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Uganda acompanha processo contra Ongwen no TPI

Simone Schlindwein | mjp
16 de janeiro de 2017

O julgamento contra o comandante rebelde ugandês do Exército de Resistência do Senhor, Dominic Ongwen, é retomado esta segunda-feira, em Haia. No Uganda, os sentimentos dividem-se quanto ao processo.

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Foto: picture alliance picture alliance/dpa/M. Kooren dpa/P. Dejong

A vida em Gulu, no norte do Uganda, voltou à normalidade nos últimos dez anos, desde que o Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês) fugiu para os países vizinhos. Constroem-se e reparam-se estradas, as lojas estão abertas e os serviços bancários estão operacionais.

A guerra e as atrocidades do LRA, conhecido como a milícia mais brutal de África, parecem ser algo do passado. Mas, em Gulu, o julgamento de Dominic Ongwen em Haia, esta segunda-feira (16.01), pode reabrir feridas antigas. Ongwen, um dos primeiros líderes do LRA, é acusado de 70 crimes de guerra e contra a humanidade.

Vítima ou autor dos crimes?

Sentado num banco de escola, ao lado de alguns dos seus alunos, está Alexander Ochen. À semelhança de Ongwen, o professor de 47 anos foi uma das muitas pessoas sequestradas e recrutadas à força pelo LRA, e tornou-se comandante na milícia.

"Alguns foram obrigados a fazer o que fizemos", diz Ochen. Alguém que recusasse cumprir ordens para raptar crianças podia sofrer consequências, acrescenta: "Eu vivi isso na pele. Muitos dos que foram raptados, foram assassinados".

Uganda Daily Monitor LRA Kommandeur Dominic Ongwen 07.01.2015
Dominic Ongwen é acusado de crimes de guerra e contra a humanidade. Entregou-se em janeiro de 2015Foto: I. Kasamani/AFP/Getty Images

Dominic Ongwen foi recrutado aos 14 anos pela LRA, mas, segundo os procuradores do Tribunal Penal Internacional (TPI), "foi promovido rapidamente pela sua lealdade e ferocidade". Terá então recrutado crianças e conduzido ou ordenado ataques "sistemáticos e generalizados" contra civis. Em dezembro, no início do julgamento em Haia, Ongwen declarou-se, porém, inocente, afirmando ter sido uma das vítimas da milícia.

Apelo ao perdão

Ochen conhece bem Dominic Ongwen e critica o processo a decorrer no TPI: "Sei que é preciso haver justiça, mas o processo envia um sinal errado", afirma. "Sempre rezei para que houvesse uma amnistia e um sistema de justiça comunitária que pusesse as vítimas e os criminosos frente a frente. Isto poderia fazer avançar o processo de reconciliação."

O Governo ugandês concedeu amnistia a milhares de antigos membros do LRA que estão agora a tentar integrar-se na sociedade. Alexander Ochen é um deles.

Uganda acompanha processo contra Dominic Ongwen no TPI

"Um dia encontrei um rapaz que tinha sido raptado", conta Ochen. "Ele reconheceu-me num mercado. Estava com a mãe, e gritou: 'olha, este é o homem que matou pessoas na nossa aldeia'. Foi duro. Ajoelhei-me para pedir perdão. Na realidade, foi uma unidade de crianças-soldado que eu liderava que queimou pessoas nas suas casas. A mãe do rapaz estava em lágrimas. Perdoou-me e tornámo-nos amigos. Até me ofereceu dois frangos."

No norte do Uganda, muitas pessoas acreditam que um julgamento comunitário poderia contribuir mais para sarar as feridas do que um processo à distância, no Tribunal Penal Internacional.

Esperança numa vida normal

"Não me interesso por este processo", diz Margaret Aciro, mãe de três filhos. Os rebeldes do LRA cortaram-lhe os lábios e o nariz. Hoje em dia, raramente se mostra em público. "Talvez venha a sentir que se fez justiça se receber algum tipo de indemnização, para voltar a ter uma vida normal."

Se Ongwen for condenado em Haia, as vítimas terão direito a indemnizações. Mas isso poderá levar algum tempo.

De acordo com as Nações Unidas, o Exército da Resistência do Senhor massacrou mais de 100 mil pessoas e raptou mais de 60 mil crianças.