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Porque são tão mortíferas as estradas moçambicanas?

7 de julho de 2021

A tragédia na Manhiça trouxe à tona um problema que Moçambique enfrenta há anos: os acidentes de viação. O ativista Alexandre Nhampossa defende "investimentos nas estradas e na capacitação dos automobilistas".

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Acidente rodoviário em Moçambique (foto de 2017)Foto: DW/R. da Silva

Cerca de 32 pessoas perderam a vida, e mais de duas dezenas ficaram feridas, no último sábado (03.07), no distrito da Manhiça, na província de Maputo, num dos mais mortíferos acidentes de viação que Moçambique registou nos últimos 10 anos.

Na sequência, o Governo moçambicano decretou luto nacional de dois dias, que vigora desde esta quarta-feira (07.07), e criou uma comissão de inquérito para apurar as reais causas do sinistro.

Entretanto, o Ministério dos Transportes e Comunicações exonerou esta quarta-feira (07.07), preventivamente, a diretora-geral do Instituto Nacional de Transportes Rodoviários, Ana Simões, e o diretor nacional de Transportes e Segurança, Cláudio Zunguze, enquanto decorrem os trabalhos da comissão de inquérito criada pelo Governo.

Os acidentes de viação são uma das principais causa de mortes em Moçambique. Só em 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), o país registou mais de 2.000 vítimas de acidentes de viação, das quais cerca de 698 perderam a vida, de um total de 1.232 casos de acidentes reportados pela Polícia da República de Moçambique.

Beira: Pesadelo nas estradas

O sinistro da Manhiça está a levantar muitos debates no país. Em entrevista à DW África, o ativista Alexandre Nhampossa, presidente da Associação Moçambicana para as Vítimas da Insegurança Rodoviária (ANVIRO), defende a criação de uma estratégia nacional de prevenção dos acidentes com o cometimento político do Governo.

Nhampossa diz mais: "é preciso investimentos na manutenção das estradas e na qualidade de capacitação dos automobilistas".

DW África: Por que razão as estradas moçambicanas são tão mortíferas?

Alexandre Nhampossa (AN): Há muitos fatores conjugados que, no final, resultam no que temos estado a assistir. Por exemplo, as nossas estradas estão num nível de assistência muito aquém do volume de tráfico que estão a acolher. Os utentes das vias também têm um nível de responsabilidade muito abaixo do que é exigível em determinadas estradas. É normal alguém avariar um camião carregado, abandoná-lo ali por dois, três, quatro dias e não lhe acontecer nada. É normal termos autocarros conduzidos por pessoas que, do ponto de vista da competência técnica, se pode duvidar. É normal encontrar os nossos autocarros cheios de pessoas, mas, entretanto, a sua condição mecânica é muito deplorável. Isto denuncia uma fragilidade de investimentos no setor dos transportes – o que afeta a segurança viária das pessoas.

DW África: Nesse caso, há aqui um fator humano, a capacidade das pessoas em lidar com o transporte público, por exemplo. Há um problema na capacitação técnica dos próprios motoristas que vão transportes passageiros?

AN: Temos que esperar que o inquérito que está em curso nos traga de forma muito objetiva essa questão. Eu não sei se as nossas empresas de transporte têm, por exemplo, planos de formação devidamente aferidos e tecnicamente fiáveis e a funcionarem adequadamente. Porque não tem havido inspeções a esse respeito, que nos tragam resultados para nos confortar nesse aspeto. É mais provável que, de facto, não haja planos de formação, como, eventualmente, temos visto em outras paragens. Por exemplo, os operadores que fazem Moçambique-África do Sul, vemos que há uma diferença na performance. Dá para ver esta diferença.

DW África: Então, do lado moçambicano há um desleixo por parte dos automobilistas?

AN: Admito que, pelo menos no nível de rigor que verificamos noutras praças vizinhas, parece-nos que temos estado com exigências aquém que a atividade do transporte de massas exige.

Mosambik Inhambane - LKW in EN1, die Straße die das ganze Land verbindet
Estrada Nacional 1, principal corredor viário de Moçambique, foi palco do acidente na Manhiça (foto ilustrativa)Foto: DW/R. da Silva

DW África: Há muitos estudos em Moçambique que indicam que há motoristas que não passam por uma formação, mas conseguem adquirir a carta de condução. Isto também não pode estar a contribuir para este índice de acidentes que temos verificado no país?

AN: Naturalmente, isto inquieta-nos e não temos como descartar esta possibilidade.

DW África: Qual seria a solução para reduzir drasticamente os acidentes de viação?

AN: Temos que pôr os planos em dia. Temos a Política Nacional de Segurança Rodoviária aprovada, [agora] tem que se implementar, tem que haver investimentos, tem que haver envolvimento de vários setores. Portanto, uma estratégia multidisciplinar, verdadeiramente, com um comprometimento muito elevado.

DW África: Como a associação tem estado a lidar com a assistência às vítimas dos acidentes de viação em Moçambique?

AN: Essa assistência é muito precária em Moçambique, é bom que se diga isso. Até onde sabemos, o país não tem um sistema formal de mitigação dos efeitos dos acidentes de viação, do ponto de vista da componente humana ou sob o ponto de vista de indemnização das vítimas. Só para se ter uma ideia: o país não tem, por exemplo, um Fundo Nacional de Acidentes. Esta é uma plataforma que muito países – incluindo países da região – usam para mitigar situações não só catastróficas, como aquela da Manhiça, mas situações, por exemplo, em que uma viatura não tenha seguro [se envolve num acidente] com danos humanos. Pior do que isso é, por exemplo, a apólice do seguro. Este documento tem capital assegurado para a responsabilidade civil, mas não quer dizer que todo o capital assegurado vai indemnizar as vítimas. Normalmente, é uma parte pequena. O resto do valor vai para património, custos com terceiros etc.