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O antes e depois da Covid-19: A análise de Mo Ibrahim

Benita van Eyssen | Eddy Micah Jr. | rl
7 de junho de 2020

Em entrevista à DW, Mo Ibrahim critica postura do Presidente Donald Trump face à OMS e frisa que medidas de combate à pandemia adotadas nos países ocidentais não são as mesmas que resultarão em África.

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Kenia Mo Ibrahim verkündet den Gewinner des Preises 2015
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Curtis

DW: Os Estados Unidos acusaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) de não saber lidar com a pandemia provocada pelo coronavírus e de favorecer a China. Qual a sua opinião sobre esta questão?

Mo Ibrahim (MI): Qualquer organização ou clube depende de quão bons são os seus membros. A Organização Mundial de Saúde não tem autoridade para obrigar a China a aceitar inspetores ou de contestar os seus números. Ela confia na boa vontade e a integridade dos seus membros.

Sejamos sensatos. Obviamente, nenhuma organização é perfeita, mas estamos no meio de uma pandemia e esta é a única organização internacional que temos para lidar com ela. Será este o momento certo para tentar fechar esta organização? É o mesmo que pensar em reparar um motor a meio de um voo sobre o Atlântico. Temos de pensar na segurança em primeiro lugar. Vamos primeiro sair desta pandemia e depois olhar para a governação desta organização e pensar como a podemos melhorar.

Não concordo mesmo com a ação do Sr. Trump, porque esta estamos no meio de uma crise, é a altura errada para deixar de financiar as nossas organizações internacionais. Estou realmente triste e desapontado. Acho que o que precisamos de fazer com as nossas organizações internacionais é melhorar o sistema de governação.

DW: Acha que África está num bom caminho para combater a pandemia?

MI:Até agora África tem tido um pouco de sorte, porque não temos visto números muito elevados. Há várias teorias, mas nenhuma confirmada. Mas os números estão a aumentar e a OMS espera que as coisas piorem por volta do Outono.

Felizmente, como o vírus chegou um pouco mais tarde, o continente teve algum espaço para se preparar e agiu, com mérito, muito rapidamente.

USA | Washington DC -  Trumps Königreich
Donald Trump anunciou saída dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde no meio da pandemiaFoto: imago images/MediaPunch/Harrer

DW: Os confinamentos decretados por vários governos africanos por causa da Covid-19 estão a causar grandes dificuldades. Quanto tempo pode o continente suportar este tipo de medidas?

MI:Eu acho que as medidas adotadas pelos países ocidentais não são as mesmas que podem ser implementadas em África, por uma série de razões. Muitos africanos ganham o seu dia a dia nas ruas e nós não podemos simplesmente prendê-los em casa sem lhes proporcionarmos alimentação e rendimentos, como acontece nos países ocidentais. Não dispomos do espaço físico nem dos recursos financeiros necessários para o fazer. As pessoas podem morrer à fome. Também o distanciamento social é um problema nas grandes cidades por causa dos bairros de lata, por exemplo. É difícil. Talvez 30% dos africanos não tenham água canalizada, por isso como é que se pode pedir às pessoas que lavem as mãos frequentemente?

DW: Quais as perspetivas económicas para África no pós Covid-19?

MI:Felizmente, por alguma estranha razão, até agora o vírus tem sido bastante amigável em África quando comparado com a devastação que está a causar noutros locais. Mas, infelimente, esta é a minha preocupação. As economias africanas são frágeis. As [consequências para a economia] podem ser ainda piores do que as para a saúde, infelizmente. Grande parte das nossas receitas está dependente da exportação de matérias-primas e esse setor tem sido gravemente atingido.

Os países produtores de petróleo foram muito atingidos. Esperamos uma recessão em África, pela primeira vez em cerca de 25 anos. A dívida é agora também um grande problema. Espera-se que África venha a pagar 44 mil milhões de dólares de juros sobre os empréstimos existentes, o que dá cerca de 400 mil milhões de dólares.

DW: O que é que a pandemia ensinou a África?

MI:Há muitas boas lições que deveríamos realmente tirar. Para começar, precisamos de ter sistemas de saúde resilientes nos nossos países. Não estamos a prestar a devida atenção a isso. Apenas 10 dos 54 países têm sistemas de saúde universais gratuitos. É um setor para o qual devemos, de facto, olhar. A segunda lição que aprendemos é que esta dependência excessiva dos minerais, do petróleo e da exportação de matérias-primas não é realmente o caminho a seguir. Metade dos africanos trabalham nesses setores.

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Em países como a África do Sul, onde o governo implementou medidas apertadas para combater a pandemia, há pessoas que pedem desesperadamente alimentos.Foto: picture-alliance/D. Lloyd

DW: O que tem feito a Fundação Mo Ibrahim no que respeita à pandemia?

MI:Estamos a fazer o que nos propusemos: tentar fornecer aos decisores e líderes em África dados precisos e análises do que se passa. Assim, fomos muito rápidos a fazer uma análise detalhada das capacidades e recursos do continente, do que está a acontecer e do que precisa ser feito.

Publicámos também importantes trabalhos de investigação. Um sobre o impacto na situação alimentar em África, outro sobre a dívida em África e sobre a forma como vamos ter de lidar com ela, e um apelo à ação que ofereça realmente algum apoio aos africanos que estão a pedir a anulação de parte da dívida. Os governos e o setor privado precisam de criar um plano de ajuda. Publicámos também um documento sobre a Covid-19 e a democracia e as eleições em África. Há uma série de eleições agendadas para este ano. Como é que vai ser? Será que os governos adquiriram tantos poderes executivos, que podem constituir uma ameaça para a democracia? É um debate semelhante ao que se passa no mundo ocidental. Qual é a linha que separa o equilíbrio entre a ordem pública para lidar com a pandemia e as liberdades privadas?

DW: O silenciamento das armas no continente está na agenda da União Africana para este ano. É um objetivo exequível?

MI:É um objetivo muito nobre mas que, infelizmente, não foi alcançado nem virá a ser, provavelmente. Não é apenas a União Africana que apela ao silenciamento das armas. O Secretário-Geral das Nações Unidas também fez o mesmo apelo. Portanto, temos duas vozes poderosas a fazer pressão, mas não está a resultar.

Em África temos vários conflitos e diferentes. Na Líbia, o conflito continua em curso e tem uma dimensão internacional - países diferentes apoiam lados diferentes. Ou seja, a tarefa não é só de África mas da comunidade internacional. Temos uma vertente de extremismo, grupos religiosos mal orientados. Temos conflitos também porque agricultores e pastores disputam terras – o que também está relacionado com as alterações climáticas, uma vez que as terras de pastagem estão a desaparecer.

DW: O chefe do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, está a ser acusado de corrupção. Como olha para este assunto?

MI: Não tenho conhecimento da especificidade das alegações e não falei com nenhum dos lados. Mas se há alegações, é preciso que sejam investigadas de forma adequada. Sei que os EUA estão a pedir uma investigação independente - muito bem. Que seja um processo independente e credível, pois o Banco Africano de Desenvolvimento é muito importante para África, especialmente neste momento. Esta é uma questão que deve ser tratada rapidamente para que o banco possa continuar a sua missão.

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