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"Não há nenhum conluio", diz ministra portuguesa da Justiça

João Carlos
29 de maio de 2019

Francisca Van Dunem, da pasta da Justiça, não diz se seu país vai colocar no tribunal a questão de lavagem de dinheiro de Angola. Mas para João Batalha, da TIAC, Portugal tem sido usado "como lavandaria de dinheiro".

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Portugal Justizministerin Francisca Van Dunem
Francisca Van DunemFoto: Imago/GlobalImagens

Portugal deve ou não colocar no tribunal o processo de lavagem de dinheiro de Angola no seu território? É a pergunta que a DW-África colocou a João Paulo Batalha, presidente da Transparência Internacional – Associação Cívida (TIAC), em Lisboa.

"As autoridades judiciais têm tentado avançar alguma coisa e, evidentemente, nos crimes transnacionais que envolvem cidadãos angolanos ou de outros países a cometerem infrações em Portugal, nomeadamente a lavar dinheiro sujo que trazem dos seus países, é evidente que se tem que ser investigado pelas autoridades portuguesas," avalia.

Mesmo que os crimes que dão origem ao dinheiro sujo sejam cometidos em países como Angola, os ilícitos de branqueamento de capitais devem ser investigados em Portugal e, antes, prevenidos pelas autoridades políticas, defende ainda.

"O sistema financeiro tem contribuído para manter essa lavandaria a funcionar e há cumplicidades políticas, que já se revelaram de forma muito clara. Essas cumplicidades também têm que ser combatidas," acrescenta João Paula Batalha, à margem da Conferência do Estoril que, este ano, escolheu como tema central a justiça local e global, com foco no painel desta terça-feira sobre os desafios de combate à corrupção em democracia.

Justica Portugal-Angola - MP3-Stereo

Responsabilidade de Portugal

O presidente da TIAC não crê que, relativamente aos indícios de investimentos com dinheiro ilícito proveniente de Angola, sejam investigados pela Justiça angolana.

"Não. Há trabalho objetivo que a Justiça portuguesa tem que fazer. Sabemos que há investimentos até avultados de cidadãos angolanos que entram no conceito político de pessoas politicamente expostas – porque são membros do Governo ou altos quadros militares ou familiares destas elites que têm cargos públicos angolanos, ou tiveram no passado recente, e fazem grandes investimentos em Portugal," afirma João Paulo Batalha.

"É responsabilidade das autoridades portuguesas verificar de onde vem o dinheiro para esses investimentos e garantir que, através do sistema financeiro ou através do imobiliário ou através de investimentos noutras empresas, não se está a lavar dinheiro sujo, que não pode ser feito em Angola. Porque se estes crimes estarão a ser cometidos aqui, portanto, é em Portugal que têm de ser investigados," considera.

A TIAC já lançou alertas sobre tais cumplicidades políticas, que não só não permitem que a justiça faça o seu trabalho de investigação, como às vezes, objetivamente a bloqueia.

Angola Luanda Justizpalast
Palácio da Justiça, em LuandaFoto: DW/C.V. Teixeira

"Não há conluio", defende ministra da Justiça

Na sua intervenção no evento do Estoril, Francisca Van Dunem, ministra da Justiça de Portugal, defendeu mais prevenção e referiu que os códigos de ética devem ser enraizados na comunidade empresarial.

"Como, por outro lado, tem que haver também uma outra dimensão, que é a dimensão da auditoria. Recentemente, essa dimensão tem sido revisitada no sentido de se encontrar modelos que não permitam que a ligação entre os auditores das empresas e as respetivas direções criem situações de conluio ou de alguma dificuldade depois ao nível quer da indicação do que não está bem, quer até ao nível da denúncia," sugere a ministra.

Portugal Estorilkonferenz José Eduardo Agualusa
José Eduardo AgualusaFoto: DW/J. Carlos

Abordada pela DW-África no final do painel, a ministra da Justiça não respondeu se Portugal vai ou não colocar no tribunal a questão de lavagem de dinheiro de Angola em território português. Nem tão pouco permitiu ser questionada se a Justiça portuguesa devia ter um papel mais ativo na investigação e punição de crimes face aos indícios de investimentos empresariais com dinheiro ilícito proveniente daquele país africano.

Van Dunem preferiu contrariar a ideia de que, nestas matérias, haja conluio entre a Justiça portuguesa e a Justiça angolana.

"Em primeiro lugar, eu quero desfazer a ideia de conluio. Não há nenhum conluio entre a Justiça portuguesa e a Justiça de nenhum outro país. O que Portugal tem, nomeadamente com países amigos como Angola e outros no quadro da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], são acordos de cooperação. São acordos de cooperação na área jurídica, na área judiciária e também na área policial. E é tudo no quadro desses acordos que quaisquer pedidos ou quaisquer interações se desenvolvem," declarou a ministra portuguesa.

Para o presidente da TIAC, "pode não haver conluio no sentido de organização criminosa e legal no código penal", mas, insiste, "há claramente cumplicidades políticas entre o Governo português e o Governo angolano e essas cumplicidades são no sentido de não se investigar este tipo de processos politicamente delicados e, nesse sentido, entravar o funcionamento da Justiça e entravar até a recuperação de ativos que são necessários para serem devolvidos ao povo angolano".

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Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten

Investigação em curso

A propósito, a Procuradoria-Geral da República Portuguesa acaba de confirmar à DW-África que está em curso um processo de investigação, depois da recente queixa-crime apresentada pelo ex-embaixador de Angola, Adriano Parreira, sobre alegado conluio entre a Justiça portuguesa e a sua congénere angolana.

Solicitado a comentar estas matérias, José Eduardo Agualusa, que também participou nas Conferências do Estoril, diz que esta não é a sua especialidade. No entanto, o escritor angolano disse que "gostaria que, em Angola, a Justiça fosse totalmente independente do poder político. Acho que ainda não é, infelizmente. Mas já se esteve mais longe. Acho que se evoluiu alguma coisa nestes últimos meses e espero que, num quadro de aprofundamento da democracia, possamos chegar ao dia em que tenhamos uma Justiça totalmente independente dos poderes políticos".

"Acho que a Justiça deve seguir o seu caminho normal. Não deve ser a política a impor os caminhos que a Justiça segue," acrescentou.

A ex-Procuradora portuguesa, Joana Marques Vidal, que investigou processos reveladores como os que envolveram o ex-Presidente angolano, Manuel Vicente, no âmbito da “Operação Fizz”  – entretanto transferido para Angola – também destacou a importância da prevenção, do rigor e da transparência. A magistrada disse, no painel das conferências do Estoril, que, nos últimos anos, Portugal conseguiu êxitos significativos na luta.