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RDC: Mulheres lutam contra o estigma da violação

Jonas Gerding | nm
27 de fevereiro de 2018

Casos de violação são tratados como tabu na RDC. As vítimas são deixadas à margem da sociedade. Organização local de ajuda humanitária tenta reverter essa situação.

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Kongo Nord-Kivu Aidprofen
Foto: DW/J. Gerding

Cerca de 20 mulheres sentam-se apertadas numa modesta sala no vilarejo de Munigi, no leste da República Democrática do Congo, perto do vulcão Nyiragongo. Além de mesas e cadeiras, encontram-se aqui apenas duas máquinas de costura, destinadas à formação profissional. Camiões passam junto à porta aberta. Algumas mulheres trouxeram as suas crianças pequenas consigo.

As mulheres contam os seus problemas a dois funcionários da organização de ajuda humanitária Aidprofen. Muitas histórias são semelhantes: as mulheres foram violadas, engravidaram, foram rejeitadas pelas suas famílias e marginalizadas socialmente.

Yvette, que não deseja revelar seu nome verdadeiro, é uma mãe de 20 anos, que usa uma toalha colorida como saia, na ponta da qual o seu filho de quatro anos se segura. "O pai dele morreu", diz ela, em poucas palavras. Passy Mubalama, fundadora da Aidprofen, vestida de calças de ganga e uma blusa preta, está sentada numa cadeira de madeira e ouve. Sabe que a história não é verdadeira.

Coloca a mão no joelho de Yvette e brinca com ela, tentando criar proximidade para que a jovem consiga falar sobre algo que é comum aqui, mas ainda um tabu: a violação. "Diga a verdade!", pede Passy Mubalama.

Conhecer os direitos para defender-se

Kongo Nord-Kivu Aidprofen
Passy Mubalama queria fazer mais do que contar as histórias das mulheresFoto: DW/J. Gerding

Mubalama, de 34 anos, sabe fazer as perguntas certas. Era jornalista e trabalhava a reconstruir as histórias de mulheres violadas que viviam em campos de refugiados. A partir desse contato, que muito a impressionou, começou a perguntar-se como poderia ajudar essas mulheres. Em 2014, Passy Mubalama dá início a Aidprofen. "Um programa que informa as mulheres sobre os seus direitos”, diz. "Quem conhece seus direitos, pode defender-se melhor".

Em quase nenhum outro país o risco de violação é tão alto como na República Democrática do Congo. De acordo com um estudo, publicado em 2011 no American Journal of Public Health, publicação destinada a pesquisas na área de saúde: mais de mil mulheres são violentadas por dia no Congo.

Muitas mulheres afetadas estão a passar por um ciclo vicioso de pobreza, doença e prostituição. A Aidprofen-lhes oferece assistência e cuidados psicológicos. Além disso, a organização também prepara estudos sobre, por exemplo, a exploração ilegal de menores em bordéis. Acima de tudo, os cerca de 30 funcionários da Aidprofen, alocados em centros de mulheres como em Munigi, encarregam-se de cuidar das vítimas de violência sexual.

Violada e expulsa

Gradualmente, Yvette abre-se com Passy Mubalama e conta como ela e duas amigas, depois de irem colher feijão, se depararam com dois homens de uniforme. Os dois seguraram Yvette, violaram-na e deixaram-na inconsciente. As amigas conseguiram escapar. Mais tarde, regressaram e levaram Yvette para casa. "Estou só com dor de cabeça", foi o que disse à sua mãe, que logo percebeu que havia algo errado. "Eu estava com vergonha de contar o que aconteceu. Pensei que minha mãe poderia matar-me", lembra Yvette.

Mulheres lutam contra o estigma da violação no Congo

A mãe não acreditou na desculpa da filha. Pelas amigas, soube que Yvette tinha sido violada. "Ela ficou muito, muito chateada", conta Yvette. A filha poderia ter SIDA ou estar grávida. Isso seria uma vergonha para a família e significaria também uma despesa. Através do casamento, a família não recebe apenas vacas e cabras como dote. O marido passa também a ser responsável pelo sustento da mulher e dos futuros filhos.

A mãe de Yvette expulsou-a de casa e disse: "Vai ter com ele, se souber onde a família mora, e diz-lhe que vais ter uma criança dele".

Yvette morou com amigos e conhecidos até que a hospitalidade se esgotava ou sua mãe falava com eles sobre a violação. Não teve escolha senão dormir no chão da cozinha adjacente à casa da mãe. Quando chovia, ficava ensopada. Para ganhar dinheiro, limpou, cozinhou e vendeu o seu corpo. Cobrava 5 mil francos, conta Yvette, pouco mais de três dólares.

De vítima à mediadora

No bairro de Yvette, corriam boatos de que uma certa "Mama Acheni" ajudava as mulheres rejeitadas através da Aidprofen. Yvette procurou-a. Acheni Fitina, de 37 anos, que mora numa pequena cabana da área, aparenta ser mais velha do que realmente é. Já deu à luz a nove filhos - o sexto foi fruto de uma violação. "O meu marido odiava-me por isso", diz Acheni. "A criança foi discriminada em relação aos outros filhos".

Depois de ouvir a sua história, Acheni visitou a mãe de Yvette frequentemente. Falou com ela sobre a condição precária da saúde da rapariga e explicou que as mulheres violadas têm valor. Também a criança poderia, um dia, tornar-se uma boa pessoa, talvez até um membro do Parlamento e um bom chefe de família.

Acheni luta para que outras mulheres não tenham de enfrentar sozinhas o duro confronto com a família. Ao fazê-lo, age estrategicamente: "Pergunto sempre às mães solteiras com qual membro da família se sentem confortáveis e a quem a mãe ouve. Então, vamos juntas aos pais da mãe solteira", explica.

No final, Mama Acheni conseguiu convencer a mãe de Yvette e incentivá-la a romper com a convenção de expulsar a filha violada. Yvette foi autorizada a deixar a cozinha no quintal e a voltar para a casa da mãe. "Minha mãe hoje aceita que eu durma com a criança ao lado dela", conta.