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Moradores de Gao tentam retomar suas vidas após saída dos islamistas

Pessoa,Márcio23 de agosto de 2013

População da região do norte do Mali ainda vive em condições precárias, sem água, eletricidade e atendimento médico adequado. Todos depositam as esperanças no novo presidente maliano Ibrahim Boubacar Keïta.

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Nas cercanias do mercado de Gao, mulheres vestidas com roupas coloridas estão paradas, com o rosto voltado para uma grande porta de metal de um caminhão. Muitas levam consigo bebés chorando em suas costas. Uma organização de ajuda humanitária distribui leite em pó. Não há tranquilidade. Quem chega atrasado, precisa esperar mais uma semana para receber o alimento.

A fila é bastante longa. O transporte refrigerado vem de um país vizinho, o Níger. É carregado com blocos de gelo, que é normalmente usado para congelar peixe. Gelo se tornou "valioso como ouro para Gao", segundo Housseini Maiga. O quilo de gelo chegou a ser vendido a um preço exorbitante para a região, quase um euro. Não há água nem energia elétrica e a temperatura chega aos 45 graus.

Housseini Maiga diz que faltam itens para todas as necessidades. "E quando não há água nem eletricidade, a vida fica bem difícil. Acima de tudo com este calor todo. Todos os alimentos estragam-se imediatamente, se não são refrigerados."

Por quase um ano, conforme Maiga, os jihadistas espalharam o ódio, a morte e a violência em Gao, assim como os islamistas da Al Qaeda ou do Ansar Dine em Tombuctu e outras áreas. Eles açoitaram pessoas, cortaram suas mãos e pés em nome da Sharia ou simplesmente por vingança.

Vítima dos jihadistas

Quando Moctar Touré cumprimenta um conhecido ele acena com a mão esquerda e esconde a direita, onde carrega uma prótese de plástico. Ele escondia uma Kalaschinikow em casa para dar aos soldados malianos na luta contra os islamistas. A polícia islamista o colocou na prisão e o seu próprio primo ordenou que fosse castigado de forma ainda mais severa.

"Eles me arrastaram até a alfândega do aeroporto. Lá, eles me prenderam em uma cadeira e me vendaram. Aí eles pegaram a minha mão direita e cortaram com uma faca grande", descreve Touré. Ele perdeu o seu trabalho como motorista, sua honra como um bom muçulmano e ainda muito mais.

"Eu era casado com duas mulheres, o que faz parte do nosso costume. Quando os islamistas cortaram a minha mão, as minhas mulheres voltaram para a nossa aldeia com os nossos três filhos. Elas, de repente, passaram a ter medo de mim e não queriam mais ter nada a ver comigo. Elas me disseram que doía muito me ver daquele jeito. Desde então eu não tenho mais contato com elas", lamenta Touré.

Os islamistas queimaram todos os documentos e disseram para ele não ficar mais no Mali, do contrário iria viver imediatamente em um país independente, legislado sob a Sharia. No final de janeiro o norte do Mali foi libertado por forças especiais francesas e tropas africanas.

Devido aos fortes combates, vários prédios foram afetados em Gao. Muitos foram especialmente destruídos em bombardeios. Até hoje nada funciona muito bem na cidade. Os prédios do centro têm vários buracos de balas. Muitos foram cobertos por cartazes dos candidatos das eleições, que hoje estão com uma grossa camada de poeira.

A esperança no voto?

Os cartazes mostram os 27 candidatos às presidenciais, que apresentam as suas ofertas - uma atrás da outra. Nada menos do que "honra", "futuro", um "novo rosto para o Mali", ou concretamente "500 mil novos postos de trabalho".

Entretanto, as pessoas participaram das eleições - mesmo em Gao. O otimismo à volta agrada o diretor da Comissão Eleitoral Independente de Gao, Moktar Mariko. O fato de mais pessoas do que o esperado terem participado nas duas voltas das eleições nos dias 28 de julho e 11 de agosto o alegra porque assim o país poder avançar politicamente.

Por outro lado, Mariko não tem papas na língua. "São apenas palavras vazias dos políticos, mas as pessoas ficam elétricas com isto porque neste momento em Gao todos se agarram no que lhes dá alguma esperança".

Ele acredita que existem prioridades difíceis de serem contempladas na região. "Energia elétrica, água, acima de tudo. Isto é mais importante do que qualquer promessa de campanha".

Ele diz que o cidadão de Gao sofre para enfrentar a escassez de alimentos e a pobreza é um desafio difícil de ser transposto. O sofrimento, segundo Mariko, é enorme.

"Ninguém consegue garantir nem mesmo duas refeições no dia. Um saco de arroz se tornou impossível de pagar e as pessoas ficaram extremamente endividadas. Os voluntários da Comissão Eleitoral, por exemplo, receberam todos os dias uma pequena ajuda de custo e, assim que lhes foi pago, logo eles gastaram tudo".

Luta diária

Moctar Touré não tem título eleitoral. Não participou da eleição porque tinha outras preocupações. Ele passa dias sem comer e ele não acredita em qualquer compensação de políticos. A cidade de Gao não dá dinheiro para pessoas que foram amputadas como ele.

A sorte é que a Cruz Vermelha lhe deu uma prótese. "Eu espero que tenhamos um bom Presidente e eu vou rezar por ele. Você sabe que eu acredito firmemente em Deus. Ele vai me ajudar a continuar sobrevivendo", diz Touré.

Agora que o Mali tem um Presidente eleito democraticamente, os três mil milhões de euros de ajuda que deveria surgir como prometido em maio na conferência dos doadores em Bruxelas, podem ser liberados. O lema é: "o Mali pode e o Mali tem que ter uma história de sucesso".

Por isso, muito dinheiro deve ser injetado no país. Recentemente a União Europeia autorizou 90 milhões de euros para medidas de infra-estrutura e administração pública. Richard Zink é o diretor da delegação da União Europeia no Mali.

"Um total de três mil milhões de euros foram de fato prometidos em Bruxelas. É uma enorme soma que realmente no próximo ano e meio deve ser mobilizada. Os recursos darão ao novo Governo, do novo Presidente, melhores condições para administrar o país", disse.

"Trocando chapéus" - de islamista a separatista

Para o jornalista maliano Paul Mben, de Bamako, tudo isto soa como uma "pressão estratégica". Ele diz que várias questões permanecem pendentes. Como ficaria a situação no Norte, por exemplo? Por lá, o Estado não controla todas as áreas e se vive nos temores de um ataque terrorista. E acima de tudo, como ficará Kidal, o bastião da milícia tuaregue, do movimento de libertação MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad)?

Guerreiros armados intimidaram as pessoas, com bombas artesanais, milhares de capacetes azuis, tropas francesas e africanas tiveram que defender os locais de voto como uma prisão de segurança máxima.

Conforme o jornalista Paul Mben, a comunidade internacional cometeu um grande erro quando cortejou os rebeldes exatamente como os governos do Mali e o exterior fez. Após a retomada do norte pelas tropas francesas e africanas, segundo Mben, e a retirada de todos os grupos islamistas como Al Qaeda, Mujao e outros, "os radicais islamistas simplesmente adotaram a causa separatista de Azawad como estratégia de camuflagem", disse.

"Os islamistas pretendem agora que são apenas nobres tuaregues. Na prática, nada mudou. Estas pessoas querem assumir novamente o controle do Norte. Trata-se de um tráfico de drogas lucrativo", afirma Paul Mben. "Eles vendem drogas para traficantes no Níger e compram armas destes traficantes. É isto que está em jogo já há muito tempo."

O jornalista Paul Mben se irrita com o fato de o novo Presidente do Mali ficar muito dependente da ex-colônia França como antigamente.

E acima de tudo, o comportamento dos militares golpistas do país é uma questão que lhe intriga. Eles foram os responsáveis pelo agravamento da crise em março de 2012, que implementou mais tarde o governo de transição.

As esperanças em Gao de uma vida melhor

As pessoas em Gao têm a esperança de que a situação vá melhorar rapidamente. No geral, esperam pequenos e grandes milagres do novo Presidente, mesmo sabendo que estes milagres não vão acontecer.

Ao menos, elas querem abastecimento de energia elétrica, água e saúde pública. Uma vida decente. Elas não querem mais ficar na fila para ajuda humanitária, por arroz, leite em pó ou blocos de gelo do vizinho Níger para substituir uma geladeira.

A guitarra como família

Abdou Cissé também quer ter a chance de um novo começo. Ele não é somente o mais querido professor de Gao, mas também tem uma velha guitarra Ibañez vermelha. Quando os jihadistas chegaram, ele teve medo, uma vez que o álcool e os cigarros foram proibidos.

Abdou acaricia as cordas da guitarra enquanto fala com a reportagem da DW África. "Eu tive que resgatar o meu instrumento. Eu queria necessariamente ficar em Gao e continuar ensinando. Nós, como professores, não queríamos deixar os estudantes vulneráveis. Se fugíssemos, as crianças seriam recrutadas para trabalhar com soldados."

Eu era necessário aqui e por isso tive que enviar a minha guitarra para outro lugar. Se os islamistas a pegassem, eles a destruiriam e, sendo um músico, eu teria um grande problema. Amigos embalaram bem a guitarra e levaram-na para Bamaco em um ônibus. Depois da retirada dos islamistas fui buscar o instrumento de volta. Minha guitarra é como a minha família.

Cissé voltou a tocar a sua guitarra e cantar com os alunos. As letras são geralmente sérias. Cissé alerta as crianças sobre granadas e explosivos que continuam na área desde a guerra e acabam mutilando os moradores.

O professor acredita que, em algum momento, Gao viverá em paz. "Nós precisamos urgentemente de instrumentos. Assim, conseguiríamos fazer concertos e fazer um mínimo de coisas boas para as pessoas. Nós podemos recuperar os seus corações. Elas precisam esquecer a dor e o medo. As pessoas estão fortemente traumatizadas. Eu estou bem convencido de que a música pode ajudá-las", explica Cissé.