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Nova onda de migração reabre debate sobre as cercas de Melilla

Alexander Göbel25 de julho de 2014

Trata-se de um enclave espanhol no norte da África, precisamente no território do Marrocos. É a principal entrada usada por refugiados africanos para ingressar em território europeu.

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Foto: picture-alliance/dpa

Imagens de pessoas tentando pular as cercas altas para chegar a cidade de Melilla são cada vez mais comuns. Conforme o Ministério do Interior espanhol, até 40 mil migrantes esperam no Marrocos uma chance de chegar de forma ilegal a Espanha.

Outros 40 mil estão a caminho do Marrocos. Em março, a imprensa publicava manchetes alarmantes sobre uma alegada corrente migratória ameaçadora. Mas Jordi Évole é cético.

Ele é apresentador de um programa de televisão de sucesso, pesquisou a origem destas informações e descobriu uma série de questões em aberto sobre o tema. Atualmente ele pesquisa em Melilla.

"Nós queremos descobrir , se os registros batem ou se são movidos por interesses específicos. Por exemplo, para receber uma ajuda adicional da União Europeia ou para tornar ainda mais difícil as condições para os refugiados que querem vir para nossa terra”, diz Évole.

Barreira ineficaz

De qualquer forma, os refugiados conseguem pular a cerca. E comemoram bastante o feito. Em março, houve a mais bem sucedida migração de refugiados de forma clandestina até aqui: foram 500 em uma única manhã.

Não menos impactante foi a ação dos guardas de fronteira, prontos para fazer com que a lei seja cumprida, como explica José Palazon da organização PRODEIN. Para ele, o que a Guarda Civil está a fazer não é nada mais do que cumprir a sua obrigação.

Se um imigrante sobe a cerca e a escala, é detido pela Guarda Civil e levado ao Comissário da Polícia Nacional - conforme o que contempla a lei espanhola.

"Esse é o seu trabalho, não atirar contra as pessoas com balas de borracha ou capturar as pessoas que estão presas entre as três cercas e deportá-las imediatamente. Mas fazer este trabalho de forma legal é bastante complicado”, disse.

Há anos, ativistas filmam e fotografam as incursões de migrantes na fronteira. Salientam reiteradamente que a Guarda Civil usava balas de borracha contra os refugiados no passado. Acima de tudo, os guardas deportavam os refugiados, mesmo quando eles já estavam em solo espanhol. Jesus Ruiz, do Sindicado da Polícia Nacional em Melilla confirma.

"Eu posso dizer que aqui estão fazendo procedimentos judiciais, tratando de imputações contra autoridades políticas e inclusive policiais por terem feito o que é chamado "devoluções quentes". Então ingressamos em um processo judicial para quese defina isto como um ato legal ou ilegal”, diz Ruiz.

O esforço para a legalidade

Jesus Ruiz e seus colegas da Polícia Nacional não têm o dever de fazer a segurança da fronteira. Este é um papel dos agentes de fronteira da Guarda Civil. Mesmo assim Ruiz tem uma posição clara: "esta devolução é ilegal. Sem a aplicação de qualquer tipo de lei, do meu modo de ver, é ilegal."

O conflito aqui está no fato de se considerar que, quando um refugiado está na Espanha, na verdade, e deve ser tratado de acordo com a lei.

Deve receber assistência médica, ser submetido a procedimentos de identificação biométrica e acomodado em um acampamento. A Guarda Civil, porém, não está concedendo entrevistas para esclarecer seus procedimentos.

O Subtenente Juan Antonio Martin, assessor de imprensa da vigilância da fronteira, diz que a cerca foi recuada para trás dos limites de Melilla com o Marrocos, como está assinado em um tratado. "Nós compreendemos que um imigrante está na Espanha quando ele entra no território na sua totalidade", explica.

Algumas vezes os refugiados eram apanhados entre o território espanhol, com os pés nas cercas da fronteira. “Eram transferidos através dos portões instalados nas próprias cercas”, afirmam integrantes de organizações humanitárias, como José Palazon.

Expulsões controversas

Ele diz que a Justiça determinou que a polícia respondesse as queixas das organizações. No entanto, as lideranças da corporação acabaram “transferindo a responsabilidade aos guardas da fronteira, individualmente”, segundo o sindicalista, integrante da Polícia Nacional, Jesús Ruiz.

"É verdade que, há um ano, tem ocorrido problemas com isto na Guarda Civil. Acontece então todo este jogo, onde os políticos se metem sem saber nada. Porque eles podem provocar prejuízos ao trabalho da Guarda Civil. Eles passam uma sensação de não ter conhecimento ou de insegurança sob o ponto de vista jurídico. Isto deve ser evitado”, diz Ruiz.

Conforme Palazon, nas últimas semanas e até meses, os guardas da fronteira tem se negado a fazer deportações ilegais. Apesar de terem ocorrido acordos com Marrocos, neste meio tempo, para retirar os refugiados da área de fronteira levá-los para território marroquino, alguns vídeos provam a nova conduta dos agentes de segruança da fronteira.

Parece claro que a política é enviar o maior número de refugiados possível, com pouco barulho, de volta para o Marrocos. O ministro do Interior da Espanha, Jorge Fernandez Diaz, quer, de qualquer forma, chegar a um acordo sobre as “deportações quentes” com Marrocos.

Alarde desnecessário?

Já o prefeito de Meilla, Juan José Imbroda, não esconde que preferia que simplesmente fosse mudada a Lei de Estrangeiros. Ele diz que o objetivo é Marrocos aceite a readmissão de qualquer migrante que seja capturado. Que a polícia e a Guarda Civil possam devolver ao Marrocos aqueles que entram ilegalmente na Espanha.

"O que se deve fazer para se modificar a lei? Quem não cumpre a lei são, primeiramente, aqueles que estão violando a fronteira. Não se pode entrar em um país violando fronteiras - seja para trabalhar, seja para cometer crimes ou o que for", explica o prefeito.

Conforme o prefeito, as condições de vida nos países de origem dos imigrantes devem ser melhoradas e é claro que isto não irá acontecer da noite para o dia.

Mas há quem defenda que Melilla e Espanha devem se “proteger da onda de refugiados, do contrário a ordem pública corre o risco de entrar em colapso”. O jornalista Jordi Évole, no entanto, ainda não está convencido sobre isto, diante de todas as apurações que fez até aqui.

"A migração é um problema muito complexo. Não creio que haja na Espanha motivo de alarme como este tema. Como eu creio que o governo está tentando nos fazer acreditar que haja”, explica Évole.

Gurugu

No monte Gurugu, às portas de Melilla, centenas de africanos vivem em acampamentos à espera do dia para a transposição da cerca ou seguir o caminho com barcos para a Europa. A reportagem encontrou refugiados em desespero.

Talvez tenha sido o destino que fez a reportagem encontrar, um ano depois, Rigan no porto de Melilla. O reporter Alexander Göbel viu o seu interlocutor pela primeira vez na África Central. Hoje, o revê em um acampamento de abrigos feitos com plásticos velhos nas rochas de Gurugu.

"Aqui eu estou finalmente livre. Eu posso transitar normalmente pela cidade e ninguém me incomoda. Do outro lado, no Marrocos, éramos como prisioneiros. Aqui em Melilla, temos que nos preocupar em seguir as regras deles. Então está tudo bem", explica Rigan.

Antes mesmo do primeiro encontro, a “Fortaleza Europa” - da montanha de Gurugú até Melilla - já chamava a atenção. Landrigan contou sobre a sua vida como imigrante ilegal por dez anos no Marrocos.

Os efeitos dos campos

Como todos no campo marroquino, ele estava muito magro. Suas bochechas eram fundas e seus olhos, vermelhos e saltados. Os braços e as mãos ainda têm várias cicatrizes. A agressão de policiais resultou-lhe uma ferida profunda na cabeça, que, mais tarde, infeccionou.

Quando ficou no campo de refugiados no Marrocos, Rigan vestia apenas um manto verde sujo e sandálias de plástico sem meias. O reencontro com este homem era, para a equipe de reportagem, algo bastante improvável.

"Você apenas tem que ter paciência e acreditar em seu objetivo - e confiar que o destino trará coisas boas, mesmo que demore muito tempo. Dou graças a Deus que Ele me trouxe até aqui", explica.

Agora Rigan parece saudável e melhor alimentado. Está com uma barba de três dias, usa brincos e um velho uniforme do exército espanhol. Cnta uma história do Natal de 2013, quando colocou pela primeira vez os pés no solo europeu. O final de uma odisséia inimaginável.

"Em 2004 e 2005, eu estive em Gurugu. Naquela ocasião aconteceu de tudo nas cercas de Melilla. Então os marroquinos descarregaram-nos de um ônibus no deserto da Mauritânia. Eu caminhei mais de 20 dias a pé, quase desisti, mas tinha uma convicção: tinha continuar tentando".

Fuga arriscada

Rigan e alguns amigos conseguiram dinheiro para comprar um barco. Enfrentaram um caminho nebuloso e tempestuoso, mas completaram o percurso de Nador à Melilla.

"Sabíamos que, se morrêssemos, não faria diferença. Nós tínhamos uma chance. A Guardia Civil não poderia fazer outra coisa se não ajudar. Puxaram-nos para fora da água. Em seguida, fomos levados para o hospital, e em algum momento eu estava no campo de refugiados, no CETI.

No monte Gurugu Rigan foi vigia e chefe do campo. Era continua sendo um chefe rigoroso até hoje.Em Melilla, ele comandou um grupo de jovens da Guiné, Camarões e Congo Brazzaville na lavagem de carros. Eles não ficavam parados pelo campo. Precisavam fazer algo útil para fazer algum dinheiro – queriam ligar para casa, falar com suas famílias.

"Quando um carro chega ao estacionamento, nós o ajudamos a estacionar. Aí, perguntamos ao condutor se nós podemos lavar o veículo. Caso ele aceite, nos dividimos e lavamos. Eu recebo o dinheiro, alguns euros, e no fim do dia dividimos tudo de forma igual", explica.

Para Rigan, que fez o secundário na sua cidade, Melilla é apenas um estágio intermediário. Seu objetivo é a Europa. Ele aceita o fato de ser interno em um acampamento espanhol. Para isto, ele também aprende o idioma.

Ele quer seguir a sua a vida. "Eu gostaria de visitar vocês na Alemanha. Eu sonho com Berlin e Irlanda. Para isso eu também preciso aprender inglês. Eu sou ambicioso e ainda tenho muito a fazer".

Até lá, Rigan ainda vai precisar lavar muitos carros. Sempre em Melilla, sempre dando olhadas para o outro lado da cerca – para a África.

Flüchtlingsansturm auf spanische Exklave Melilla 18.03.2014
Refugiados recebem abrigoFoto: Reuters
Afrikanische Migranten in Gourougou
Rigan em GuruguFoto: Guy Hedgecoe
Massenansturm von Flüchtlingen auf spanische Exklave Melilla
Refugiados esperam uma chance para transpor a fronteiraFoto: picture-alliance/dpa
Massenansturm von Flüchtlingen auf spanische Exklave Melilla
Fluxo migratório é intensoFoto: picture-alliance/dpa
Melilla spanische Exklave Flüchtlingsansturm 28.5.2014
O enclave espanhol separa África da EuropaFoto: picture-alliance/dpa
Melilla spanische Exklave Flüchtlingsansturm 17.5.2014
Segurança acompanha movimentaçãoFoto: REUTERS
Melilla spanische Exklave Flüchtlingsansturm 17.5.2014
Refugiados na cerca de MelillaFoto: REUTERS

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