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Vogal distrital denuncia fraude eleitoral em Moçambique

Nuno de Noronha | Amós Fernando (Tete) | Marcelino Mueia (Quelimane) | Sitoi Lutxeque (Nampula) | Lusa
14 de outubro de 2018

Um vogal da Comissão Distrital Eleitoral (CDE) de Matola, o segundo maior município de Moçambique, diz que o processo eleitoral foi fraudulento. Há relatos de motins no país. RENAMO ameaça abandonar processo de paz.

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Manifestação em Montepuez, Cabo DelgadoFoto: DW/D. Anacleto

Em declarações à estação de televisão privada STV, Romão Rêgo, vogal da CDE na cidade da Matola, garantiu este domingo (14.10) que o "processo eleitoral foi fraudulento". "Enquanto vogal da CDE desconheço os resultados que foram divulgados pelo presidente da CDE da cidade da Matola. Nenhum daqueles números constava no documento que foi impresso". "São documentos falaciosos, são documentos que foram inventados", frisa Romão Rego. "Não compactuo com o comportamento dos meus colegas", acrescentou.

Segundo os resultados divulgados no sábado (13.10) de manhã pelo presidente da CDE da cidade da Matola, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) venceu o sufrágio com 48,05% dos votos, contra os 47,28% da Resistência Nacional Moçambicana  (RENAMO). "É prematuro dizer os resultados verdadeiros, porque o processo todo, desde o início de apuramento de votação, foi fraudulento". "Mas penso que toda a população sabe em que posição a RENAMO ficou. Não deve constituir dúvida que a RENAMO, felizmente para uns e infelizmente para outros, ganhou estas eleições". "É para o partido da RENAMO que a vitória é", frisa Romão Rêgo.

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Polícia patrulha Quelimane no dia da votaçãoFoto: DW/Marcelino Mueia

Também a segunda vice-presidente da CDE da Matola, Torina Francisco, se distanciou dos resultados eleitorais oficiais em entrevista à mesma televisão moçambicana. A RENAMO já tinha anunciado vitória na cidade da Matola na sexta-feira (12.10), mas a divulgação dos resultados oficiais no sábado provocou um revés que gerou desconfiança na população do segundo maior município do país.

Tumultos na Zambézia

A divulgação a conta-gotas da votação das autárquicas de quarta-feira (10.10) está a deixar os moçambicanos sem paciência. Há relatos de motins, manifestações e ameaças em várias zonas do país. Na Zambézia, uma fonte indicou à DW que os distritos de Alto Molocué e Gurué "pareciam campos de guerra" no sábado, com vários populares revoltados contra os resultados eleitorais.

Na província de Tete, os técnicos do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), incluindo o diretor daquele órgão, Júlio Jossias Baulene, acompanhados por membros da FRELIMO e sob proteção de membros da Polícia da República de Moçambique (PRM), fortemente armados, arrombaram no sábado à noite o armazém onde estão guardados os kits de votação do dia 10 de outubro na vila de Moatize. A intervenção foi feita, alegadamente, para proceder a uma recontagem dos votos na ausência dos partidos da oposição. A DW sabe que a discórdia na região subiu de tom por causa de cinco votos, três reclamados pelo RENAMO e dois pela FRELIMO, o que obrigou ao adiamento da cerimónia de divulgação dos resultados que estava inicialmente marcada para as 16h00 locais de sábado.

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Blásio Pedro, presidente da Comissão Distrital de Eleições de MoatizeFoto: DW/A. Zacarias

O processo de recontagem de votos em Moatize decorreu durante a madrugada deste domingo. No final, foi produzido um edital que foi distribuído à imprensa por volta das 05h00. O documento atribui vitória à FRELIMO, com 9.839 votos, correspondentes a 44,28% da votação, contra 9.742 votos (43,84%) da RENAMO. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) obteve 565 votos, ou seja, 2,54%. No entanto, a contagem paralela feita pela imprensa e pelos observadores da sociedade civil apontavam para uma vantagem do maior partido da oposição em Moçambique com 11.171 votos, contra os 9.789 da FRELIMO e 799 votos do MDM. No edital produzido esta madrugada, a RENAMO perde 2.029 votos e o MDM fica com menos 234. A FRELIMO ganha mais 50 votos. O edital foi apenas assinado pelos elementos oriundos do partido no poder.

Ao início da tarde deste domingo, Blásio Pedro, presidente da Comissão Distrital de Eleições de Moatize, confirmou em conferência de imprensa os resultados oficiais avançados de madrugada. Questionado sobre os atrasos na divulgação dos mesmos, Blásio Pedro disse que o "processamento dos votos em Moatize foi marcado por muitas paragens porque as partes envolvidas não concordavam com os resultados".

Fabião Sozinho, porta-voz da RENAMO em Moatize, mostrou-se surpreendido, tendo dito que a sua formação política não reconhece os resultados divulgados. "Não nos resta mais nada do que esperar que nos notifiquem e depois vamos proceder como manda a lei, que é submeter o processo ao tribunal", afirmou o porta-voz à DW. Fabião Sozinho tranquiliza os munícipes: "seremos governo do conselho municipal nos próximos cinco anos", garante o dirigente.

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Fabião Sozinho, porta-voz da RENAMO em MoatizeFoto: DW/A. Zacarias

Desaparecimento de urnas

Os observadores eleitorais criticam o STAE e a Comissão Distrital de Eleições de Quelimane pelo desaparecimento de pelo menos cinco urnas com votos, quando havia agentes da PRM espalhados por todos os postos de votação. Zacarias Inácio, presidente da Comissão Distrital de Eleições de Quelimane acredita que houve falhas por parte das autoridades policiais por terem deixado que as urnas fossem roubadas nos postos de votação de Manhaua, Torrone, Icidhua e Janeiro. Segundo Zacarias Inácio, as caixas com os votos desapareceram quando a polícia efetuou vários disparos, alegadamente para conter os ânimos.

O delegado do MDM na autarquia de Quelimane, Listano Evaristo, diz que a derrota do seu partido nas eleições "é uma grande lição". Por sua vez, o cabeça de lista do partido, Rogério Warro Warro, mostrou-se satisfeito com o facto da autarquia ter sido novamente conquistada pela oposição e não pelo partido no poder. "Para falar a verdade eu estou feliz, porque o município será governado pela RENAMO. Estaria infeliz se a FRELIMO tivesse vencido", admitiu.

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O processo de contagem de votos tem estado debaixo de fortes críticas por parte da oposição moçambicanaFoto: DW/S. Lutxeque

Ameaças contra jornalistas

Jornalistas da Rádio Watana, uma estação emissora pertencente à igreja católica na cidade de Nacala-Porto, na província de Nampula, dizem estar a receber ameaças de pessoas desconhecidas, por alegadamente terem contribuído para a derrota da FRELIMO nas eleições autárquicas. Um jornalista daquela rádio, que pede anonimato, relata que desde o dia 12, depois do anúncio dos primeiros resultados, tem recebido "chamadas telefónicas com números privados a dizer que os jornalistas da Rádio Watana foram os culpados pela derrota da FRELIMO". "Dizem-nos que temos que ter cuidado", conta.

Ameaças semelhantes foram dirigidas a profissionais da Rádio Encontro, uma outra estação emissora da igreja católica na cidade de Nampula. No Twitter, está a circular um comunicado emitido pela Comunicação Social da África Austral em Moçambique (MISA).

RENAMO ameaça abandonar processo de paz

Ossufo Momade, coordenador interino do maior partido da oposição, a RENAMO, critica o silêncio do Presidente Filipe Nyusi em relação ao sufrágio de quarta-feira e acusa a FRELIMO de estar "a empurrar" o país para um novo ciclo de violência.

Em resposta, a FRELIMO apelou no sábado ao principal partido da oposição para que pare com "chantagens". "O processe de paz tem de andar e as chantagens políticas têm que parar", disse Caifadine Manasse, porta-voz do partido no poder, numa conferência de imprensa, em Maputo. Para a FRELIMO, o líder interino da RENAMO "está a perder uma oportunidade de se afirmar como dirigente político", fazendo com que "os moçambicanos pensem que não há progressão no pensamento da liderança da RENAMO". O porta-voz da FRELIMO atribui as ameaças à luta interna pela liderança do principal partido da oposição. "A demonstração de forças para a liderança da RENAMO" não pode ser feita envolvendo "os moçambicanos", referiu.

No sábado, Ossufo Momade emitiu um comunicado, assinado a partir da Gorongosa, em que ameaçava romper com as negociações de paz. "Perante este ambiente de violação do príncipio de livre escolha dos representantes do povo (Sufrágio Universal) e do Estado de Direito Democrático fica claro que a FRELIMO quer empurrar a RENAMO para um novo ciclo de conflito, o que não é o nosso propósito porque estamos comprometidos com a paz e o bem-estar do nosso povo". "Preocupa-nos bastante a demora da divulgação de resultados de apuramento intermédio nos municípios onde o partido RENAMO obteve a maioria, tal é o caso de Cuamba, Matola, Alto Molocue e Moatize", disse.

Contagem de votos ainda em curso

A contagem de votos continua em várias autarquias de Moçambique. Até agora, o STAE anunciou vitória da FRELIMO em 34 autarquias, da RENAMO em seis e do MDM num município (Beira). Aguarda-se que na segunda-feira (15.10) sejam publicados mais dados oficiais do sufrágio.

A missão eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) considerou em Maputo que as eleições autárquicas respeitaram "as práticas internacionais de referência", apesar de "incidentes pontuais e localizados". Também a plataforma de observação eleitoral "Sala da Paz" defendeu que o pleito foi "transparente". "Damos nota positiva à transparência do processo, porque os órgãos eleitorais começaram a dar resultados parciais e intermédios logo após o encerramento das urnas", comentou o diretor-executivo do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), Hermenegildo Munjovo, um dia depois da votação.

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