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Tragédia em Lampedusa reacende críticas à política de refugiados da UE

Correia da Silva, Guilherme7 de outubro de 2013

O naufrágio em Lampedusa, no dia 3 de outubro, reacendeu as críticas à política de refugiados da UE. Esta política está a matar pessoas, alertam os críticos. Até agora já foram encontrados 194 corpos depois do acidente.

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Com 15 anos, François Romeo Ntamag e o irmão mais velho deixaram os Camarões e puseram-se a caminho da Europa. Era o ano de 2003. "Passámos por vários países africanos até que chegámos à fronteira entre Marrocos e Espanha", conta o jovem.

A viagem durara dois anos. Na fronteira, Ntamag e o irmão foram presos no dia em que mais de 10 mil pessoas queriam entrar em Espanha socorrendo-se de escadotes e tentando passar pelo arame farpado de mãos nuas. Os guardas fronteiriços mataram 14 pessoas.

"Fomos deportados para o deserto entre a Argélia e o Mali. Aí morreram mais de mil pessoas. Foi quase um milagre termos conseguido chegar à fronteira maliana", explica François.

"A introdução do visto obrigatório teve consequências catastróficas"

Em meados de 2006, Ntamag e o irmão chegaram a Bamako. Ntamag conta que ambos tiveram de viver nas ruas e pedir dinheiro aos passantes. Quem vem da África subsaariana para a Europa precisa de ter um visto. É assim desde que o acordo Schengen entrou em vigor - um acordo que abriu as fronteiras dentro da União Europeia.

Mas segundo Martin Glasenapp, da ONG Médico International, "a introdução do visto obrigatório teve consequências catastróficas para as sociedades na África Ocidental". Explica que antes "as pessoas trabalhavam dois ou três meses em França - na indústria automóvel, por exemplo - antes de regressarem".

Hoje, é-lhes quase impossível vir legalmente para a Europa, diz Glasenapp. Actualmente há seis milhões de imigrantes ilegais na Europa, estima a Médico International.

Reunião em Luxemburgo para debater o tema da migração

A pedido de Itália, que enfrenta um afluxo excepcional de imigrantes (30.000 desde o início do ano, quatro vezes mais do que em 2012), o tema da imigração vai ser debatido esta terça-feira (08.10) numa reunião dos ministros europeus do Interior, no Luxemburgo. E nesta quarta-feira (09.10), o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, vai visitar a ilha de Lampedusa para "prestar homenagem às vítimas e expressar solidariedade e gratidão ao povo de Lampedusa".

Em comunicado, Durão Barroso disse que a Comissão Europeia, "no âmbito das suas competências, está a trabalhar em medidas e ações concretas", sem especificar quais.

Quatro dias depois do naufrágio, as buscas para encontrar os corpos continuam. Por enquanto, as autoridades recuperaram 194 corpos mas teme-se que a tragédia tenha feito mais de 300 mortos. Recorde-se que a catástrofe suscitou várias reações no seio da UE. O Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, apelou nomeadamente o governo alemão para acolher mais refugiados.

Entretanto, a ministra italiana da Integração, Cécile Kyenge, anunciou a realização para breve de uma reunião para alterar uma lei italiana que considera "suspeitos todos os imigrantes clandestinos". Em visita a Lampedusa, a ministra também solicitou uma ajuda da Europa porque "não vamos conseguir sair sózinhos desta tragédia. Devemos encontrar respostas para as pessoas que vêm para aqui à procura de ajuda".

Segundo a malasiana Irene Fernandez, Prémio Nobel Alternativo de 2005, "esta situação vai continuar" enquanto o caos estiver instalado em alguns países africanos. E acrescenta que "os imigrantes se sentem forçados a deixar as suas casas devido às economias falhadas e às desigualdades. Esta é uma consequência indesejada da globalização: as empresas exploram o trabalho barato para aumentar os lucros", afirma a malasiana.

Tentativas de controlar a migração

Frequentemente, as organizações que promovem o desenvolvimento tentam criar oportunidades a nível local também para fazer com que as pessoas não se sintam tão tentadas a deixar o país. Mas, segundo Martin Glasenapp, da Médico International também acontece que, "quando os rendimentos aumentam, a migração também aumenta", afirmam alguns estudos.

"Sem dinheiro, as pessoas não podem ir embora. Com algum dinheiro, podem poupar e tentar sair do país".

A União Europeia assinou acordos com a Argélia, Marrocos, Tunísia e Líbia para que os Estados do Norte de África reforçassem as fronteiras, com o objectivo de limitar o fluxo de migrantes para a Europa. François Romeo Ntamag crítica que "Marrocos e a Argélia tornaram-se agentes da polícia para a União Europeia".

Em Bamako, a capital do Mali, Ntamag tem agora uma organização que presta ajuda aos migrantes que a União Europeia mandou de volta ou expulsou. Ntamag pede à Europa para acabar com as detenções de migrantes, "porque isso vai contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos", diz.