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Para quando uma reforma do Exército moçambicano?

13 de agosto de 2021

Investigador Elísio Macamo diz que é urgente reformar o Exército moçambicano para manter as conquistas na província de Cabo Delgado e garantir o respeito pelos direitos humanos. Mas ainda falta "vontade política".

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Foto: Roberto Paquete/DW

O Exército moçambicano estará devidamente reformado para manter a segurança de Cabo Delgado quando as missões militares estrangeiras deixarem a província? A resposta ainda é uma incógnita, mas já há passos nesse sentido, como, por exemplo, as formações que os EUA e a União Europeia estão a dar às Forças de Defesa e Segurança (FDS).

Contudo, Elísio Macamo, académico da Universidade de Basileia, na Suíça, lembra outros aspetos relativos à reforma das FDS, que avança, são mais "questões políticas" do que propriamente a falta de quadros ou meios.

DW África: Há tempo suficiente até ao fim destas missões militares estrangeiras, mesmo com os seus possíveis prolongamentos, para uma reforma do Exército moçambicano?

Elísio Macamo (EM): Essa é a questão que hoje devíamos estar a discutir. Infelizmente, estamos todos inebriados por estes avanços considerados impressionantes, que foram feitos nas últimas duas semanas. Mas um moçambicano sério, comprometido com a pátria e que valoriza a nossa história – porque houve pessoas que sacrificaram a sua vida para que fôssemos uma nação livre e independente – devia estar mais preocupado em refletir sobre o que significa o facto de mil homens e mulheres de um país pequeno, que cabe trinta vezes no nosso país, terem feito em duas semanas aquilo que nós em quatro anos não fizemos. Nós temos de fazer essa reflexão. Não há tempo para festejar seja o que for. É uma vergonha total para o nosso país. É um desrespeito total pelo nosso hino, à "Pátria amada"…

DW África: A cada dia que passa, a missão ruandesa vai colocando as FDS "no chinelo", como se diz na gíria popular. O exemplo mais recente disso é a aproximação positiva dos militares ruandeses à população, como se pode ver num vídeo que circula nas redes sociais, em que eles ajudam mulheres a pilarem milho. Já o Exército moçambicano sempre foi visto como aquele que quer extorquir e violentar a população…

EM: O problema surge exatamente aí. Numa cultura política como a nossa, em que infelizmente não se dá muita importância à proteção da dignidade individual e em que quem tem autoridade praticamente tem "carta livre" para fazer seja o que for, fica difícil ver se o que os ruandeses estão a fazer hoje é algo que não está ao alcance das nossas forças.

Symbolbild I Militär Ruanda
Tropas ruandesas destacadas em MoçambiqueFoto: Jean Bizimana/REUTERS

Nós temos pessoas decentes nas nossas Forças de Defesa e Segurança, mas a questão é saber se temos mecanismos que promovam essa decência dentro das forças. Tem havido acusações graves de violações de direitos humanos e [deveria mostrar-se claramente] que o Exército não pode ser assim e que está a acontecer alguma coisa ao nível da disciplinarização das nossas Forças de Defesa e Segurança. [Se isso acontecesse,] hoje não diríamos que o que os ruandeses estão a fazer é algo extraordinário. Os ruandeses estão a mostrar as nossas lacunas.

DW África: Acredita que as forças moçambicanas poderão tirar lições junto das missões estrangeiras, principalmente do Ruanda, que nós já conhecemos até agora em termos de valores, princípios e ética?

EM: Isso as nossas forças têm. Nós temos pessoas formadas em grandes academias no mundo inteiro…

DW África: Mas isso não se reflete nos militares hierarquicamente inferiores…

EM: Exatamente. Essa é uma questão política, não é militar. É uma questão que tem a ver com o comandante em chefe e com a importância que ele dá a essas questões. Tem a ver com a preocupação do comandante em chefe em garantir que essas coisas sejam respeitadas em todos os níveis das nossas Forças de Defesa e Segurança. Não foi o Presidente da República que, por exemplo, acusou o bispo de Pemba, quando ele se pronunciou sobre essas coisas? Foi ele. Mas quando é Presidente e comandante em chefe, e ouve esse tipo de acusações, [deve investigar] o que está a acontecer e não começar a discutir com essa pessoa. Então, num ambiente assim, como é que vai ter disciplina dentro do Exército?... Ainda mais com pessoas posicionadas para insultar quem se atreve a levantar uma questão crítica, que tem a ver com a moralização da nossa sociedade, da nossa governação e do nosso aparelho de Estado.

O receio da "iraquização" de Cabo Delgado

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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