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CorrupçãoSão Tomé e Príncipe

Ex-ministro diz que suposta "dívida oculta" foi esclarecida

27 de abril de 2022

Ex-ministro das Finanças são-tomense diz que é "falsa" a história sobre uma "dívida oculta" no país. Site questionou onde estão 20 dos 30 milhões de dólares de um crédito concedido a São Tomé por empresa sino-angolana.

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Foto: Xie Zhengyi/dpa/picture alliance

Segundo Américo Ramos, a "história falsa de 2019" trazida de novo a público pelo site "Maka Angola", dirigido pelo jornalista Rafael Marques, faz parte de uma propaganda contra si e o presidente do seu partido, Patrice Trovoada.

Numa carta aberta enviada à DW África, o secretário-geral da Ação Democrática Independente (ADI), principal partido da oposição são-tomense, escreve que a investigação se trata de "perseguição política" quando faltam cinco meses para a realização de eleições legislativas no país.

O artigo publicado na semana passada pelo "Maka Angola" revelava os meandros de um acordo de crédito de 30 milhões de dólares entre a empresa China International Fund (CIF) e o Governo são-tomense, quando Patrice Trovoada era primeiro-ministro. De acordo com o site, 20 milhões de dólares terão "desaparecido" no processo.

Antigo primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada
Ex-primeiro-ministro Patrice Trovoada não comenta o casoFoto: J. Carlos/DW

"Compreende-se que houve aqui um esquema qualquer para o descaminho dos 20 milhões de dólares, que até agora ninguém consegue explicar", afirmou Rafael Marques em declarações à DW África, na sexta-feira passada (22.04).

Na carta aberta de cinco páginas endereçada ao jornalista e ativista angolano, Américo Ramos, ex-ministro das Finanças no Governo de Patrice Trovoada, sustenta que a história "já foi devidamente esclarecida".  

"O tal alegado processo foi investigado nos vários países, incluindo Angola", e, frisa Ramos, "não foi encontrado qualquer indício de corrupção".

Afinal, para onde foi o dinheiro?

O analista são-tomense Danilo Salvaterra comenta, no entanto, que este caso é preocupante. "Nós não sabemos qual foi o desfecho dos restantes 20 milhões [de dólares]. Uma vez que 10 milhões foram transferidos para uma conta do Banco Central na Caixa Geral de Depósitos [em Portugal], importa saber o desfecho. Se não for assim, estamos sempre na presença de suspeitas", diz Salvaterra em entrevista à DW África.

Analista são-tomense, Danilo Salvaterra
Danilo Salvaterra: "Os próprios envolvidos deveriam exigir esta clarificação"Foto: J. Carlos/DW

O processo já foi arquivado pelo Ministério Público são-tomense, mas o analista defende uma nova investigação porque estão em causa detentores de cargos públicos. 

"Faria todo o sentido que o Ministério Público procurasse todas as verdades, para que nós, são-tomenses, possamos saber, de facto, o que se passou. Acho que os próprios envolvidos deveriam exigir esta clarificação para que os seus nomes fiquem limpos de uma vez por todas."

Porque é que o caso foi arquivado?

Danilo Salvaterra lamenta o arquivamento deste e de outro processo, referente a 17 milhões de dólares do Fundo Kuwait. 

"Estes dois processos foram subscritos sem o parecer da Assembleia [da República]. Isso não foi discutido na Assembleia. A minha questão, que acho que nesta altura deveria estar a preocupar todos os são-tomenses, é o porquê desse arquivamento."

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Contactados pela DW África, tanto Américo Ramos como Patrice Trovoada recusaram categoricamente gravar uma reação, no exercício do direito de resposta.

Numa entrevista recente que Trovoada concedeu à DW África, o reeleito líder da ADI criticou o mau funcionamento da Justiça em São Tomé e Príncipe e lamentou a detenção preventiva, em 2019, de Américo Ramos, supostamente no âmbito do caso da China International Fund.

"Quando nós saímos do poder, tivemos todo um período de perseguição política que levou até à prisão espetacular, no meio da rua, com aparato policial, do ex-ministro das Finanças, que na altura era assessor do senhor Presidente da República [Evaristo Carvalho], sem mandado do Ministério Público", disse Patrice Trovoada.

Segundo o ex-primeiro-ministro, "houve outras perseguições, outras situações. Houve um Governo que disse no Conselho de Ministros que retirava a confiança política ao Ministério Público. Nunca vi isso. Nós continuamos com uma dose de politização da Justiça."

É preciso reabrir os processos?

Na carta aberta ao "Maka Angola", Américo Ramos também critica a Justiça são-tomense a propósito da sua prisão, considerada ilegal, juntamente com Carlos Vila Nova, que viria a ser eleito Presidente da República, em 2021, com 57% dos votos. 

O ex-ministro das Finanças diz que foi humilhado ao ter sido "detido por ordens superiores" e que só voltou a ter liberdade, depois da detenção de três meses, "por pressão da comunidade internacional e da sociedade civil". Explica que o Ministério Público nunca conseguiu a sua libertação "devido a uma Justiça corrompida". 

No documento, Ramos aponta ainda o dedo à governação de Jorge Bom Jesus e questiona o destino dado aos "45 milhões de dólares que o país recebeu no âmbito do combate à Covid-19", bem como os milhões destinados à recuperação de infraestruturas, entre as quais estradas e o hospital central em estado de degradação. 

Direção das Finanças em São Tomé e Príncipe
Segundo revelou o jornalista Rafael Marques, as autoridades são-tomenses ainda não conseguiram registar o dinheiro do empréstimo, porque não sabem quem é o credorFoto: J. Carlos/DW

Elias Costa, ativista político independente atento aos casos de corrupção em São Tomé e Príncipe, aponta neste processo quatro possíveis ocorrências de crimes puníveis por lei.   

"A primeira ocorreu quando Patrice Trovoada autorizou Américo Ramos a assinar o acordo do empréstimo sem qualquer aval do Conselho de Ministros. Trata-se de um crime punível por lei. A segunda ocorreu quando Patrice Trovoada e Américo Ramos ignoraram a Assembleia Nacional nesse processo de aquisição de financiamento externo." 

O terceiro possível crime, refere o analista são-tomense, prende-se com a certificação de Patrice Trovoada como proprietário de embarcações adquiridas com fundos do Estado. E "a quarta situação deu-se com o desaparecimento dos restantes 20 milhões de dólares americanos do financiamento", acrescenta. 

"Esses crimes não podem prescrever", apela Elias Costa. "As provas existem e outras referentes ao paradeiro dos 20 milhões de dólares poderão aparecer com a colaboração das autoridades judiciais angolanas."

O analista lembra o arquivamento pelo Ministério Público são-tomense dos processos relativos a Carlos Vila Nova e Américo Ramos, mas é de opinião que "as responsabilidades de Patrice Trovoada ainda estão por apurar".

"Pelo bem da transparência e da boa imagem do Estado são-tomense, todo o processo deve ser reaberto e revisto", diz. 

"É preciso que medidas sérias sejam tomadas para evitar que o Fundo Monetário Internacional (FMI) sancione São Tomé e Príncipe, tal como fez com Moçambique", avisa Costa. "Se isso acontecer, São Tomé e Príncipe cai na bancarrota total".

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