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HistóriaAlemanha

1983: Condenação de mãe que fez justiça com as próprias mãos

Gerda Meuer

No dia 2 de março de 1983, os juízes condenaram a seis anos de prisão a mãe que fizera justiça com as próprias mãos, matando, dentro de um tribunal, o suposto estuprador e assassino confesso de sua filha.

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Marianne Bachmeier
Marianne Bachmeier foi condenada a seis anos de prisão em 2 de março de 1983Foto: HELMUTH LOHMANN/AP/picture alliance

Marianne Bachmeier não demonstrou nenhum remorso 13 anos depois de matar, a sangue frio e dentro do tribunal, o provável estuprador e assassino de sua filha Anna, de 7 anos. Autoconfiante, ela falou a um apresentador de uma rádio sobre sua nova vida na Sicília, na Itália.

Foi para lá que ela se mudara depois de uma passagem pela Nigéria, após cumprir pena na prisão pela morte de Klaus Grabowski, de 35 anos. Ela disse não suportar mais a Alemanha, principalmente a cidade de Lübeck, onde tudo começou.

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"Para mim, é uma cidade de assassinos. Lübeck pode ser muito bonita, mas para mim está muito ligada a todo esse processo", afirmou Bachmeier, que desde o caso não conseguiu mais se desvencilhar dessa imagem da cidade.

Era nela que Bachmeier morava com sua filha, Anna, até esta cair nas mãos de Klaus Grabowski, o assassino confesso da sua filha, que antes teria abusado sexualmente da menina. Ele já havia sido punido por crime sexual, tendo se deixado castrar para poder sair da prisão. Já em liberdade e com uma nova namorada, ele recebeu injeções de hormônios masculinos, que restabeleceram seus instintos.

"Eu não queria ir ao julgamento. Eu teria de depor sobre o caráter de minha filha. Fui ameaçada até de aplicação de medidas disciplinares no caso de ausência, o que era uma provocação. Ninguém deveria se surpreender com o que aconteceu", afirmou a mãe.

Em 6 de março de 1981, Bachmeier, então com 30 anos, chegou ao terceiro dia do julgamento carregando uma Beretta calibre 22. Ela atirou oito vezes nas costas do réu, acertando sete. "Eu queria atirar no rosto dele. Infelizmente, eu o acertei nas costas. Espero que esteja morto", disse Bachmeier logo após o crime. Grabowski morreu na sala do tribunal, e Bachmeier se deixou prender sem resistência. Ela foi acusada de homicídio.

No centro das atenções da mídia

O julgamento, dois anos depois, acabou levando-a ao estrelato, e os relatos da imprensa sobre o caso dividiram a opinião pública: um caso de justiça com as próprias mãos, algo que, nessas condições, jamais havia sido visto no país.

Jornais, revistas e diversas emissoras cobriram o caso à exaustão, tanto que a revista Stern publicou uma biografia de Bachmeier em 13 capítulos. Também foram planejados dois filmes sobre a história da mãe que vingou a morte da filha.

Bachmeier vendera a história de sua vida para a Stern por 250 mil marcos, e o repórter Heiko Gebhardt tinha permissão para visitá-la enquanto ela estivesse sob custódia. Ela usou o dinheiro para cobrir seus honorários advocatícios.

Em 13 episódios, os leitores aprendem detalhes da infância e juventude infelizes de Marianne num lar rigidamente religioso com um pai autoritário, ex-membro da Waffen SS. Bachmeier engravidou pela primeira vez aos 16 anos e estava esperando uma segunda criança aos 18. Ela deu as duas filhas para adoção. Pouco antes do nascimento de sua segunda filha, ela foi estuprada. Quando sua terceira filha, Anna, nasceu em 1973, a jovem de 23 anos manteve consigo a criança, que também era para ter sido entregue a pais adotivos.

"Só recebi cartas de apoio, regularmente chegava correspondência de fãs. As pessoas tiveram muita compreensão comigo", afirmou. 

O assassinato

A pequena Anna era uma criança alegre e extrovertida, como amigos mais tarde recordarão. Ela cresceu com a mãe, que tinha um pub em Lübeck. No fatídico dia 5 de maio de 1980, a menina de 7 anos faltou à escola após uma discussão com a mãe e caiu nas mãos de Grabowski. Ele, de 35 anos, tinha antecedentes criminais por abuso sexual de crianças, passou por tratamento psiquiátrico e havia se submetido voluntariamente a uma castração. Mais tarde, ele se submeteu a um tratamento com hormônios – com autorização judicial – para restaurar seu desejo sexual. Grabowski manteve Anna presa em seu apartamento por horas e a estrangulou com uma meia-calça. Nunca foi esclarecido se ele abusou da garota antes ou não.

Ele enterrou o corpo de Anna numa caixa de papelão na margem de um canal. Naquela mesma noite, ele foi preso após uma denúncia de sua namorada. Grabowski confessou o assassinato, mas negou ter abusado da garota. Em vez disso, ele disse à polícia que Anna tentou chantageá-lo: ela ameaçara contar à mãe dela que ele a havia violentado sexualmente se ele não lhe desse dinheiro. Temendo ter de voltar para a prisão, ele acabou a estrangulando, segundo seu relato.

Talvez tenham sido exatamente essas alegações que mais tarde levaram à morte de Grabowski. Bachmeier disse ter se sentido profundamente ofendida pelas palavras dele. Um dos motivos que ela daria mais tarde para suas ações foi que ela queria evitar que Grabowski manchasse a reputação de sua filha: "Ouvi dizer que ele queria dar um depoimento. Pensei: agora vem a próxima mentira sobre essa vítima, que era minha filha", explicou ela mais tarde, numa entrevista.

O veredito

O julgamento de Marianne Bachmeier começou em 2 de novembro de 1982. O tribunal precisava decidir-se sobre homicídio culposo ou doloso, se Bachmeier tinha atirado com intenção criminosa ou por verdadeiro abalo emocional.

Marianne Bachmeier testemunhou no tribunal que não tinha a intenção de matar. Ela disse que atirou sem pensar, no calor do momento, e que jamais havia treinado tiro.

O julgamento atraiu imensa atenção do público. Muitos culparam o sistema judiciário pelo crime, pois ele permitira que um homem que já havia abusado de duas meninas restaurasse seu desejo sexual com hormônios. Outros acusaram Bachmeier de negligenciar Anna e duvidavam que ela estivesse realmente de luto. Outros ainda expressavam abertamente sua simpatia pelo ato de vingança.

"Não se pode tratar homicídio culposo e doloso da mesma maneira, pois isso faria de todo soldado um assassino. Para mim o 'como' é muito importante. Eu tive que ouvir quando o assassino de minha filha descreveu a forma como ele a matou. Apertou o pano ao redor do seu pescoço cada vez mais forte. Aí eu atirei", disse Bachmeier.

Em meio a um debate público acalorado, o tribunal precisava tomar uma decisão. Bachmeier atirou de forma premeditada ou no calor do momento? Ela realmente tinha a arma consigo no tribunal porque se sentiu ameaçada? Ou porque queria se vingar?

No dia 2 de março de 1983, os juízes de Lübeck acabaram decidindo-se por homicídio culposo, além de posse ilegal de arma de fogo, e a condenaram a seis anos de prisão. Com o veredito, o tribunal seguiu amplamente o argumento da defesa de que o crime não havia sido planejado.

Bachmeier jamais lamentou seu ato

Em junho de 1985, Bachmeier foi libertada antes de cumprir toda a pena. Ela jamais lamentou seu ato. Mas virou as costas para a Alemanha. Casou-se e deixou o país. Viveu com seu marido na Nigéria até 1990. Após o divórcio, ela se mudou para a Sicília, onde trabalhou com enfermeira de doentes terminais e também escreveu um livro sobre sua vida.

Em 1996, Bachmeier, em estado terminal com câncer no pâncreas, retornou à Alemanha. Ela morreu em 17 de setembro de 1996, aos 46 anos, e foi enterrada ao lado da filha Anna em Lübeck. Ela mesma havia desejado ser enterrada em Palermo.

A seu próprio pedido, Bachmeier teve suas últimas semanas de vida documentadas em filme por um jornalista da emissora NDR.

Anos após o crime, há muitos sinais de que Bachmeier planejara sua vingança, ao contrário do que ela alegou no julgamento. Em 1995, ela mesma explicou num programa de entrevistas da emissora ARD que havia atirado no suposto assassino de sua filha após muito tempo de consideração: para que ele pagasse pelo crime e para impedi-lo de continuar a espalhar inverdades sobre Anna. Num documentário de 2006, uma antiga amiga também disse que Bachmeier havia treinado tiro no porão de seu bar após o assassinato de Anna.