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Moçambique "sem tempo" para reformar os órgãos eleitorais

2 de fevereiro de 2024

CNE e o STAE em Moçambique têm sido alvo de muitas críticas. Até o Presidente Filipe Nyusi admitiu "algumas falhas" nas últimas eleições. Mas há pouco tempo para reformas até à próxima votação, em 9 de outubro.

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STAE e CNE em Moçambique
Foto: A. Fernando/DW

Na abertura do ano judicial em Moçambique, na quinta-feira (01.02), a Ordem dos Advogados disse que o país precisa de órgãos eleitorais independentes e que estas instituições têm sido "foco de instabilidade".

A nove meses das eleições gerais em Moçambique, ainda será possível uma reforma nos órgãos eleitorais?

A Sala da Paz acredita que já não há tempo para mudanças, até porque os próprios partidos políticos estão demasiado "acomodados". Mas em entrevista à DW, Dércio Alfazema, membro da associação que tem observado as eleições, defende uma reforma profunda nas instituições.

Politólogo moçambicano Dércio Alfazema
Dércio Alfazema: "Temos órgãos eleitorais altamente partidarizados"Foto: Arcénio Sebastião/DW

DW África: Como devolver a credibilidade aos órgãos eleitorais?

Dércio Alfazema (DA): De facto, todos esperamos e desejamos que os nossos órgãos de gestão eleitoral sejam independentes, mas se olharmos para a sua atual composição – o modelo que foi adotado por conta da desconfiança existente entre os atores políticos – nós temos órgãos eleitorais altamente partidarizados. Os partidos representados no Parlamento estão na Comissão Nacional de Eleições (CNE), estão nas comissões provinciais e distritais. Além disso, na época eleitoral, esses partidos também estão representados no Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE). Mas nem isso tem sido suficiente para eliminar a desconfiança e assegurar a integridade do processo eleitoral. Mesmo com os partidos políticos lá representados, continuamos a ter eleições bastante questionadas e problemáticas. Isso demonstra que é preciso fazer algo mais.

DW África: Ainda se vai a tempo de fazer estas mudanças tão desejadas, uma vez que as eleições são já este ano, em outubro?

DA: Não vamos a tempo de fazer essa reestruturação. Essa matéria nem sequer está na agenda dos partidos políticos, porque os partidos estão no Parlamento e estão devidamente acomodados nos órgãos de gestão eleitoral. Portanto, neste momento, não me parece haver interesse dos partidos que estão lá representados em propor alguma reforma para que [os seus representantes] sejam retirados [dos órgãos de gestão eleitoral]. E não se trata apenas de retirar essas pessoas – a questão também é como se pode devolver a credibilidade do órgão, para que eles atuem de forma isenta. E para que possamos ter eleições menos questionadas do que as que temos tido até hoje.

DW África: Portanto, não bastará mudar as pessoas que trabalham nestes órgãos? É preciso fazer uma mudança mais profunda, talvez dando mais independência a quem trabalha nestes órgãos?

DA: Sim, até porque, por lei, eles têm independência, mas trata-se de algo fictício. Nós sabemos que os membros dos órgãos de gestão eleitoral são inamovíveis – a partir da altura em que eles são indicados e passam a representar os órgãos, eles tornam-se inamovíveis e ficam devidamente blindados pela lei. Ainda assim, eles atuam muitas vezes de forma condicionada, porque depois pretendem renovar os seus mandatos.

Tete: "O STAE é veneno para o povo"

A sociedade civil está representada nesses órgãos, mas mesmo o modelo de representação da sociedade civil é via cooptação. No fundo, não temos lá sociedade civil representada – o que temos são membros de partidos políticos, alguns que estão em nome da sociedade civil e outros que vêm diretamente dos partidos. Nós não vamos a tempo de mudar isso para as próximas eleições, mas também seria apressado porque é preciso devolver a confiança para os partidos, de modo a que tenhamos um modelo que garanta que as pessoas que estiverem lá vão trabalhar para reforçar e garantir a integridade eleitoral.

Então, não é uma questão de lei, não é uma questão de representação. É uma questão mesmo de [encontrar um] modelo que dê a todos os que estiverem lá uma forte independência em relação aos partidos políticos. Também é uma questão de conduta das pessoas em relação aos processos políticos eleitorais.

DW África: Outra coisa que tem acontecido é que, por exemplo, quando há reclamações dos partidos da oposição, depois das eleições, os tribunais, na maior parte das vezes, reprovam-nas e o partido no poder sai favorecido. Como é que se muda este cenário em Moçambique?

DA: Essa é a questão que temos sempre falado, que tem a ver com a independência das instituições. Nós precisamos fortalecer a capacidade das nossas instituições, mas como é que nós fazemos isso?Todos os partidos têm interesse em ter força e controlar as instituições. A questão é como é que as pessoas chegam a determinados cargos, como são indicadas, mesmo ao nível do poder judicial, ao nível da Procuradoria. Há a necessidade de uma reforma profunda, que não se limita à lei eleitoral. Talvez seja preciso mexer até na própria Constituição.

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