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Cultura

O paraíso traiçoeiro de Henning Mankell

Pessoa, Marcio Americo Vieira5 de agosto de 2013

O renomado escritor sueco retrata a história de sua compatriota, Hanna Renström, que teria sido dona do bordel mais bem-sucedido do início do Século Vinte na capital colonial moçambicana.

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A vida de uma sueca dona de um famoso bordel em Lourenço Marques foi vasculhada pelo escritor Henning Mankell durante quatro anos. A pesquisa deu origem a mais recente obra do autor sueco: "Memórias de um anjo sujo". O livro acabou se tornando um retrato dos conflitos sociais de Lourenço Marques, a capital do Moçambique colonial, onde hoje é Maputo.

Mankell tem longa relação com Moçambique. Chegou ao país em 1986, quando iniciou trabalhos com o Teatro Avenida. Ele continua envolvido com a companhia e segue vivendo parte do tempo em Maputo.
O escritor diz que geralmente é difícil para ele se recordar exatamente como uma história surge. Neste caso, porém, é bastante fácil.

Em entrevista a DW África, Mankell conta que a ideia de fazer um romance sobre a sueca Hanna Renström, que viveu em Lourenço Marques no início do século passado, surgiu há sete anos, através de um cientista social sueco que pesquisava o período colonial em Moçambique.

"Ele (o investigador) disse: ouve lá, Henning, eu tenho uma história fantástica para ti! Existiu aqui uma mulher sueca dona de um grande bordel em Lourenço Marques. E, depois, ela desaparece. Ninguém sabe o que acontece com ela."   

Sorte ou azar?

Hanna Renström acabou se tornando rica com a prostituição. Os registros de pagamento dos seus impostos acabaram chamando a atenção do cientista político. Sua origem, porém, era bastante pobre. Fugindo da fome no interior da Suécia, ela consegue emprego como cozinheira em um navio a vapor com destino à Austrália.

Na viagem ela se apaixona por um marinheiro que acaba morrendo na costa da África. Ao avistar o litoral de Lourenço Marques, decide desembarcar e tentar a vida em Moçambique. Lá, casa-se com o dono do bordel mais prestigiado da cidade, "O Paraíso".

Fica viúva novamente e de 1905 a 1907 fica responsável pelo negócio do falecido marido. O bordel era bastante frequentado por brancos sul-africanos, que não podiam se relacionar com mulheres negras em seu país. Ele descreve a Lourenço Marques que ele encontrou na sua pesquisa.

"É um tipo de Apartheid. Tentei explicar toda esta complexidade sem tentar simplificar. Mostro que não são somente os brancos que tem um papel perverso, mas também os africanos. Não é somente, porém, uma história sobre o racismo. Trata-se de um livro sobre um sistema político que não é sustentável", explica.

Hanna desenvolve laços fortes com as meninas da casa e alguns de seus clientes. A narrativa retrata a bizarra e anedótica vida de uma dona de bordel em Lourenço Marques. Mankell fala no livro de uma sociedade bastante injusta.

Os dilemas de Hanna

Na situação de facilitadora da exploração das meninas que trabalham no prostíbulo, Hanna entra em um dilema pessoal, querendo identificar de que lado está. Entre os exploradores ou os explorados pelo sistema. "Onde eu estou? Está é uma pergunta que a Hanna se faz. Afinal, quem sou eu? Quem devem ser as pessoas do meu lado?", salienta Mankell.

Em meio a um sistema injusto com as meninas, a crise pessoal acaba se tornando dramática para a dona do bordel. "Hanna também tem responsabilidades (sobre as meninas) e as prostitutas precisam ganhar dinheiro para sobreviver."

O escritor suspeita de um prédio onde o bordel teria funcionado, mas prefere não dizer por não ter certeza. Entretanto ele dá algumas pistas. Após uma tragédia entre o grupo de meninas, Hanna vai para a Beira. "Nós sabemos bem qual foi a área do centro de Maputo que tinha todos estes bares e cafés com prostitutas ainda quando a cidade era Lourenço Marques", insinua o escritor.  

A partir daí não há mais notícias sobre o paradeiro da sueca. "Memórias de um anjo sujo" deve ser lançado em português em 2014. Há uma versão do livro em inglês cujo nome é "Trecherous Paradise", ou "Paraíso Traiçoeiro" na tradução livre.