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Os prós e contras da nova era de relações Moçambique-Rússia

Nádia Issufo
29 de maio de 2018

Na busca de investimentos alternativos, Moçambique aproxima-se estrategicamente da Rússia, que por sua vez tem ganhos. A recente visita do chefe da diplomacia moçambicana a Moscovo evidencia o novo xadrez que se compõe.

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Rosneft, petrolífera russa. O maior acionista é o Governo da RússiaFoto: Getty Images

Terminou nesta segunda-feira (28.05.) a visita do ministro moçambicano dos Negócios Estrangeiros, José Pacheco, a Rússia. Foram alcançados acordos nos diversos domínios com destaque para a Defesa e Energia. Moçambique tenciona adquirir mais armamento junto de Moscovo e assinar acordos até ao final de 2018 para que a petrolífera russa Rosneft comece a operar no setor do gás, na província norte de Cabo Delgado. Entretanto, várias questões se levantam nesta nova era de relações entre os dois países. Colocámos algumas delas ao analista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, Calton Cadeado.

DW África: A defesa da soberania legitima até certo ponto a aquisição de armamento. Mas justifica-se que isso seja feita numa altura em que Moçambique está altamente endividado e nem sabe ao certo como vai financiar essa compra?

Calton Cadeado (CC): Acho que sim, por uma questão de soberania como coloca. Mas é bom dizer que hoje existem vários tipos de armamento necessários para a defesa da soberania e da integridade territorial do Estado para providenciar estabilidade. Há armamentos que são usados do ponto de vista de dissuasão, de vigilância e há neste tipo de equipamento a considerar também a cooperação que é preciso fazer com outros países que ajudam a garantir a integridade territorial e soberania. Então, é preciso sempre, nenhum Estado se pode dar ao luxo de se desarmar, sobretudo quando se trata de uma país apetecível como Moçambique.

Jose Pacheco
José Pacheco, ministro dos Negócios Estrangeiros de MoçambiqueFoto: Leonel Matias

DW África: Moçambique prevê assinar um acordo com a petrolífera russa Rosneft até ao final deste ano para a exploração de gás no norte do país. Percebe-se que Maputo busca cada vez mais perfis diferenciados de investidores. Quais seriam as vantagens desse redirecionamento sob o ponto de vista económico e político?

CC: Primeiro grande aspeto a salientar, é evitar qualquer tentativa de monopólio sobre os recursos naturais de valor estratégico que Moçambique possui entregues a qualquer que seja o país. E esta postura política e estratégica de Moçambique é consistente em quase todos os recursos naturais. Mas é bem verdade que os americanos fizeram muita pressão para terem o monopólio e não conseguiram por causa da abordagem política de diversificação de parceiros que o Estado está a usar neste momento. Por outro lado há uma desvantagem, é que geralmente essas grandes companhias unem-se entre si para salvaguardar os seus interesses, e às vezes até prejudicam os Estados. Mas essa é uma desvantagem que me parece que o Estado moçambicano está a ver como mínima.

DW África: Na relação entre os dois países existe também um dossier polémico: as dívidas ocultas. O banco russo VTB emprestou 535 milhões de dólares a MAM. A visita do MNE de Moçambique a Rússia também está relacionada a esse dossier, embora nada tenha sido divulgado oficialmente...

Os prós e contras da nova era de relações Moçambique-Rússia

CC: Sem dúvidas, isso é quase que inegável. Mas ainda não há detalhes sobre essa situação, mas os russos podem estar a usar este facto para incrementar a sua posição de parceiro estratégico de Moçambique, não podemos descartar isso. Mas também é bem verdade que nos últimos tempos o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia esteve em Moçambique duas vezes, num momento crucial da política externa russa. Lavrov veio a Moçambique numa altura em que a guerra na Síria estava a atingir o pico em termos de confrontação verbal e violenta no teatro das operações. Então, isso eleva a necessidade de importância que o Estado moçambicano está a dar aos russos e provavelmente a importância que os russos estão a dar a Moçambique. É que neste momento muitas potências estão a circular na zona do índico, incluindo Moçambique, e a Rússia que é uma potência que não tem muito dinheiro para dar, como fazem os outros, tem um capital político que pode ser usado e aproveitado por Moçambique na hora de se proteger contra ambições monopolistas que geralmente andam junto destes projetos lucrativos da indústria dos hidrocarbonetos.

DW África: Referiu-se a visita de Lavrov a Moçambique, onde relativamente ao VTB ficou acordado que isso seria resolvido, faltando apenas acertar detalhes técnicos. Em que medida se pode casar esta abertura da Rússia em negociar a dívida com os interesses da Rosneft em Moçambique?

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Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da RússiaFoto: Getty Images/AFP/J. Makovec

CC: Neste momento é especulação tudo o que pudermos colocar, porque não temos os detalhes técnicos. Teorias podem ajudar-nos a perceber isso: é que a Rússia precisa de Moçambique e vice-versa, se calhar Moçambique precisa mais da Rússia do que o contrário, porque neste momento a Rússia não tem muito dinheiro para investir muito longe das suas fronteiras, principalmente quando sabemos que a Rússia está engajada na Síria e engajada na defesa e proteção da sua integridade territorial  com as ameaças de aproximação da Ucrânia à União Europeia e à NATO. Mas para Moçambique a presença da Rússia é um capital político importante, porque a Rússia é uma potência que tem poder no Conselho de Segurança da ONU. Então, a partir deste circuito todo de interligação de interesses com certeza que a Rússia não quer perder um espaço de influência dentro de Moçambique. Já se sabe que nos próximos anos Moçambique não vai ser a mesma coisa.

 

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