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RDC: Governador de Ituri pede ajuda para travar genocídio

Fred Muvunyi | mc
4 de junho de 2020

Jean Bamanisa Saidi, governador da província de Ituri, no nordeste da República Democrática do Congo, disse à DW que convocou tropas internacionais para a região onde milhares de pessoas foram mortas por milícias.

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DR Kongo UN-Soldaten in Djugu-Territorium | Ituri-Provinz nach Unruhen
Foto: AFP/S. Tounsi

Só na última na terça-feira (02.06), foram mortos "por facas ou tiros" 16 civis, sendo "quatro homens, sete mulheres e cinco crianças com menos de cinco anos" na província de Ituri, no leste da República Democrática do Congo (RDC). A informação foi dada à agência de notícias France Press pelo administrador do território de Djugu, Adel Alingi, e confirmada por uma fonte da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO).

Desde abril que o número de deslocados de Ituri aumentou para 200.000. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) salientou esta quinta-feira (04.06), em comunicado, que a RDC ocupa já o segundo lugar, a seguir à Síria, em número de deslocados no interior das suas fronteiras e apela "às organizações nacionais e internacionais" para intensificarem a assistência a essas pessoas.

Desde o início de março, cerca de 300 pessoas morreram como consequência da constante violência na província de Ituri. Jean Bamanisa Saidi, governador da instável região, descreveu os assassinatos como genocídio. "Isto tem de acabar no nosso país", afirmou o governador.

"Estima-se que mais de 4.000 pessoas foram brutalmente massacradas desde 2017", assegurou Saidi em entrevista exclusiva à DW. "Entre 1999 e 2003, estiveram aqui tropas internacionais como os soldados da Operação Artemis e da MONUSCO". Nessa altura, houve detenções que levaram ao fim dos crimes".

Mas o problema não foi totalmente resolvido, adianta o político congolês: "Infelizmente a MONUSCO já não tem mandato para intervir, apenas para observar. Precisamos de uma solução que resolva o problema a longo prazo e permita a coexistência pacífica em Ituri".

Kongo | Flüchtlinge in Ituri
Refugiados de IturiFoto: imago-images/Xinhua/A. Uyakani

Alertas contra genocído

Thomas Lubanga pode não parecer a pessoa de contacto ideal para questões de direitos humanos. Foi um dos líderes das milícias nos combates sangrentos que abalaram a província de Ituri, no leste da RDC, entre 1999 e 2003. Acaba de cumprir uma pena de 14 anos de prisão, imposta pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por recrutamento de menores.

Ironicamente, Lubanga está agora a manifestar-se contra uma nova onda de violência na RDC protagonizada pelo grupo miliciano CODECO. Desde março, os membros da Cooperativa para o Desenvolvimento do Congo (CODECO) terão morto cerca de 300 pessoas na província de Ituri. Segundo as Nações Unidas, 200.000 pessoas encontram-se em fuga da CODECO.

"O que eles estão a fazer no Congo (RDC) pode ser chamado de genocídio", denuncia à DW Thomas Lubanga, que vê um antigo conflito a ser reacendido. "A tragédia que aconteceu entre 1999 e 2003 ainda não foi fundamentalmente reavaliada, de forma a que posamos compreender o que aconteceu e assim travar finalmente o conflito".

Os assassinatos de Ituri são um dos capítulos mais cruéis da história da conflituosa RDC oriental. Em poucos anos, dezenas de milhares de pessoas foram mortas e outras centenas de milhares fugiram. As fronteiras foram traçadas segundo linhas étnicas e os ativistas de direitos humanos alertaram para o genocídio. Agora, os mesmos grupos voltam a confrontar-se. Muitos observadores no Congo assistem a uma nova edição do antigo conflito.

DR Kongo Präsident Felix Tshiszkedi
Félix Tshisekedi na província de Ituri, em junho de 2019Foto: Presidence RDC/Felix Tshiszkedi

Origem da CODECO

CODECO significa "Cooperativa para o Desenvolvimento do Congo" - um nome que não soa a declaração de guerra. "A CODECO era originalmente uma cooperativa agrícola fundada na era zairense como CODEZA", explica à DW Christoph Vogel, analista político e de segurança da RDC.

Segundo Vogel, que acompanha de perto as práticas de vários grupos rebeldes na região, no anterior conflito do Ituri, a organização já tinha dado nas vistas devido à sua proximidade com a milícia FRPI, que, em aliança com outros grupos, levou a cabo massacres do grupo étnico Lendu. Mas durante muito tempo, não se ouviu falar muito da CODECO.

Atualmente, as suas hierarquias e financiadores são difíceis de entender para o mundo exterior. "A CODECO é uma estrutura sem cabeça nem cauda que está constantemente a redefinir-se", explica à DW Jean Bamanisa Saidi, governador da província de Ituri.

Para as populações locais que querem ganhar influência, é, portanto, fácil recrutar e utilizar uma milícia para os seus próprios objetivos políticos. "Há quem pense que, se manipular um grupo armado, consegue sentar-se à mesa para negociar cargos", esclarece o governador, sem mencionar nomes.

DR Kongo UN-Soldaten in Djugu-Territorium | Ituri-Provinz nach Unruhen
Patrulha da MONUSCO na regiãoFoto: AFP/S. Tounsi

Jogos de paz

Uma resolução de conflitos eficaz passa também por aprender com erros do passado, defende Christoph Vogel, especialista do Congo. O eurodeputado apelou a um "plano sustentável e razoável" para a reintegração dos combatentes, que vá mais longe do que antes.

Os programas executados pelo Governo em cooperação com os doadores internacionais e com as Nações Unidas têm sido muito dispendiosos. No entanto, o que faltava era que os combatentes fossem, na maioria dos casos, retirados dos grupos armados, mas sem serem plenamente reintegrados na sociedade e lhes fosse dado emprego.

As rixas entre as comunidades étnicas, que cresceram nos conflitos do passado, também têm de ser ultrapassadas. O Presidente da RDC, Felix Tshisekedi, que está no poder há quase um ano e meio, trouxe Germain Katanga e Floribert Ndjabu - dois líderes das milícias "Lendu” da guerra do Ituri na viragem do milénio - para ajudar a resolver o conflito.

Christoph Vogel analisa isto de forma ambivalente: "Por um lado, é indiscutível que os grandes ‘puxadores de cordas' - seja o Lubanga ou o Katanga - ainda têm redes que funcionam bem com os grupos armados, na política e nos negócios. Por outro lado, nunca se pode dizer exatamente quais os interesses que eles têm por trás".

Combates paralelos

Os observadores e os políticos concordam que os atuais enredos exigem uma abordagem abrangente, que se concentre tanto nas estruturas locais como nas inter-relações globais. O Governador Jean Bamanisa Saidi aponta para um comércio ativo de armas através do vizinho Uganda. "Há também pessoas que atravessam a fronteira e que vêm aqui dar cursos sobre o terrorismo. Porque o que acontece aqui é terrorismo. Mas, por vezes, as pessoas também são aqui contratadas para executarem ataques semelhantes no Uganda".

Vogel notou que noutras crises - por exemplo, no Kivu do Norte em torno da cidade de Beni ou na região de Masisi - também se reacenderam. Ao mesmo tempo, referiu-se a um "combate de boxe político fantasma" na capital Kinshasa, entre o governo de Tshisekedi e uma coligação que apoia o ex-presidente Joseph Kabila.

"Há muita guerra de trincheiras, os políticos preocupam-se sobretudo consigo próprios e com os seus respetivos adversários". Em termos de resolução de conflitos no leste do Congo, não aconteceu grande coisa, exceto no que se refere às operações militares", afirmou.

À DW, o Governador Saidi apelou a novas tropas internacionais para ajudar o povo Ituri a sair da situação difícil. No entanto, os soldados por si só dificilmente serão suficientes para trazer uma paz duradoura ao leste do Congo.