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O "sufoco" do racismo em Portugal

10 de junho de 2020

Associações acreditam que propostas para combater o racismo levadas ao Parlamento português podem impulsionar mudança de comportamentos. Ativista Mamadou Ba alerta que, se não for feito nada, as coisas podem "descambar".

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Protesto em fevereiro de 2015 contra o racismo e a violência policialFoto: DW/J. Carlos

O racismo voltou à agenda política e social portuguesa. Aristóteles Kandimba, ativista angolano nascido em Portugal, diz que já foi discriminado em público no país, por ser negro. E, como ele, outras pessoas se queixam sobre comportamentos racistas.

"Há muitas queixas em relação à violência policial em Portugal. Aqui mesmo, na Amora, tenho vários depoimentos de jovens que foram agredidos e vítimas de racismo verbal pela polícia", diz Aristóles Kandimba em entrevista à DW.

Portugal Lissabon | Aristóles Kandimba - Aktivist aus Angola und Koordinator der Onlineplatform "Afro-Seixalense"
Ativista Aristóteles KandimbaFoto: DW/J. Carlos

O debate surge 25 anos depois do assassinato por skinheads do jovem cabo-verdiano Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em Lisboa, ocorrido a 10 de junho de 1995. E depois de uma manifestação, no sábado (06.06), na capital portuguesa, motivada pela morte de George Floyd, nos Estados Unidos da América.

Kandimba, que coordena a página online "O Afro-Seixalense", conta que viveu alguns anos nos EUA como estudante e, em 1992, foi confrontado com a violência policial contra negros, durante a chamada "rebelião de Los Angeles".

Foi já mais tarde, em 1999, que saiu à rua pela primeira vez para protestar contra o assassinato de Amadou Dialo, um jovem da Guiné-Conacri, baleado 41 vezes pela polícia, em Nova Iorque.

"Foi a primeira vez que eu fui à rua protestar contra a violência policial, contra o racismo", afirma.

Quanto a Portugal, a "sociedade nega a questão racial há muito tempo", comenta o ativista. "Faz tudo para não trazer o assunto à tona. Então, tudo o que acontece aqui é uma reação ao que acontece fora. Tivemos os protestos agora no final de semana."

Portugal Demo Lissabon
Protesto em fevereiro de 2015, em frente ao Parlamento portuguêsFoto: Herberto Smith

Racismo em Portugal

No entanto, há já algum tempo que os políticos preparam legislação sobre esta matéria. Desde 15 de fevereiro de 2015, após as agressões policiais contra negros na esquadra de Alfragide, a eleição de três deputadas afrodescendentes, o assassinato, no final de 2019, do jovem cabo-verdiano Luís Giovani, em Bragança, e o caso da angolana Cláudia Simões agredida pela polícia, no início deste ano, ajudaram a compor a possibilidade de uma resposta política concreta em sede parlamentar.

Sabe-se, de antemão, que três partidos (o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o PAN - Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza), bem como a deputada Joacine Katar Moreira, apresentaram no Parlamento projetos de resolução distintos, mas que coincidem com o objetivo de luta contra a discriminação racial.

Para Mamadou Ba, do Movimento SOS Racismo, este é um bom sinal.

"Pela primeira vez, nós estamos a ter uma resposta legislativa maciça, que resulta dos protestos e das mobilizações na rua. É verdade que estas propostas já estavam a ser cozinhadas antes do caso Floyd…"

Deputadas afrodescendentes tomam posse em Portugal

"Lei é ineficaz"

Contudo, Mamadou Ba lamenta que este seja um passo insuficiente, pois a "legislação é ineficaz".

Um estudo recente da Universidade de Coimbra mostra que 80% das queixas que chegam à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, são arquivados ou prescrevem. Nos últimos dez anos, refere o mesmo estudo, dos 75 casos de agressão policial, nenhum resultou em qualquer condenação efetiva de agentes envolvidos.

"Há por aí mensagens de ódio pelas paredes e ninguém se preocupa com isso", afirma Lúcia Furtado, dirigente da Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal (FEMAFRO). A ativista fala de uma mudança de paradigma e diz que é preciso dar outros saltos, como, por exemplo, investir mais no domínio do ensino e fazer uma reforma da área da Justiça.

"Há muitas exigências, desde a reforma dos currículos escolares, que ainda são extremamente racistas, enviesados. Apostar na educação é muito importante. O ensino é a base e há cada vez mais projetos. Também tem que haver uma alteração profunda em termos da legislação para criminalizar o racismo e para que as pessoas não sintam que possam sair impunes."

Portugal Lissabon | Mamadou Ba - Mitglied der Bewegung SOS Racism
Mamadou Ba, do Movimento SOS RacismoFoto: DW/J. Carlos

"Barril de pólvora"

Face à onda de frustração contra atos racistas, Aristóteles Kandimba exorta as autoridades portuguesas a prestarem mais atenção ao problema e debatê-lo mais a vários níveis, para que a sociedade não venha a confrontar-se com o que está a acontecer nos EUA e que já aconteceu em algumas cidades europeias como Londres e Paris.

"As pessoas já se sentem sufocadas e cansadas e, qualquer dia, não vão aguentar mais", avisa Mamadou Ba. A manifestação do último sábado é sinal disso, reafirma, exigindo uma resposta consequente por parte das autoridades governamentais "para as coisas não descambarem".

"Havendo um partido de extrema-direita com representação parlamentar no país, que tenta acicatar os ânimos e os ódios, acho que isso pode mesmo ser um barril de pólvora. Portanto, era bom que a sociedade maioritária e o Estado assumissem as suas responsabilidades", concluiu.

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