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África do Sul redescobre a cerveja caseira

Jana Genth
15 de maio de 2020

Para travar a violência, doméstica e outra, a África do Sul proibiu a venda de álcool durante o confinamento para conter a pandemia. O fabrico caseiro de cerveja disparou.

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Foto: DW/K. Welter Beer

O recolher obrigatório na África do Sul é e continua a ser um dos mais rigorosos do mundo. Há mais de seis semanas que, entre muitas outras medidas, não pode ser vendido álcool. A África do Sul é um dos países com mais elevado consumo de álcool. Estatisticamente, os sul-africanos bebem três vezes mas do que os alemães.

Mas uma vez que a cerveja, o brandy, o gin e o vinho já não estão disponíveis e os stocks em casa estão esgotados, muitas pessoas fabricam agora as suas próprias bebidas alcoólicas.

Apiwe Nxusani-Mawela diz que quem sentir falta da habitual cervejinha à noite, do vinhos partilhado com amigos ou do golinho de gin ou brandy bebido antes de ir dormir, só precisa de se lembrar da sua própria tradição: "A minha paixão é dar nova vida às tradições africanas. E mostrar ao mundo que África já fazia cerveja muitos séculos antes do mundo ocidental".

Preservar a tradição

Apiwe é mestre cervejeira no Soweto. Há anos que fabrica aqui a cerveja tradicional Umqombothi. Muitas culturas africanas bebem esta cerveja há muito tempo em ocasiões especiais como ritos de iniciação ou casamentos. No mundo rural, continua a ser a bebida preferida para brindar a compra do primeiro carro ou o sucesso nos exames escolares.

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A partilha de cerveja caseira entre amigos é de rigor no espaço rural sul africanoFoto: DW/Subry Govender

Apiwe salienta a perspetiva histórica: "Quando a minha mãe me ensinou a fabricar cerveja, mostrou-me como medir a temperatura com o cotovelo. Evidentemente hoje usamos um termómetro para saber se a temperatura é a correta. Acho lindo juntar os dois mundos e constatar como as coisas são parecidas".

O Umqombothi é feito tradicionalmente a partir de farinha de milho, malte de sorgo e água. O processo demora quatro ou cinco dias, dependendo do método utilizado. O sabor é azedo. Há quem não goste, mesmo na África do Sul. Como o álcool não é vendido há semanas e os stocks privados estão esgotados, algumas pessoas experimentam com outros sabores, como a cidra, a cerveja de gengibre ou de ananás. O que não falta na África do Sul é fruta madura.

Mais sede

Zee é uma das mulheres que aprendeu rapidamente a colmatar a lacuna, como demonstrou: "Bem, vou começar com dois ananases. Pico-os grosseiramente, ponho os pedaços em água, depois deito o açúcar e a levedura. A levedura fermenta o açúcar, e é assim que se obtém o álcool".

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O alcoolismo é um problema sério na África do Sul e não poupa as criançasFoto: UNICEF/GIACOMO PIROZZI

A cerveja de ananás de Zee leva cinco dias para ficar pronta, porque o álcool  precisa de tempo para fermentar. A bebida é mexida de vez em quando, mas basicamente deve ser colocada num lugar escuro e deixada sozinha. Depois é só deixar arrefecer e desfrutar.

"Não sei o que o confinamento fez comigo, mas preciso de uma bebida tantas vezes. É estranho que precise muito mais de beber do que antes, apesar de continuar a trabalhar. Talvez seja porque acabo o trabalho mais cedo do que o habitual e não passo tempo lá fora", conta Zee. Em todo o caso a bebida parece ser deliciosa, porque Zee passou a produzi-la regularmente.

Thandanani Umlo, de Boksburg, a leste de Joanesburgo, diz que "gostaria que este ofício de produção de cerveja pelo método caseiro recentemente redescoberto se estabeleça". Algo que as grandes destilarias e cervejeiras provavelmente não querem ouvir.

Consumo elevado de álcool

A África do Sul é provavelmente um dos países do mundo onde se bebe mais álcool, diz Umlo. "Se mais pessoas fabricarem as suas próprias bebidas, então isso tornar-se-á a nossa cultura. Isto pode levar a uma redução do consumo excessivo de álcool que costumávamos ter", argumenta.

O álcool é, na verdade, a causa de muitos acidentes de viação e violência doméstica. A proibição das vendas durante o rígido recolher obrigatório da África do Sul é uma tentativa de evitar que a situação deteriore. Mas o facto de pessoas como a Apiwe quererem agora regressar às suas raízes e aumentar a popularidade da cerveja azeda Umqombothi é um efeito secundário que mantém vivo as tradições africanas.

"A minha cultura exige que eu coloque o primeiro gole na boca para o saborear e agradecer os meus antepassados, mostrando que os respeito. Depois engulo e, se quiser, posso beber mais", diz Apiwe.

Atualmente apenas o fabrico e consumo caseiro de álcool são permitidos por lei. Mas se os sul-africanos reaprenderem, entretanto, a apreciar o produto, é possível que quando terminar o confinamento, haja muito mais cerveja caseira.