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Morreu o antigo ditador do Chade Hissène Habré

Lusa
24 de agosto de 2021

O antigo ditador do Chade Hissène Habré, primeiro ex-chefe de Estado africano condenado por crimes contra a humanidade e acusado de matar milhares de pessoas, morreu hoje, aos 79 anos, após ter contraído Covid-19.

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Tschad Diktator Hissene Habre
Foto: epa/dpa/picture alliance

O ex-chefe de Estado do Chade foi condenado por um tribunal africano após ter passado décadas num exílio luxuoso no Senegal - onde se encontrava agora -, num caso que ilustrou, durante anos, a relutância da África em julgar os seus déspotas.

Num comunicado divulgado poucas horas antes de ser conhecido a morte de Hissène Habré, num hospital em Dacar, no Senegal, a sua mulher tinha confirmado que o antigo Presidente tinha contraído Covid-19, mas que se encontrava "consciente" e a ser observador por médicos.

"Após tomar conhecimento esta manhã do repentino falecimento do ex-presidente Hissène Habré, envio os meus mais sinceros pêsames à sua família e ao povo chadiano. A Deus pertencemos e a ele regressamos", declarou, na sua conta na rede social Facebook, o Presidente do Chade, Mahamat Idriss Deby Itno. 

Hissène Habré foi condenado em 2016 a prisão perpétua, na sequência do julgamento por acusações ligadas ao tempo em que esteve no poder no Chade, de 1982 a 1990, mas cumpriu apenas cerca de cinco anos de prisão.

Responsável por 40.000 assassinatos

Os ativistas dos direitos humanos dizem que o Chade era um Estado impiedoso, de partido único, sob o domínio do Presidente e com um temível serviço de segurança, liderado por membros do grupo étnico de Habré, os Gonare, que foram colocados em cada aldeia, documentando até as mais ligeiras transgressões contra o regime.

A lista de ofensas merecedoras de prisão incluía falar mal de Hissène Habré, ouvir estações de rádio "inimigas" ou "realizar rituais de magia para ajudar o inimigo, de acordo com uma comissão da verdade, nomeada pouco depois de o antigo chefe de Estado do Chade ter caído do poder.

Chade: Reconciliação num país dividido

A comissão concluiu que o governo de Hissène Habré foi responsável por 40.000 assassinatos. "Hissène Habré ficará na história como um dos ditadores mais impiedosos do mundo, um homem que massacrou o seu próprio povo, queimou aldeias inteiras, enviou mulheres para servirem como escravas sexuais para as suas tropas e construiu masmorras clandestinas, para infligir tortura medieval aos seus inimigos", escreve Reed Brody, um advogado da Human Rights Watch (HRW), que trabalhou durante anos para trazer Habré à justiça, na rede social Twitter.

No início deste ano, o advogado da HRW tinha escrito que, cinco anos após a condenação de Habré, "os sobreviventes da tortura e as famílias dos mortos não viram um cêntimo" de indemnizações. "A União Africana não conseguiu sequer estabelecer o fundo fiduciário mandado criar pelo tribunal para incluir os bens de Habre e solicitar contribuições", escreveu Brody. 

"O governo chadiano, ordenado pelo seu próprio tribunal para erguer memoriais e compensar as vítimas, também lhes virou as costas. E o próprio Habré nunca contabilizou as dezenas de milhões de dólares que, alegadamente, saqueou do tesouro chadiano", comentou.

Métodos atrozes de tortura

Para Younous Mahadjir, que foi detido durante quatro meses no final do regime de Habré, por distribuir panfletos anti-regime, a impressão esmagadora daquele período foi o medo. "A qualquer momento eles podiam prendê-lo", disse Mahadjir, que enquanto esteve detido lhe deitaram água pela garganta abaixo até perder a consciência.

Os detidos eram sujeitos a uma vasta gama de técnicas de tortura. Alguns eram queimados, outros eram pulverizados com gás venenoso e eram obrigados a pôr a boca à volta dos tubos de escape de veículos em circulação, causando queimaduras graves quando o motor acelerava.

Tschad Präsident Idriss Deby
Governo de Hissène Habré foi responsável por 40.000 assassinatosFoto: AFP/Getty Images

Habré era filho de um agricultor e nasceu na cidade de Faya-Largeau, no norte do Chade, em 1942, quando o país ainda estava sob o domínio colonial francês, e trabalhou como civil para os militares franceses, antes de ser selecionado para estudar em França, onde terminou a licenciatura em Direito.

Em 1971, regressou ao seu país para trabalhar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Chade, mas rapidamente se envolveu numa rebelião camponesa de muçulmanos do norte contra o governo cristão, dominado em grande parte pelo sul.

"Um homem sem escrúpulos"

A sua ascensão não foi impulsionada pela ideologia. O relatório final da comissão da verdade criticou duramente o oportunismo de Habré, descrevendo-o como "um homem sem escrúpulos", motivado apenas pelo poder. 

"Assim, ele juntar-se-ia à rebelião armada, com o objetivo de chegar ao governo. Para conquistar a simpatia do público, retratou-se várias vezes como um maoísta convicto e um muçulmano fervoroso", referia o relatório.

Numa passagem posterior, o documento dizia que, apesar da educação de Habré, o seu "comportamento e pensamento não são muito diferentes dos de um ladrão de camelos".

Habré tornou-se primeiro-ministro sob a égide do então Presidente Felix Malloum, em 1978, mas Malloum caiu do poder no ano seguinte. Em 1982, Habré depôs o presidente Goukouni Oueddei, iniciando os seus oito anos como chefe de Estado, durante os quais recebeu apoios dos EUA e da França, segundo a HRW.