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Uma peça sobre as crianças da Namíbia que viveram na RDA

Daniel Pelz / mjp14 de junho de 2016

É uma história que muitos esquecem. No início dos anos 80, 400 crianças da Namíbia foram levadas para um castelo na ex-Alemanha de Leste. Uma peça de teatro lembra os eventos da altura, longe de um "conto de fadas".

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Foto: Theater Osnabrück/U.Lewandowski

Em palco: a peça das suas vidas. Seis anos resumidos numa hora e 45 minutos. Na plateia está Monica Nambelela, de 37 anos. Nascida em plena guerra no que era então o Sudoeste Africano, cresceu na República Democrática da Alemanha (RDA) e regressou depois à Namíbia. Refere-se a si mesma como uma criança da Alemanha de Leste. Até hoje.

"Há uma altura em que as emoções vêm à tona. Por um lado, alegramo-nos com aqueles que conseguiram superar os desafios do destino. Por outro, lembramos aqueles que, face a tanta brutalidade, não conseguiram aguentar", diz Monica. A sua voz diminui de intensidade e o seu olhar volta-se para o palco do teatro de Güstrow. A pequena cidade no nordeste da Alemanha fica a 20 minutos do castelo de Bellin, onde ela e outras crianças namibianas cresceram.

No palco ouve-se o som de tiros e os atores caem ao chão com o flash dos holofotes. A peça fala do 4 de maio de 1978. Militares sul-africanos atacam o campo de refugiados de Cassinga, em Angola. Foi aqui que milhares de namibianos procuraram abrigo depois de abandonarem o seu país, onde o exército da Organização do Povo do Sudoeste Africano (SWAPO) lutava pela independência.

Dança na neve

Após o ataque, a SWAPO e o Governo da República Democrática da Alemanha fizeram um pacto: Cerca de 400 crianças, filhas de combatentes do movimento de libertação da Namíbia, foram levadas para a RDA. Monica Nambelela era uma delas. Chegou à República Democrática da Alemanha em 1984.

Schloss Bellin bei Güstrow Jagdschloss
O castelo de Bellin acolheu as crianças da Namíbia nos tempos da RDAFoto: picture-alliance/dpa/B.Wüstneck

Em palco, as meninas vestem fatos de treino vermelhos, os meninos estão de azul. Dançam na neve artificial. Bellin parece ser um paraíso em comparação com as condições no campo de refugiados: "Quando se é criança, é preciso tempo para processar isto: Vens de um campo de refugiados e nunca sabes quando é a tua próxima refeição e, de repente, estás sentada à mesa e há tanta comida", lembra Monica. "Leva algum tempo até perceberes que ainda vai haver comida amanhã."

O público assiste ao dia-a-dia das crianças. Fazem a cama, limpam os sapatos, escovam os dentes. Moram no castelo de Bellin sob uma rígida educação socialista. Alguns educadores terão mesmo agredido as crianças brutalmente. O uniforme da juventude da RDA substituiu o fato de treino. Ouviam-se com frequência gritos de "Viva a SWAPO" ou "Independência ou morte".

Futura elite da Namíbia

O destino destas crianças era trabalhar no futuro Estado socialista da Namíbia, mas isso não chegou a materializar-se. "Estas crianças eram um projeto", explica Marie Senf, dramaturga do teatro de Osnabrück. "Acredito que foi algo feito com muito amor pelos educadores, mas, em última análise, as crianças tinham um propósito que, subitamente, desapareceu. Não havia mais uso para elas, porque a história do mundo se alterou."

Senf conta a história destes rapazes e raparigas na peça "Oshi-Alemão - as crianças da Namíbia na RDA". Oshi-alemão era a língua falada por elas: uma mistura de oshivambo e alemão. Os encenadores entrevistaram várias testemunhas: crianças, educadores e funcionários. Tudo o que é dito em palco baseia-se em entrevistas, discursos ou documentos.

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Em palco está também a peça da sua vida: Irmgard Kaltofen, de 81 anos, foi durante 10 anos professora no castelo de Bellin. Agora, está sentada na plateia. Mas não concorda com tudo o que é contado em cena. "Há coisas que não eram assim", afirma Kaltofen.

História não se esquece

Volta e meia, a antiga professora agarra a asa da mala. Há coisas que não esquecerá. Por exemplo, quando uma educadora espanca as crianças. Irmgard Kaltofen só ficou a saber da história com esta peça de teatro: "Estive toda a noite a pensar nela. Era uma governanta correta, com muita disciplina. Mas nunca pensámos que pudesse chegar a este ponto."

No palco, a mudança: as crianças fazem as malas. Estamos em 1990, ano da reunificação da Alemanha. A Namíbia é independente e o socialismo colapsou. As crianças namibianas são obrigadas a voltar ao país de origem porque o "projeto" já não faz sentido na nova realidade alemã. Algumas esqueceram-se da língua materna. Muitas vão para orfanatos ou são adotadas. Os seus pais morreram, desapareceram ou recusaram recebê-los de volta.

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A peça de teatro estará também em cena na NamíbiaFoto: Theater Osnabrück/U.Lewandowski

Sabrina Kaulinge, de 18 anos, vem da Namíbia e interpreta uma das crianças nesta peça.

Os seus pais viveram na RDA, mas nunca falaram sobre a infância: "Se os meus pais me tivessem dito que cresceram num castelo, eu teria pensado 'que vida maravilhosa', mas não foi assim. Tiveram de voltar para um país onde não sabiam quem os ia buscar nem para onde iriam."

No palco, a peça das vidas de Monica Nambelela, Irmgard Kaltofen e dos pais de Sabrina Kaulinge chega ao fim. O público deixa a sala. "Não chegámos a uma conclusão. Foi um projeto bom ou mau? Tudo tem duas facetas", diz a dramaturga Marie Senf.

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