o mero intuito de "atrair apoio da comunidade internacional".

Os cálculos usados por especialistas de saúde indicam, no entanto, que entre 60% a 90% da população corre, sim, o risco de se infetar com uma determinada doença se não tiver sido imunizada, o que é o caso da Covid-19, pois ainda não há uma vacina. Com base neste princípio, não seriam absurdas as estimativas das autoridades: os 20 milhões estariam entre o intervalo dos 60% a 90% da população. 

Um país precisa de mais dinheiro que todo o continente?

Mesmo assim, na senda da falta de confiança em relação ao Governo, há outro facto que o coloca numa situação ainda mais melindrosa. A União Africana (UA) disse recentemente que necessita de 400 milhões de dólares para fazer frente à Covid-19 no continente. Então, a questão que se coloca é: como é que apenas um país precisaria de mais dinheiro do que o seu continente? 

Sobre os aparentes exageros das autoridades moçambicanas, o jornalista do Savana diz: "Parece-me [que o Governo] é aquele tipo de vendedor do Estrela [famoso mercado informal da capital moçambicana] que tem um produto à venda e pede pelo produto 1.000 meticais, mas se deres 500 meticais ele já fica satisfeito... agindo nesta linha e pedindo um número demasiado alto, mas se chegarem a 300 meticais já é muito bom".

Dinheiro só de binóculos...

Maputo faz saber, mais uma vez, das suas necessidades depois do Fundo Monetário Internacional (FMI) ter anunciado a 14 de abril o perdão do serviço da dívida a 25 países, entre eles Moçambique, no contexto do coronavírus e ainda perante o anúncio de um fundo especial para a Covid-19, que deverá ser acionado. Contudo, o país tem um historial pouco transparente com a instituição de Bretton Woods, facto que não o favorece em nada.

Washington The International Monetary Fund IMF | IWF Hauptquartier
FMI anunciou perdão do serviço da dívida a 25 paísesFoto: Reuters/Y. Gripas

"Temos os doadores que estão reticentes em voltar a apoiar diretamente o OGE por causa do escândalo das dívidas ocultas, que quebrou esta confiança", afirma o jornalista Francisco Carmona. "O exemplo disso é que, na semana passada, os doadores disseram que iam dar 48 milhões de dólares, mas não em dinheiro e sim mediante faturas, que eles próprios iriam comprar os materiais desejados. Isto é demonstrativo desta quebra de confiança e também que será muito difícil o Governo angariar os tais 700 milhões de dólares".

Um Governo extorsionário?

A ser realmente exagerada a quantia desejada, poderia este pedido ser visto como uma espécie de "extorsão" ou falta de integridade das autoridades moçambicanas? Em caso afirmativo, como ficaria a imagem do Executivo moçambicano na esfera internacional?

Francisco Carmona entende que a apresentação de listas de necessidades de Moçambique aos doadores para que estes paguem diretamente a fatura pode tornar-se uma prática. Uma vergonha e humilhação seriam, no final, o preço mais alto a pagar por Maputo.

Moçambique tem, até esta terça-feira (21.04), 39 infetados pelo coronavírus. Não se registaram novos casos nas últimas 24 horas. Oito doentes recuperaram-se até hoje e não houve nenhuma morte. Foram testadas até ao momento pouco mais de 1.000 pessoas.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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