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TecnologiaUganda

Mão de obra barata: Tecnológicas exploram ugandeses?

Simone Schlindwein
27 de novembro de 2023

Jovens no Uganda estão a desenvolver sistemas de inteligência artificial para gigantes tecnológicas mundiais. Mas os especialistas alertam para o baixo preço pago pelo trabalho por empresas como a Google e a Microsoft.

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A start-up Sama, sediada em Kampala, tem empresas como a Meta, NASA, Ford e Walmart na sua lista de clientes
A start-up Sama, sediada em Kampala, tem empresas como a Meta, NASA, Ford e Walmart na sua lista de clientes Foto: Simone Schlindwein/DW

Ouve-se uma música de fundo neste escritório no centro de Kampala, Uganda, onde mais de 150 jovens estão sentados atrás de ecrãs de computador. Ouvem-se também cliques constantes de ratos de computador.

Clique a clique, alguns dos jovens ugandeses estão a traçar faixas que determinam onde os carros da marca norte-americana Tesla podem ou não circular. Outros jovens programam um drone para que colha apenas maçãs vermelhas maduras.

Sama é uma das inúmeras novas start-ups que desenvolvem software e sistemas de inteligência artificial (IA) para grandes empresas de tecnologia.

Tecidos africanos coloridos adornam as paredes da sede da empresa. Na cantina do escritório, há um recipiente com rebuçados coloridos para os trabalhadores. É como uma versão africana de Silicon Valley, um conhecido cluster tecnológico na Califórnia, Estados Unidos da América. Não são permitidas fotos e a administração da empresa decidiu quais dos seus trabalhadores poderiam ser entrevistados pela DW.

Imagem de um sistema de reconhecimento de um veículo com inteligência artificial
Sistema de reconhecimento de um veículo com inteligência artificialFoto: Saul Loeb/AFP/Getty Images

Clientes importantes

Sentado ao computador, o diretor administrativo da Sama, Joshua Okello, explica o conceito da empresa. "Imagine que há um cliente na Alemanha que precisa de uma empresa de engenharia de software. Em vez de gastar até 50 mil euros, eles podem pagar-nos muito menos", diz.

Okello lidera uma grande equipa de trabalhadores que clicam milhões de vezes, 24 horas por dia. Os processos devem ser executados até que o carro conheça as regras de trânsito e o drone saiba que maçãs estão, de facto, maduras.

A lista de clientes da Sana elenca empresas como a Google, Ford, Walmart, Sony, BMW, Ebay, Microsoft e NASA. Sama também trabalha para a Meta, dona do Facebook, Whatsapp e Instagram.

No passado, essas empresas terceirizaram empregos e tarefas mal remuneradas para a Índia, por exemplo. No entanto, os salários estão agora a aumentar também nessa região do planeta. Agora, as grandes empresas que procuram mão de obra barata recorrem a países da África Oriental, como o Uganda, o Quénia e o Ruanda, onde o inglês é amplamente falado, a Internet é estável e a diferença horária em relação à Europa é mínima.

Empregos em vez de apoios financeiros

A Sama foi fundada por Leila Janah, uma empresária norte-americana que morreu de doença em 2020, aos 37 anos. Ela era filha de imigrantes indianos e aluna de estudos africanos.

A start-up abriu as primeiras filiais na Índia em 2008 e mais tarde no Quénia.

A fundadora da Sama, Leila Janah, em 2015
A fundadora da Sama, Leila Janah, em 2015Foto: Rob Kim/Getty Images

O desemprego é um sério problema no Uganda. A situação é grave no norte do país, onde a guerra civil durou mais de 20 anos e fez milhares de vítimas.

Foi lá que a Sama abriu uma das suas filiais, em conjunto com a instituição de caridade Oxfam, em 2012. Mais tarde tornou-se uma empresa independente.

"Podemos ensinar competências digitais às pessoas e criar empregos", afirma Joshua Okello. Isto é muito melhor do que dar ajuda, frisa.

O primeiro escritório da Sama foi instalado em contentores próximos ao campus universitário de Gulu, a maior cidade do Norte do Uganda.

Bruno Kayiza é um jovem de 30 anos que estudou economia em Gulu. Na altura, não sabia onde encontrar emprego assim que terminasse o seu curso. "Fiquei curioso para saber o que estava a acontecer, vi pessoas a entrar e a sair dali", recorda Kayiza, referindo-se aos contentores.

Este jovem passou quatro anos na Sama a ensinar robôs a colher apenas maçãs maduras antes de se tornar líder de equipa. Kayiza é agora responsável por 418 pessoas na filial de Sama em Gulu. Em 2019, a Sama expandiu-se para Kampala. Depois do Quénia, o Uganda é hoje o segundo país mais importante em África para esta empresa.

No Quénia, moderadores que trabalhavam no Facebook e que foram demitidos desafiaram a empresa-mãe da plataforma, a Meta, em tribunal, em abril de 2023
No Quénia, moderadores que trabalhavam no Facebook e que foram demitidos desafiaram a empresa-mãe da plataforma, a Meta, em tribunal, em abril de 2023Foto: Tony Karumba/AFP/Getty Images

Uma oportunidade para o futuro?

"O trabalho é muito interessante porque trabalhamos em projetos diversos", diz Kayiza. "O salário é bom", acrescenta. O salário na Sama é 20% superior aos 150 euros que os trabalhadores não qualificados normalmente ganham no Uganda.

Os trabalhadores têm ainda direito a segurança social, seguro gratuito contra acidentes e seguro de saúde, que normalmente não é oferecido naquele país, diz Kayiza.

Segundo a especialista Nanjira Sambuli, tudo parece bom demais para ser verdade. A investigadora queniana acompanha a evolução no domínio da tecnologia na sociedade africana. 

"Há claramente uma enorme necessidade de empregos em todo o continente", admite Sambuli. "Mas serão estes empregos significativos? São empregos seguros com perspetivas futuras?", questiona.

Traumatizado pelo trabalho

No início deste ano, funcionários no Quénia processaram a Sama por condições de trabalho "exploradoras". Os funcionários tinham que verificar o conteúdo de publicações do Facebook, muitas vezes mais de 700 segmentos por dia, a maioria com conteúdo sexual.

Há alguns meses, a DW conversou com alguns dos funcionários demitidos que ficaram traumatizados com esse trabalho.

"O exemplo do Quénia mostra que os políticos africanos e a comunidade internacional precisam de refletir sobre o preço a que todos estes processos de trabalho estão a ser externalizados para África a preços de dumping", diz Sambuli.

"Só porque o continente precisa urgentemente de empregos não significa que os direitos laborais e os padrões éticos mínimos possam ser atirados ao mar", critica.

Regressar ao Ruanda para formar mão-de-obra qualificada