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Recolher obrigatório trouxe "mais abusos" policiais

3 de março de 2021

Ferosa Zacarias, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, diz à DW que o recolher obrigatório em vigor no país "pôs a nu" o despreparo da polícia.

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Foto: DW/Romeu da Silva

No âmbito do recolher obrigatório noturno que entrou em vigor às 00h00 do dia 5 de fevereiro na área metropolitana de Maputo, a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados disponibilizou-se para prestar assistência jurídica gratuita aos cidadãos.

O objetivo da iniciativa foi zelar "pela legalidade e humanização do recolher obrigatório" e complementar o trabalho da polícia. A Comissão fez esta quarta-feira (03.03) o balanço da iniciativa que decorre há cerca de um mês. 

DW África: O prazo até então decretado para o recolher obrigatório está quase a terminar. Qual o balanço que faz da medida? Foi benéfica?

Ferosa Zacarias (FZ): Apesar de várias violações dos direitos dos cidadãos, nós enquanto Ordem [dos Advogados] estamos alinhados à estratégia da prevenção. Entendemos que essa medida não se adequa ao nosso contexto. É impraticável tendo em conta o despreparo da polícia. A polícia tem de estar preparada para analisar as situações casuisticamente. A medida é bem-vinda, sim, mas não concordamos com o recolher obrigatório desumanizado e que não respeita as normas legais.

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Aumento das restrições no combate à Covid-19 tem levado a maior intervenção da políciaFoto: DW/M. Mueia

DW África: Durante este período do recolher obrigatório, a Ordem dos Advogados disponibilizou-se para prestar apoio jurídico gratuito aos cidadãos. Como correu a iniciativa?

FZ: De forma geral, o balanço é positivo. Contávamos inicialmente com 50 advogados e neste momento são cerca de 100, o que significa que, no decorrer do processo, foram aderindo à iniciativa. De forma geral, é positivo. Tivemos frutos.

DW África: Começaram a iniciativa há cerca de um mês. Receberam muitas solicitações?

FZ: Em termos de processos documentais temos 57 casos, mas a nossa intervenção não foi só no âmbito processual ou através das esquadras. Nós consideramos também aqueles casos em que os advogados orientaram o cidadão sobre como agir em determinados casos. Intervimos nas esquadras, nos postos policiais, assim como tivemos ações a nível dos tribunais onde, através da intervenção do advogado, foi possível garantir a reposição do direito.

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DW África: Tiveram de intervir em casos de incumprimento por parte da polícia nacional?

FZ: Dirigimo-nos à esquadra para procurar apurar as situações e, chegando lá, não conseguimos sequer encontrar o nome das vítimas, já tinham sido restituídas à liberdade, mas sem nenhum processo legal. É isso que a Comissão pretende garantir que não aconteça: termos incumprimentos ou processos ilegais assim como cidadãos a serem tratados de forma desumana pela polícia, violando aquilo que é o próprio intuito do decreto.

Mesmo na polícia, nas esquadras, não se encontram condições de higiene. Juntam-se crianças e menores de idade, expostos à pandemia da Covid-19.

DW África: Considera então que o recolher obrigatório veio intensificar os abusos por parte da polícia?

FZ: Sim, veio trazer mais violações por conta dessa insensibilidade e do despreparo da polícia. Faltou também uma articulação entre a polícia e as entidades de saúde ou a aceitação da colaboração da polícia com a Ordem dos Advogados.

Notámos que a polícia não está preparada para lidar com esse tipo de normas. Vê uma norma dessas como uma oportunidade para intensificar ainda mais as violações e não para garantir o cumprimento da medida em si. Vimos inclusive situações de extorsão de cidadãos, cidadãos que foram encontrados na via pública e, para verem restituída a sua liberdade, tiveram de [pagar] determinados valores.

DW África: Essa iniciativa da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados será para continuar?

FZ: Sim, irá continuar porque a medida atual era no âmbito específico do recolher obrigatório a nível de Maputo. Mas a base da intervenção ou dos decretos é a prevenção da pandemia da Covid-19 e, neste momento, o país está em estado de calamidade pública. Tendo visto a iniciativa de Maputo, os conselhos provinciais da ordem decidiram replicar a nível das províncias, onde se encontram.

Vamos fazer essa monitoria e assistência gratuita aos cidadãos no âmbito das ações da Comissão dos Direitos Humanos e esperamos contar com o maior número possível de advogados a aderir. E mesmo que não seja no âmbito do recolher obrigatório, há sempre violações que ocorrem.

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