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Guiné-Bissau: O presidente mais jovem do Tribunal de Contas

Iancuba Dansó (Bissau)
30 de julho de 2021

Por vontade do pai, poderia ter sido mestre corânico, mas acabou por estudar Direito e assumir as rédeas do Tribunal de Contas, aos 34 anos. A DW África foi conhecer o presidente mais novo da história da instituição.

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Amadu Tidjane Baldé na Faculdade de Direito de Lisboa.Foto: privat

Nomeado pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló, Amadu Tidjane Baldé ocupa o gabinete da presidência do Tribunal de Contas da Guiné-Bissau desde quarta-feira (28.07) e encara os novos desafios com otimismo. É o 13º presidente da história da instituição - e o mais jovem entre eles.

Nascido em Bissau e de origem muçulmana, Tidjane Baldé falou em exclusivo à DW África sobre a sua infância, quando correu o risco de não frequentar a escola. "O meu pai queria que eu fosse estudar o Corão", revela. Foi uma vizinha que convenceu o pai a não enviar Amadu Tidjane Baldé para fora do país, "porque antes de começar a ir à escola, entre os seis e os sete anos, já conseguia ler e escrever".

"Havia muita resistência do meu pai, mas a minha vizinha, que ainda está viva, chama-se Tia Mamã, bateu o pé até o meu pai ficar convencido e deixar-me ir à escola. Depois, o meu pai disse-lhe: 'Fica com o Tidjane, é teu'. Se não fosse isso, talvez eu fosse um mestre corânico", conta. "Com todo o gosto", acrescenta.

O novo presidente do Tribunal de Contas diz que a sua infância foi diferente, por ter lidado apenas com pessoas mais velhas, o que, considera, permitiu-lhe acumular experiências.

Fã de leitura desde criança, viu-se obrigado pelo pai a "ficar no meio da guerra" para continuar a estudar. "Foi aquando do conflito político militar de 7 de junho [entre 1998 e 1999]. O meu pai fez uma coisa: a minha mãe e os meus irmãos refugiaram-se e ele disse que eu ia ficar. Estava a estudar a sétima e ia para a oitava classe. Ficou comigo cá em Bissau, eu não fui a nenhum sítio, só à espera da cessação das hostilidades e da retoma das aulas, para eu poder continuar, porque ele achava que eu não devia ir e fiquei para não abandonar a escola".

Guinea-Bissau Amadu Tidjane Baldé, Präsident des Rechnungshofs
Tidjane Bald: "Eu encaro como um ato de renovação, de transição geracional" Foto: Iancuba Dansó/DW

Uma surpresa para o mestrando de Direito

O novo presidente do Tribunal de Contas passou como administrador pela Faculdade de Direito de Bissau e ganhou um concurso lançado por esta instituição, na qual terminaria a licenciatura em 2010.

Mas Amadu Tidjane Baldé confessa que esta não era a sua preferência: "Não é muito conhecido, o Euclides - foi o meu impulsionador, desde muito cedo. Não sei porque razão, andava atrás de mim. Foi a pessoa que mostrou a Faculdade de Direito de Bissau, me levou e obrigou-me a inscrever-me. Eu queria era fazer Economia, fazer Direito nunca foi a minha intenção. O Euclides foi uma pessoa muito presente na minha vida e ajudou-me bastante a ser o que sou hoje".  

Os pais morreram em 2014. Amadu Tidjane Baldé ficou em Bissau para cuidar dos irmãos e teve de adiar a continuação dos estudos na universidade. Por isso, o novo presidente de Tribunal de Contas da Guiné-Bissau está agora a frequentar um curso de mestrado em Direito, na Universidade de Lisboa.

Tidjane Baldé é casado e pai de dois filhos. Antes das novas funções, foi assessor jurídico do Tribunal de Contas, diretor de Departamento de Fiscalização Prévia e chefe do gabinete do secretário de Estado da Energia. 

Aos 34 anos, assume a direção do órgão fiscalizador das contas públicas. O conselheiro presidente diz que foi uma surpresa receber o convite para ocupar as novas funções: "Encaro a função com total naturalidade e estou mesmo tranquilo. Sou novo, claro, sei que é um caso raro - uma pessoa com 34 anos de idade assumir uma função de relevo como esta no nosso país - mas estou tranquilo e encaro a função com uma certa naturalidade".

Desafios de um tribunal sem casos julgados em 30 anos

O novo titular afirma que há ainda muita coisa por fazer na instituição: "O meu antecessor fez muita coisa para a elevação e afirmação do Tribunal de Contas, mas há ainda muito por fazer. Há mais por fazer para a afirmação do Tribunal de Contas como um verdadeiro Tribunal, que é não falhar com um compromisso legal".

Esse compromisso é julgar. Perto de completar 30 anos, desde que foi criado, em novembro de 1992, o Tribunal de Contas nunca julgou um caso.

Manifestação de estudantes guineenses

"Há um compromisso que tem falhado, o de julgar e efetivar a responsabilidade financeira dos gestores do dinheiro público, sempre que cometam alguma falha. O Tribunal não pode falhar esse compromisso, ainda não temos casos de julgamento, já vamos completar 30 anos de existência sem que houvesse julgamento de um único caso", frisa o novo presidente.

"O Tribunal tem que ter a ambição de julgar, mas, para isso, a acusação tem que vir do Ministério Público, que deve fazer a promoção processual, através dos relatórios do Tribunal de Contas, porque, se não, corremos o risco de os processos virem a prescrever, porque também há um prazo de prescrição", explica.

Com "maturidade" jovens podem assumir "funções de relevo"

Amadu Tidjane Baldé promete atuar com base no plano estratégico quinquenal que define e orienta a atuação do Tribunal de Contas, mas reconhece que, para executar as tarefas previstas, é preciso o cumprimento das leis.

Baldé considera também que a sua nomeação é um incentivo aos jovens. "Eu encaro como um ato de renovação, de transição geracional. Criou-me uma certa expetativa e esperança na juventude guineense", sublinha.

"Nós, jovens, temos que trabalhar, fortificar as nossas bases técnicas e científicas, para podermos estar à altura de assumir funções de relevo no Estado. Não é questão de idade, é questão de termos maturidade técnica, maturidade intelectual e mínimo de responsabilidade, sentido de responsabilidade e sentido de interesse público. Tendo isso, os mais velhos não hesitarão em passar testemunho aos mais jovens. O mais importante é ter ferramentas necessárias para exercer as funções".

Como os jovens africanos imaginam o seu futuro?

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