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PolíticaCosta do Marfim

Gbagbo e Ouattara em encontro histórico na Costa do Marfim

Cai Nebe | tms
27 de julho de 2021

Presidente Alassane Ouattara recebe esta terça-feira seu antecessor, Laurent Gbagbo. Encontro acontece 10 anos depois da violência pós-eleitoral que deixou cerca de 3 mil mortos e resultou no exílio de Gbagbo.

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Bildkombo l Elfenbeinküste l Präsident  Ouattara und ehemaliger Präsident Ghagbo
Foto: Issouf Sanogo, Sia Kambou/AFP

Presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, recebe esta terça-feira seu antecessor, Laurent Gbagbo. Encontro histórico acontece 10 anos depois da violência pós-eleitoral que deixou cerca de 3 mil mortos e resultou no exílio de Gbagbo. 

A reunião desta terça-feira (27.07)  entre o Presidente Alassane Ouattara e o seu rival político Laurent Gbagbo - que regressou recentemente após ter sido absolvido pela prática de crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) – está a provocar alguma tensão na capital da Costa do Marfim, Abidjan. 

Mas é possível também notar um sentimento de otimismo entre os cidadãos. "O Presidente Gbagbo e o Presidente Alassane, são irmãos. Ambos irão mostrar ao mundo que existe uma reconciliação total na Costa do Marfim", disse uma cidadã à DW África em Abidjan. "Penso que o encontro entre o Presidente Gbagbo e o Presidente Alassane augura bons dias, porque para nós ainda há esperança", completa.

Publicamente, ambos os líderes procuraram projetar uma imagem de paz e reconciliação.

Ouattara saudou publicamente o recente regresso de Gbagbo, utilizando o festival muçulmano de Eid al-Adha para apelar à reconciliação nacional. "Que os passos que foram dados para a coesão social, para a reconciliação, continuem a ser dados. Que a Costa do Marfim continue a viver em paz", disse ele na semana passada.

Os assessores de Gbagbo avançaram que os dois rivais têm estado "em contacto" via telefone desde o início de julho. A reunião de terça-feira será a primeira entre os dois desde as disputadas eleições presidenciais de 2010 na Costa do Marfim.

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Confrontos sangrentos na capital Abidjan em dezembro de 2010Foto: picture-alliance/dpa

Pesadelos permanecem

Na altura, quando a Comissão Eleitoral Independente declarou que Ouattara tinha derrotado Gbagbo nas eleições reconhecidas pelas Nações Unidas, o país mergulhou em desordem. A desconfiança entre as comunidades do norte, apoiadas por Ouattara, e as comunidades do sul, ligadas a Gbagbo, aprofundou-se.

Gbagbo recusou-se a reconhecer a votação, e o Conselho Constitucional controlado por ele declarou os resultados inválidos devido a uma alegada fraude eleitoral no norte do país. O Conselho anunciou, então, novos resultados que apontavam a eleição de Gbagbo com 51,45% dos votos.

Fora do país, porém, Ouattara foi considerado o novo líder da Costa do Marfim, e a comunidade internacional, a União Africana e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) impuseram sanções a Gbagbo.

O antigo presidente recusou-se a sair, e a violência eclodiu. O conflito que se seguiu viu resultou na morte de cerca de 3 mil pessoas em batalhas entre milícias pró-Gbagbo e as forças de Ouattara, que foram apoiadas pelas tropas e equipamento da ONU, da CEDEAO e da França. 

Quando Gbagbo foi preso em abril de 2011, banido da Costa do Marfim e enviado para Haia para enfrentar as acusações de crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional, aldeias inteiras da Costa do Marfim foram destruídas, e centenas de milhares de pessoas foram deslocadas pela violência.

Elfenbeinküste Alassane Ouattara politischer Rivale von Laurent Gbagbo
Ouattara foi reeleito em 2015 (foto), mas venceu para um terceiro mandato controverso em 2020Foto: DW/K. Gänsler

A destruição de famílias

ONGs, como Femmes de Salem, têm tentado reunir comunidades do norte e do sul para restabelecer relações destruídas pela crise de 2010. Anastasie Adjoua Kouadja e Cisse Makoko viveram numa pequena aldeia chamada Bodoukro, na região de Tiassale, a 120 quilómetros de Abidjan.

Kouadja veio do sul da Costa do Marfim, e Makoko do norte. Durante a crise de 2010, as suas famílias entraram em confronto. Várias casas e plantações foram destruídas.

"Olhávamo-nos como cães, e isso não era bom. Então fomos ao norte para nos encontrar com as nossas irmãs, para dizer que não há nada de facto. Temos de viver juntos, para que o país possa avançar. O acolhimento foi muito bom, tirámos fotografias e trocámos números de telefone", comenta Kouadja, que teve a aldeia destruída.  

"Somos um só povo apesar das diferenças étnicas, religiosas e mesmo políticas. A reconciliação veio muito naturalmente entre nós", concorda Makoko. 

Boussou Bintou Coulibaly, líder da ONG, disse que o seu grupo facilitou a reconciliação em comunidades onde a situação era considerada impossível. "Sabemos que em 2010 a Costa do Marfim estava em chamas, com fraturas sociais muito visíveis. Tivemos de quebrar o gelo entre as mulheres do norte e as do sul. Porque, para nós, algo poderia ser feito para aproximar as populações através das mulheres", lembra.

Laurent Gbagbo Elfenbeinküste Den Haag Internationales Strafgericht Niederlande
Gbagbo em audiência no TPI em 2016Foto: picture-alliance/dpa/P. Dejong

Contornar o ressentimento

Após ter sido extraditado para enfrentar acusações de crimes de guerra e crimes contra a humanidade, o TPI acabou por absolver Gbagbo em 2019, concedendo-lhe autorização para regressar à Costa do Marfim. Apesar de 10 anos ausente, Gbagbo ainda tem muitos seguidores - especialmente nas regiões da costa sul, onde tem a reputação de defender pobres e oprimidos.

Depois de herdar um país com uma paz precariamente equilibrada, Ouattara ganhou de forma convincente um segundo pleito eleitoral em 2015. Mas, em 2020, dezenas de pessoas foram mortas em confrontos pré-eleitorais com a polícia após Ouattara ter avançado de forma controversa a sua candidatura a um terceiro mandato presidencial, quando a Constituição permite apenas dois.

Foi uma vitória esmagadora, mas pouco credível, uma vez que a votação foi boicotada por quase toda a oposição.

Para muitos costa-marfinenses, resolver as diferenças entre Ouattara e Gbagbo é fundamental para ultrapassar as principais crises do país. Nenhum dos dois está na mesma posição em que se encontravam em tempos. Recentemente, Guillaume Soro - antigo primeiro-ministro de Ouattara, braço direito e figura-chave no apoio militar de Ouattara em 2010 - foi condenado à prisão perpétua por ter minado a segurança do Estado. 

Ele está agora no exílio. Gbagbo disse também estar unido ao ex-Presidente e arqui-rival Henri Konan Bedie, 87 anos, na criação da "paz final e sustentável" na Costa do Marfim.

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