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Moçambique: Redução das dívidas ocultas no fio da navalha

26 de janeiro de 2023

Moçambique quer ver a Privinvest, acusada de subornar funcionários de Estado, julgada por um tribunal comum, e não um tribunal arbitral, onde as empresas costumam ganhar a causa, diz analista Baltazar Fael à DW África.

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Justitia-Statue mit Waage
Foto: Arne Dedert/dpa/picture alliance

No ano passado, um Tribunal de Recurso londrino decidira que, ao contrário das garantias soberanas dadas para contrair os empréstimos aos bancos Credit Suisse e VTB, que são reguladas pela lei britânica, os contratos com empresas do grupo naval Privinvest estão sujeitos a arbitragem na Suíça. O Estado moçambicano recorreu da sentença.

Caso o Tribunal Supremo a confirme, os procedimentos judiciais no Reino Unido contra a Privinvest, que é acusada de corrupção de funcionários públicos e políticos moçambicanos, podem ser suspensos.

Baltazar Fael, jurista e investigador do CIP
Baltazar Fael, jurista e investigador do CIP Foto: DW/A. Cascais

Em entrevista à DW, o jurista e investigador do Centro de Integridade Pública (CIP) Baltazar Fael explica que a história tem mostrado que os casos em tribunal arbitral são maioritariamente ganhos pelas empresas. A tendência deixa "receoso" o Estado moçambicano, ansioso por reduzir os danos causados pelo escândalo das dívidas ocultas.

DW África: O que está em causa nesta análise do Tribunal Supremo do Reino Unido e o que se pode esperar?

Baltazar Fael (BF): O que está em causa é claramente o foro que é competente para julgar a causa. Depois temos a questão do próprio contrato. É preciso saber claramente o que é que o contrato diz em caso de litígio entre as partes, onde é que o caso vai ser resolvido. Muitas vezes, nestas situações internacionais, as partes preferem que os casos sejam resolvidos num tribunal arbitral, devido à rapidez, devido ao facto de os árbitros serem pessoas que conhecem muito bem o assunto, que conhecem muito bem a área e também muitas vezes porque esta rapidez favorece as empresas em detrimento da morosidade que acontece nos tribunais tradicionais ou nos tribunais comuns.

DW África: Se o Tribunal decidir que o caso deve ser resolvido por arbitragem na Suíça, considera que será benéfico para Moçambique?

Processo das dívidas ocultas
O caso das dívidas ocultas continua a marcar o passo da atualidade em MoçambiqueFoto: Romeu da Silva/DW

BF: Um tribunal arbitral tem regras próprias e, muitas vezes, as empresas têm preferido a resolução a um mesmo tribunal arbitral. É claro que o Estado moçambicano sempre mostrou alguma aversão a que este caso fosse resolvido num tribunal arbitral. Enquanto as empresas, que sabem que muitas vezes ganham este tipo de casos nos tribunais arbitrais, fazem um esforço nesse sentido. O Estado moçambicano neste momento está receoso que o caso vá a tribunal arbitral e prefere que o mesmo seja resolvido num tribunal britânico. Porque aquilo que é o histórico que acontece a nível internacional é que as empresas muitas vezes ganham aos Estados nesses tribunais arbitrais.

DW África: E no caso da arbitragem na Suíça, o que pode acontecer é que os procedimentos judiciais no Reino Unido contra a Privinvest podem ser suspensos...

BF: Por isso é que ela está a fazer todo o esforço para que o caso seja julgado num tribunal que lhe possa dar algum conforto no sentido de ganhar esta causa. Não se está a dizer que, se o caso for levado a um tribunal arbitral, necessariamente a Privinvest vá ganhar. Não é isso. Mas a tradição tem mostrado essa tendência.

DW África: De qualquer forma a decisão do Tribunal Supremo vai depender do julgamento no Tribunal Comercial de Londres que deverá acontecer apenas em outubro.

Ex-ministro das Finanças Manuel Chang
O ex-ministro moçambicano das Finanças Manuel Chang não vai ser extraditado para os EUA Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet

BF: Exatamente. E, como se costuma dizer, o tempo da Justiça a nós não nos pertence. E esta questão, também, está ligada à preferência das empresas pelos tribunais arbitrais, que são muito mais rápidos a tratar de questões do que os tribunais comuns ou tribunais do Estado. Mesmo no Tribunal de Londres o processo já decorre há algum tempo e não temos informações regulares sobre o estágio em que ele se encontra. Então não temos outra saída. Tanto o Governo moçambicano como a Privinvest vão ter de esperar até o Tribunal de Londres decidir qual é a jurisdição que vai julgar o caso. Porque sem que isso seja decidido, o caso não vai avançar, e vai continuar nesta letargia em que se encontra.

DW África: Moçambique tenta cancelar parte dos mais de 2.700 milhões de dólares de dívida contraída junto de bancos internacionais. Acredita que será possível?

BF: O Estado, claramente quer reaver estes valores e, de alguma forma, mitigar os danos causados pelas dívidas ocultas. O que eu acho é que se de facto se provar que os agentes do Estado, neste caso os funcionários de SISE [Serviços de Informações e Segurança do Estado] e outros, estavam envolvidos, e eles, pela lei moçambicana, agem em nome do próprio Estado, o Estado vai ter poucas possibilidades desta dívida vir a ser anulada, mesmo que seja em parte. Agora, se se provar que há elementos que induzem a desculpabilização destes agentes do Estado, que estão envolvidos, entre aspas, até ao pescoço, nesta trama, eu penso que se calhar o Estado pode reaver parte destes fundos ou, quem sabe, conseguir mesmo que sejam anuladas as dívidas.

Ao nível interno o Conselho Constitucional de Moçambique já se pronunciou de alguma forma favorável ao não pagamento destas dívidas. Mas esta decisão não vincula as instituições internacionais. A eventual anulação destas dívidas ou a recuperação desses valores joga-se decisivamente no Tribunal de Londres. Penso que temos que esperar pela Justiça. E as decisões que saem de lá dependem muito também da apreciação que os juízes fazem dos factos. No caso de Manuel Chang [ex-ministro das Finanças moçambicano detido na África do Sul] foi um tribunal comum que decidiu sobre a extradição para os EUA e vimos claramente aquilo que aconteceu.